Estudo mostra como grandes supermercados dos EUA e da Europa
lucram bilhões sem que isso signifique melhora de vida para trabalhadores
rurais
A Oxfam divulgou um estudo global que mostra como um dos
produtos mais conhecidos do agronegócio brasileiro, o suco de laranja, é, ao
mesmo tempo, responsável pela pobreza de homens e mulheres trabalhadoras rurais
e pequenos agricultores. Um em cada 4 copos de suco de laranja bebidos no mundo
é brasileiro; no entanto, os trabalhadores ganham apenas 2,1% do preço final na
prateleira dos supermercados; os pequenos agricultores, 3,1%.
O estudo critica a forma como os grandes supermercados dos
Estados Unidos e da Europa estão lucrando bilhões sem que isso signifique uma
melhora na situação dos trabalhadores e pequenos agricultores que produzem os
alimentos. Os supermercados ficam com uma quantidade cada vez maior do dinheiro
que seus consumidores gastam em suas lojas –em alguns casos, esse valor chega a
50%, enquanto a parcela que fica com os trabalhadores e produtores rurais pode
ser menos de 5%.
A Oxfam pesquisou produtos importantes na agricultura de
vários países: o cacau, na Costa do Marfim; o arroz e o atum em lata, na
Tailândia; o café, na Colômbia; o feijão verde, no Quênia; a banana, no
Equador; o chá, na Índia; a uva, na África do Sul; o tomate, em Marrocos; o
abacate, no Peru e o camarão, no Vietnã, além da laranja brasileira. Em todos
eles, a remuneração para os trabalhadores e pequenos produtores em relação ao
preço final não chega a 5%.
Os dados são estarrecedores: seriam necessários mais de 4
mil anos para um trabalhador que atua no processamento de camarão na Indonésia
ou Tailândia ganhar o mesmo que um típico executivo de um supermercado
norte-americano ganha em um ano. Apenas 10% do que os três maiores
supermercados dos EUA pagaram a seus acionistas em 2016 seria o suficiente para
pagar um salário digno a 600 mil trabalhadores que atuam no processamento de
camarão na Tailândia. 90% das mulheres que trabalham no cultivo de uva na
África do Sul entrevistadas afirmaram não terem tido o suficiente para comer no
mês anterior.
“O setor privado tem o potencial para tirar milhões de pessoas
da pobreza, mas os grandes supermercados europeus e norte-americanos estão
acumulando riquezas sobre o trabalho degradante de homens e mulheres no campo”,
afirma Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil. “Em muitos casos,
devolver 1 ou 2% do preço de varejo –e isso pode significar alguns centavos
apenas– poderia mudar a vida das milhares de pessoas que hoje produzem nosso
alimento, mas mal têm o que comer.”
“Os supermercados precisam enxergar sua responsabilidade
sobre o que vem acontecendo no outro extremo de sua cadeia produtiva, onde
estão trabalhadores e pequenos e médios produtores”, explica o assessor de
políticas da Oxfam Brasil, Gustavo Ferroni. “Com o poder de compra que possuem,
eles podem definir direta e indiretamente as condições de produção, exigindo,
por exemplo, o compromisso de seus fornecedores para acabar com jornadas
exaustivas, empregos informais, trabalho escravo e outras condições desumanas
no campo.”
O cultivo da laranja no interior de São Paulo já foi alvo de
denúncias de trabalho escravo pelo Ministério Público do Trabalho. Gigante do
setor, a Sucocítrico Cutrale teve seu nome estampado entre as 132 empresas
autuadas na “lista suja” do trabalho escravo no ano passado por manter
trabalhadores em condição análoga à escravidão. As fazendas do grupo já foram
multadas diversas vezes pelo MPT em Campinas pelas más condições impostas aos
trabalhadores.
A última condenação, em fevereiro deste ano, obrigou a
empresa a pagar 300 mil reais em danos coletivos por manter os trabalhadores
sem período de repouso e trabalhando em feriados nacionais; sem local para
refeição e descanso, sem condições adequadas de higiene e conforto; sem água
potável; sem instalações sanitárias conforme a norma; sem segurança no
transporte; sem equipamentos de proteção individual necessários para o manuseio
de agrotóxicos; e sem registro em carteira de trabalho, entre outras infrações.
A Oxfam lançou uma campanha para pressionar os grandes
supermercados e governos de todo o mundo a atuarem com firmeza contra a
precariedade do trabalho no campo, exigindo maior transparência sobre a
procedência dos alimentos, fim da discriminação contra as mulheres e garantia
de que agricultores e produtores recebam uma parcela mais justa do que é pago
pelos consumidores no varejo. Uma das soluções por parte do poder público, é
estabelecer uma política de preço mínimo para as commodities agrícolas, o que
beneficia os pequenos agricultores.
Para os agricultores, a sugestão da organização são as ações
coletivas, que ampliam o poder de negociação de pequenos agricultores e
trabalhadores. Segundo o estudo, os pequenos agricultores obtêm fatias muito
maiores do preço final ao consumidor –em torno de 26%– quando estão organizados
em cooperativas que podem atingir economias de escala até o ponto de
exportação, em comparação com aqueles que não estão e ficam
com apenas cerca de 4%.
Com informações da Oxfam e do MPT em Campinas
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