Mito da tupinambá criação do
mundo e floresta yanomami são os temas que as duas agremiações vão apresentar
no desfile.
Por Cristina Indio do Brasil/Agência Brasil
No Portal vermelho
A Escola de Samba Acadêmicos do
Grande Rio, que escolheu para 2024 contar a história do mito tupinambá, vai
questionar como o Brasil se identifica com os povos originários de seu
território. O enredo Nosso Destino É ser Onça,
dos carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora, que começaram a
pesquisar o tema em 2016. Segundo Haddad, o enredo vem sendo maturado ao longo
desse tempo, desde que conheceram o livro Meu Destino É Ser Onça, do escritor
Alberto Mussa. A escolha só ocorreu após uma conversa com o autor para que em
2024 fosse a história a ser contada pela agremiação no Sambódromo.
Para Haddad, é natural que
carnavalescos tenham ideias de enredos que só serão desenvolvidos pelas escolas
um tempo depois. “Isso acontece com todos os carnavalescos, todo mundo tem a
sua caixinha, ou sua gaveta, com enredos que a gente vai guardando e entendendo
o melhor momento. Nós já passamos pela Cubango [escola de Niterói], chegamos na
Grande Rio e aí fomos entendendo o momento de cada enredo na escola. A Grande
Rio é uma escola que já cantou diversas vezes temas ligados aos povos
indígenas, e a gente achou importante agora trazer esse desenvolvimento para a
escola”, afirmou em entrevista à Agência Brasil.
“A onça guia todo o enredo. A
gente começa com o mito tupinambá de criação do mundo, que está presente no
livro e, a partir daí, amplia para mostrar um pouco mais de Brasil. Na verdade,
para os tupinambá, a onça tem um significado muito importante, porque é a
criadora do mundo. É o próprio velho que cria o mundo. Para os tupinambá, a
pessoa se transformar e se sentir onça é ser o pajé, o xamã mais poderoso
daquela região”, disse Haddad. Segundo ele, a partir deste princípio, serão
mostrados também os deuses dos astecas, maias e incas e, no Brasil, o pajé-onça
do povo baniwa [na fronteira com a Colômbia e a Venezuela] que é o considerado
de maior espiritualidade.
A Grande Rio vai levar ainda para
a avenida rituais de cura para alguns povos indígenas, de caça, de xamanismo,
que traduzem maior desenvolvimento espiritual, de encantarias do Nordeste e do
Norte do Brasil, pajelança, histórias de povos ribeirinhos. “Vai contar o
início do mundo por intermédio da onça, e agora a onça, na contemporaneidade,
expressa um poder de luta, de força muito grande. A onça hoje é símbolo de
algumas associações de travestis, símbolo de pinturas para ressignificar a ideia
de selvagem. A força que a onça traz, enquanto
animal, é também um símbolo de
luta hoje em dia para os povos indígenas”, acrescentou Haddad.
O carnavalesco disse que a onça
aparece no Brasil atual nas lutas como a de demarcação das terras indígenas e pela
valorização do povo LGBTQIA+. “São essas frentes que precisam estar unidas que
vamos trazer no final do nosso desfile”.
Haddad disse que o escritor
Alberto Mussa, autor do livro que deu origem ao enredo da Grande Rio, ficou
feliz ao receber essa notícia e está acompanhando de perto tudo que está sendo
desenvolvido. “A gente tem se encontrado, e ele entende o que a gente vai
trazer além do livro. Está sendo uma experiência muito bacana”, afirmou Haddad,
que tem esperança de que Mussa desfile com a escola.
Público
A verde, vermelho e branco de
Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, quer envolver o público na Marquês de
Sapucaí, como fez em 2022, quando com o enredo Fala, Majeté! Sete Chaves de
Exu, foi campeã pela primeira vez no Grupo Especial das escolas de samba do
Rio.
“É um enredo desafiador, porque
ele não começa há 500 anos, mas há 11 mil, 22 mil anos, o que, no tempo mítico,
nos leva a essa simbologia da onça. Essa força da onça encantada, entidade,
divindade, que vai devorando culturas, que vai devorando todos nós. É mais um
enredo que vai propor, de maneira poética, esse debate na avenida sobre quem é
o brasileiro, quem somos nós aqui nessa terra indígena, que é tão múltipla.
Acredito que o público vai se identificar bastante, porque o signo onça está
presente no nosso dia a dia. O público, com certeza, vai se surpreender mais
uma vez com a escola de Caxias”, disse Leonardo Bora à Agência Brasil.
A Grande Rio vai brigar pelo
título, afirmou o carnavalesco, ao lembrar que os componentes ganham fôlego
extra por a escola ter sido campeã recentemente e, por isso, querer ficar em
primeiro lugar mais uma vez. “Ganha um desejo a mais de continuar esse grande
sonho coletivo, que foi a conquista do campeonato com o enredo sobre Exu.”
Samba
Os sambas inscritos serão
recebidos pela escola no dia 24 deste mês, e as quatro eliminatórias da disputa
na quadra estão marcada para os dias 12, 19 e 30 de setembro e a final, em 7 de
outubro. Pelo que tem notado até agora, Leonardo Bora diz que os compositores estão
seguindo bem na linha do que ele e o Gabriel queriam para a escola.
“Sim. É um enredo muito vasto,
que tem esse teor lendário e essa narrativa que passa por diferentes visões de
Brasil e de mundo. As parcerias estão viajando nisso, e mais uma vez tenho
certeza de que vamos ter uma safra marcada pela diversidade, o que, para a
gente, é muito importante”, completou, destacando que é a diversidade que vai
tornar a disputa tão rica.
Barracão
As alegorias de 2023 foram
desmontadas e as ferragens de três já começaram. Os carnavalescos estão na fase
de desenho dos protótipos das fantasias. De acordo com Haddad este tem sido um
ano em que a dupla está conseguindo adiantar o trabalho. “O carnaval é no
início de fevereiro, a gente não pode dar mole”, completou.
Salgueiro
Outra escola tradicional,
Salgueiro, quer fazer em 2024 um alerta em defesa da Amazônia e em particular
dos Yanomami, que sofrem efeitos da ação de garimpeiros na sua região. A escola
vai levar para a avenida o enredo Hutukara, que significa a floresta construída
dos yanomami. Apesar das atrocidades sofridas pela etnia terem sido divulgadas
com maior destaque mais recentemente, o carnavalesco Edson Pereira, autor do
projeto do carnaval do ano que vem, disse que a escolha do enredo não se deu
por causa da situação atual da etnia.
“Foi um acaso mesmo, porque eu
comecei a trabalhar esse enredo em setembro do ano passado e aí, já em
dezembro, começou essa questão que veio aflorar na mídia. Era um enredo
pertinente bem antes disso”, ressaltou o carnavalesco, em entrevista à Agência
Brasil.
Edson revelou que o enredo é
baseado no livro A Queda do Céu, de Davi Kopenawa, xamã e líder político do
povo yanomami, para mostrar “o quanto é necessário entender que, antes do
Brasil ser império, antes de existir a coroa, já existia o cocar”, que é o
ponto de partida do que a escola vai apresentar na avenida.
“Temos uma dívida com os povos
originários, não é só com os yanomami. Claro, a gente tem uma dívida com os
yanomami, mas a gente fala também de todos os povos originários do Brasil.
Esses povos lutam por uma causa não só de subsistência. Eles falam que não
comem o que a gente acha ser o mais precioso, que é o ouro, o diamante, as
pedras preciosas, os minérios. Eles não sobrevivem disso e, sim, da natureza e
lutam pela preservação dessa natureza”, contou, acrescentando, que, por isso, o
Brasil passou a ser o foco do mundo.
Mas o Salgueiro não vai ficar
apenas na parte das dificuldades do povo yanomami, vai mostrar também o lado
positivo da etnia. “É até um pedido do Davi Kopenawa e do Instituto Moreira
Salles: que a gente mostre mais essa parte feliz, do que essa parte agressiva deles,
que tentam passar, e não é verdade. Também a parte do lamento não cabe no
carnaval, mas é necessária como um alerta. A gente vai ter, sim, esse alerta,
mas sem a questão da dor e do lamento. Vamos mostrar uma realidade muito
pertinente”, adiantou.
“Os povos originários querem ser
representados, mas com felicidade também”, acrescentou.
De acordo com Edson, a comunidade
salgueirense recebeu muito bem o enredo, até porque faz tempo que a escola não
fala sobre indígenas. “O Salgueiro é conhecido como uma escola ligada aos temas
de origem africana, mas a gente quer dar uma cambalhota em tudo isso, quer
virar esse jogo.”
“O Salgueiro, enquanto escola de
samba, tem obrigação de falar em todas as culturas a que a gente tem acesso. A
comunidade está muito feliz”, observou.
Samba
Com base a sinopse escrita pelo
‘enredista’ Igor Ricardo, um texto explicativo do enredo divulgado pelas
escolas, os compositores estão na fase de criação de sambas, que vão começar a
ser selecionados em disputa na quadra em agosto.
“Provavelmente teremos mais de 30
sambas [concorrendo]. Teremos um grande problema, porque já vimos obras lindas.
É um problema bom de se passar. A gente está muito feliz porque eles entenderam
muito bem a proposta que queremos passar com este enredo. Acreditamos que é o
caminho certo”, afirmou Edson, destacando que a participação do samba para o
resultado de uma escola é de mais de 50%.
“Estamos aguardando uma disputa
bem difícil. Essa é a expectativa”, acrescentou.
Barracão
Segundo o carnavalesco do Salgueiro,
o cronograma de preparação dos desfiles está adiantado, tanto que os
protótipos, que são os desenhos das fantasias, estão prontos há quase um mês.
“A gente já está em um processo de compra de material e de execução de algumas
fantasias. As alegorias também já estão desenhadas e em um processo de compra
de material. É um processo bem diferente dos últimos anos”, concluiu.
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