Opus Dei nas finanças do Governo e com força na banca
Conhecida como 'maçonaria branca', o Opus Dei tem mais de 1500 membros em Portugal. Apesar de negar a existência de uma estratégia de poder, conta com figuras de destaque na banca e na política. Há mais de dez anos que um governo não tinha um elemento ligado à obra, mas a última minirremodelação pôs no Executivo um cooperador que até há três meses geria a financeira da Escola de Negócios da obra.
O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, colocou recentemente uma das mais importantes áreas da governação nas mãos de um cooperador do Opus Dei: o secretário de Estado Manuel Rodrigues. O novo homem-sombra de Vítor Gaspar nas Finanças junta assim duas áreas às quais a obra é constantemente associada: a política e a banca, nas quais sempre teve membros influentes.
Para muitos uma "igreja dentro da Igreja", o Opus Dei é a única prelazia pessoal reconhecida pelo Vaticano e ajuda em Portugal mais de 1550 membros a "aproximarem-se de Deus". No País, tal como no resto do mundo, a esmagadora maioria dos seus membros mantém-se no anonimato, um obscurantismo que, a par de girar em torno de uma pessoa (o prelado Javier Echevarría), faz que muitos o considerem uma "seita religiosa". A designação ofende os seus membros, que primam por ser discretos e dizem agir individualmente nas suas profissões. Esteja ou não montada uma teia de influências em Portugal, é certo que o Opus Dei conta (entre numerários, supranumerários e cooperadores - três diferentes níveis de ligação à obra) com pessoas que são influentes na política e, principalmente, no sector bancário.
Voltemos então às Finanças. Até integrar o Governo, Manuel Rodrigues acumulou as funções de vice-presidente do PSD com as de professor da AESE - Escola de Direção e Negócios, instituição dirigida por membros e uma das obras cooperativas do Opus Dei Portugal. Professor de Economia e Finanças, Manuel Rodrigues tirou também o seu MBA noutra estrutura do Opus Dei: o IESE Business School da Universidade de Navarra. Além disso, no último mês de setembro, Manuel Rodrigues assumiu o cargo de diretor-geral da sociedade de capital de risco da AESE, a Naves, funções que deixou a 26 de outubro para integrar o Governo, tal como consta da declaração de rendimentos entregue no Tribunal Constitucional a 21 de dezembro.
No cargo governamental que ocupa, Manuel Rodrigues (que o DN tentou contactar por todos os meios, sem êxito) vai igualmente lidar de perto com a banca, área que os elementos do Opus Dei - incluindo alguns dos seus mais destacados membros - conhecem bem. Apesar de alguns elementos da obra terem perdido o poder que noutros tempos tiveram no BCP, há outros que continuam muito bem colocados na banca. O presidente do Conselho de Administração do BPI e da Fundação Calouste Gulbenkian, Artur Santos Silva, participou em alguns eventos do Opus Dei a convite de Carlos da Câmara Pestana, que durante anos foi o representante do segundo maior acionista do BPI (o Itaú) e um dos vice-presidentes do banco.
Apesar da aproximação, quando confrontado pelo DN, Artur Santos Silva não falou sobre a participação nestes eventos, disse apenas ser "muito amigo do dr. Câmara Pestana" e garantiu: "Não sou, nem pretendo ser, membro do Opus Dei." Quanto a Câmara Pestana não há qualquer dúvida de que é uma figura de destaque da obra e preside o Itaúsa - Investimentos Itaú S.A., que pertence ao Itaú Brasil.
O Itaú decidiu alienar a sua participação no BPI, o que não significa que o Opus Dei fique fora de cena. É que a participação de 18,9% do Banco Itaú no BPI - de acordo com o contrato de promessa de compra e venda já assinado - vai ser vendida ao banco espanhol La Caixa, instituição associada ao Opus Dei por ter sido parceira da Fundação Senara (sedeada em Madrid, que pertence à obra e foi criada pelo fundador da prelatura, o espanhol Josemaría Escrivá de Balaguer).
Câmara Pestana é supranumerário, o que significa que é membro da obra, frequenta os centros, participa em retiros e outros eventos, mas é casado. Além disso, ocupa cargos em estruturas ligadas ao Opus Dei, como a Fundação Maria Antónia Barreiro, em que é membro do conselho geral. Artur Alves Conde, membro do Opus Dei, professor e um dos fundadores da AESE, também foi, até 2010, administrador da seguradora do BPI (a BPI Vida), chegando a ser presidente do conselho fiscal do banco.
O 'banco do Opus Dei'?
Um dos argumentos utilizados pelos membros da prelatura para reforçar a ideia de que a obra nunca pretendeu controlar a banca é o facto de muitos dos membros já se terem enfrentado ferozmente no mundo empresarial. E um dos episódios mais conhecidos foi a oposição de Câmara Pestana às intenções de um dos mais destacados membros do Opus Dei, o banqueiro e fundador do BCP, Jorge Jardim Gonçalves, na OPA que o BCP fez ao BPI em 2006.
Jardim Gonçalves teve um primeiro contacto com a obra quando estudava na Universidade de Coimbra, mas, curiosamente, foi o PREC que o empurrou para o Opus Dei. Sem emprego em Portugal depois das nacionalizações, o madeirense foi para Madrid trabalhar no Banco Popular Espanhol em pleno "Verão Quente". Foi aí que, por influência da sua mulher, Maria da Assunção, acabaria por se tornar supranumerário do Opus Dei, ainda no ano de 1975.
Precisamente 30 anos depois, Jardim Gonçalves escolheu como seu sucessor na presidência do então maior banco privado português o antigo secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros de Cavaco Silva e também supranumerário Paulo Teixeira Pinto - que viria a abandonar a organização em 2007. Quando fez a escolha, Jardim Gonçalves desvalorizou a ligação publicamente: "É uma coincidência. Ele ser do Opus Dei é um problema dele. Nunca falámos sobre isso. Cada um tem os seus caminhos. A escolha teve que ver com o que a pessoa é e pode continuar a ser. As pessoas da prelatura tiveram a mesma surpresa do que os jornalistas, quando o nome do sucessor foi conhecido." Ao DN, Teixeira Pinto não quis falar sobre o Opus Dei, uma vez que nunca o faz, nem fará, por uma "questão de princípio".
Se houve solidariedade entre supranumerários nesta sucessão, o mesmo não se pode dizer quanto à OPA do BCP sobre o BPI. Câmara Pestana estava de um lado da barricada e Jardim Gonçalves e o seu delfim, Teixeira Pinto, do outro. Opus Dei, Opus Dei, negócios à parte. Câmara Pestana, então número dois do BPI, foi um dos grandes responsáveis pelo falhanço dos dois irmãos supranumerários na OPA, tendo convencido o Banco Itaú a não vender as ações ao BCP ao preço de sete euros por título.
Três membros do Opus Dei de costas voltadas, mas só fora das portas dos centros da obra. Apesar de toda a troca de farpas públicas, longe dos olhares dos media Câmara Pestana, Teixeira Pinto e Jardim Gonçalves tratavam-se cordialmente em sessões espirituais no Oratório de S. Josemaría, no Lumiar.
Organização "perigosa" e "reacionária"
Os críticos do Opus Dei não têm dúvidas de que a obra procura ter influência na banca e na política nos vários países por onde passa. E Portugal não é exceção. O presidente da Associação Ateísta Portuguesa, Alfredo Esperança, considera o Opus Dei uma das organizações "mais perigosas e reacionárias da Igreja Católica". O ateu acredita que o Opus Dei tem "muito mais influência do que a maçonaria, que está fragmentada em várias organizações". "Basta ver o que aconteceu no BCP", remata. Alfredo Esperança lembra ainda que o Tribunal Federal Suíço, com sede em Lausana, definiu o Opus Dei num acórdão como "uma seita, uma associação secreta que atua ocultamente, com um máximo de opacidade nos seus assuntos".
Apesar de muitos ex-membros terem criticado o Opus Dei em conversas com o DN, não quiseram dar a cara. O mesmo não aconteceu com a presidente da Fundação Saramago, Pilar del Río, que confessou ao DN que cresceu perto do Opus Dei, uma vez que o seu pai era membro da obra. Porém, a prelatura não lhe merece o mínimo respeito, classificando-a de "uma seita para castrar". "Castra as pessoas física e intelectualmente e só tem um único objetivo: poder!", afirma.
O Opus Dei Portugal, através do gabinete de comunicação, garante que "nunca" procurou obter influência na sociedade, lembra que "as leis são para serem cumpridas" e que "é moralmente grave obter tratamentos de favor". O diretor de comunicação, Pedro Gil, assegura que "a autonomia e liberdade de cada pessoa são valores cruciais que não podem ser postos em causa".
'Maçonaria branca' perde
Apesar de conhecida como a "maçonaria branca", os membros do Opus Dei consideram ofensiva a comparação com os pedreiros-livres. Dizem que não têm mais influência do que a maçonaria, uma vez que não têm "influência nenhuma". Certo é que, olhando aos grandes cargos da sociedade, a prelatura perde na contagem de espingardas para os que veneram o "Grande Arquiteto do Universo". Os deputados maçons são largas dezenas, enquanto o social-democrata Mota Amaral - garante a prelatura - é hoje o único deputado que pertence ao Opus Dei.
O próprio responsável do gabinete de comunicação da obra, Pedro Gil, esclarece que "qualquer membro da Prelatura do Opus Dei que atua na área pública, fá-lo sempre por exclusiva iniciativa própria, com total liberdade e responsabilidade pessoal sem qualquer mandato do Opus Dei". Assim, acrescenta, "Mota Amaral representa na Assembleia da República exclusivamente quem o elegeu, não a obra".
Apesar de recusar qualquer tipo de influência, dois destacados membros do Opus Dei já ocuparam o cargo de segunda figura da Nação. O fundador do CDS, Francisco Oliveira Dias - atualmente também membro do Conselho Geral da Fundação Maria Antónia Barreiro -, e Mota Amaral foram ambos presidentes da Assembleia da República (AR).
Mota Amaral, ainda hoje deputado do PSD, garante ao DN que nunca foi instrumentalizado: "Pertenço ao Opus Dei há mais de 50 anos e o facto de ser membro nunca afetou a minha liberdade política. Seria inadmissível que alguém da obra me desse instruções ou pedisse favores." O social-democrata é numerário e quando está em Lisboa (o que acontece em metade da semana) dorme num dos centros da obra. É assim há mais de 30 anos. Porém, "para que as coisas não se confundissem, quando fui presidente do Parlamento fiz questão de ficar na residência oficial", explicou o parlamentar.
Ao contrário de Mota Amaral (presidente da AR de 2002 a 2005), a escolha de Francisco Oliveira Dias, médico de profissão, não foi fácil. A eleição só foi decidida ao fim de três votações. Na altura, um deputado socialista, o historiador César Oliveira, chegou a confidenciar ao médico do CDS que "a maçonaria queria o lugar". Por essa altura (1981-82), na hierarquia do Estado, Oliveira Dias apenas tinha à sua frente um homem que é próximo do Opus Dei, apesar de não ser membro: o ex-presidente da República Ramalho Eanes.
Além de ter frequentado a AESE, Eanes tirou o doutoramento na instituição em que, por norma, se formam os membros do Opus: a Universidade de Navarra, em Espanha, controlada pelo Opus Dei e criada por Josemaria Escrivá de Balaguer.
A atual presidente da AR, Assunção Esteves, também admitiu que chegou a ser "convidada pela maçonaria e pelo Opus Dei".
Próximos mas não membros
Associado à prelatura por, ao longo dos anos, ter participado em eventos promovidos pela obra, o casal Eanes é admirador confesso do fundador do Opus Dei, tendo ido a Roma à canonização de Balaguer em outubro de 2002. Uma admiração partilhada pelo antigo ministro da Solidariedade Social do CDS Bagão Félix, que já participou num retiro do Opus Dei. Porém, não aderiu à obra.
Dizer "não" ao Opus Dei foi também o que fizeram Marcelo Rebelo de Sousa e Diogo Freitas do Amaral, ambos convidados no final dos anos 70 por Adelino Amaro da Costa. A pedido do seu amigo democrata-cristão, Marcelo chegou a fazer donativos a um dos projetos da obra. O antigo ministro do CDS- que morreu na queda do avião em Camarate, também fatal para o então primeiro-ministro Sá Carneiro - foi um dos destacados membros da obra, que abandonaria para se poder casar (era membro celibatário).
Antes de sair da obra, Amaro da Costa convidou amigos para integrar a prelatura, entre os quais dois ex-ministros de Cavaco Silva: Roberto Carneiro (Educação) e Miguel Beleza (Finanças). Este último revelou ao DN que não se recorda se "o convite foi feito formalmente", mas admite que falou "várias vezes e de forma profunda com Amaro da Costa sobre o assunto e a fé no geral". Mas Miguel Beleza nunca se sentiu "suficientemente vocacionado para aderir". Por outro lado, o também ex-ministro de Cavaco, Arlindo Cunha, chegou a ser membro da obra, mas já saiu.
O antigo primeiro-ministro e atual alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, António Guterres, chegou a viver numa residência da obra e, embora não seja membro, costuma ser associado à organização. Foi, curiosamente, nos governos de Guterres que mais se falou em disputas nas pastas entre o Opus Dei e a maçonaria - o que ambas as organizações negam. Ao DN, na grande investigação sobre a maçonaria, o grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL) disse claramente que o "Opus Dei não é nenhum inimigo. Muitas vezes associam-se os maçons a um certo anticlericalismo, o que não é verdade. Não há inimizade nenhuma".
O GOL, a mais influente obediência maçónica do País, sempre gozou de alguma influência junto do PS, daí que a maioria dos socialistas não visse com bons olhos a aproximação ao Opus Dei - geneticamente ligado à direita. Aliás, a prelatura - que tem uma lista negra de livros - definiu Portugal Amordaçado, do histórico socialista Mário Soares, como uma das obras proibidas.
Apesar disso, a mulher de Mário Soares e também fundadora do PS, Maria Barroso, já participou em eventos da obra social da prelatura, tendo também integrado a comitiva portuguesa que assistiu à canonização do fundador. Uma aproximação promovida por uma "grande amiga", já falecida, e que pertencia à obra, Ana Boléo Tomé. "Não pertenço ao Opus Dei, mas tenho pela obra o maior respeito. Consideram-me cooperadora porque gosto de cooperar com todas as organizações inspiradas nos grandes movimentos cristãos. Gosto de fazer alguma coisa pelos outros", disse ao DN a antiga primeira dama.
Apesar das restrições que impedem os membros da obra de participar em eventos públicos, não é vedada a presença em comícios políticos. No entanto, como explicou ao DN um antigo numerário, "a opção política está limitada a dois partidos: o PSD e o CDS".
A aproximação de Zita
Seria impensável ver um membro do Partido Comunista no Opus Dei. No entanto, uma ex--delfim de Álvaro Cunhal, Zita Seabra, tem vindo a aproximar-se da obra. A também ex--deputada do PSD já participou em eventos do Opus Dei, numa identificação que terá começado com a publicação de um livro de monsenhor Hugo de Azevedo (membro histórico da obra) sobre Josemaría Escrivá. Também o livro Opus Dei, da autoria de John L. Allen (correspondente da CNN no Vaticano, acusado de o ter escrito por encomenda da prelatura), foi publicado em Portugal pela Alêtheia, editora de Zita Seabra. Além de presidente desta editora, Zita preside uma empresa sedeada em Óbidos, a Várzea da Rainha Impressores (VRI), que, por sua vez, tem como acionista a Naves, uma sociedade financeira detida maioritariamente pela... escola superior afeta ao Opus: a AESE.
Confrontada pelo DN, Zita Seabra mostrou-se indignada com estas ligações, classificando-as como "insinuações" ao mesmo tempo que recusou explicar a ligação ao Opus Dei. Considerou as questões como "jornalismo de sarjeta", afirmando que a VRI nada tinha que ver com a AESE nem com o Opus Dei. Os sites e documentos oficiais da Naves e da AESE dizem o contrário. Fonte oficial do Opus Dei confirmou igualmente que Zita Seabra já participou em eventos da obra.
Em sentido inverso, o deputado do CDS João Rebelo deixou de ser cooperador do Opus Dei em 2002, por "questões pessoais de fé". Sobre os anos em que colaborou diz "só ter as melhores memórias". E acrescenta: "Conheci pessoas extremamente inteligentes, com quem ainda hoje mantenho uma boa relação." Os cooperadores não estão obrigados ao celibato nem a todos os rituais, mas participam em eventos e missões da obra.
Em situação idêntica está o histórico do CDS e antigo número dois da AR, Narana Coissoró, que apesar de pertencer à religião hindu ainda hoje é cooperador do Opus Dei - condição que permite que fiéis de outras religiões participem nas atividades. A ligação de Narana Coissoró começou através da filha, Smitá, que tem inclusive um cargo dirigente: vice-secretária da assessoria regional do Opus Dei Portugal.
Ao DN, Narana Coissoró explicou que, enquanto "mero cooperante", é "mais um amigo. O meu contributo é dar lições, dar palestras, quase sempre sobre o Oriente e a Índia nas instituições ligadas à obra". Narana Coissoró rejeita a existência de qualquer ideia de obscuridade associada à prelatura. "É falso. Chamam-lhe a maçonaria branca, mas não é nenhuma maçonaria. Não é secreta. Não tem mandamentos. Não tem graus", justifica.
João Rebelo partilha a mesma opinião e considera que a comparação é sinónimo de ignorância, evidenciando uma diferença: "Se for a uma missa dada por um sacerdote do Opus Dei ninguém lhe nega a entrada, mas não o deixarão certamente ir a uma sessão da maçonaria."
Rui Pedro Antunes
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