Críticos dentro da Igreja não desviam obra do 'Caminho'
Altos dirigentes portugueses da Igreja Católica não acreditam que exista um projeto oculto de poder no Opus Dei para controlar a Igreja Católica. Admitem, porém, que a obra tem críticos e que há opções tomadas que podem não estar de acordo com o direito canónico. Vigário regional garante que não passa por cima de bispos das dioceses.
"O Opus Dei faz parte da Igreja Católica." Esta foi a frase mais repetida e dita com mais ênfase pelos membros da obra ao longo deste trabalho, como quem quer marcar bem uma posição. Mas qual é afinal o papel do Opus Dei na Igreja Católica? Altos responsáveis portugueses da Igreja Católica - que não pertencem à obra - consideram que o Opus Dei tem um papel importante na formação católica e que tem vindo a afirmar-se, mas admitem a existência de vários críticos dentro da própria Igreja.
O cardeal José Saraiva Martins, o mais influente português do Vaticano, explica ao DN que o papel do Opus Dei é "servir a Igreja", algo que considera que a obra faz com "uma total fidelidade e lealdade". Enquanto observador privilegiado da realidade do centro de poder da Igreja Católica, José Saraiva Martins considera "infundadas" as críticas de que o Opus Dei procura controlar a Igreja.
Apesar disso, a prelatura ainda não tem uma aceitação unânime na Igreja Católica. O bispo emérito de Aveiro, D. António Marcelino, admite que "como acontece com outros movimentos eclesiais existentes, há diversidade na sua aceitação. Porém, depostos preconceitos existentes, a aceitação vai crescendo".
O Opus Dei é a única prelatura pessoal da Igreja, o que faz que a obra goze de uma influência na Igreja Católica superior a qualquer outro movimento eclesiástico. Os críticos referem o facto de os sacerdotes do Opus Dei não responderem hierarquicamente aos bispos da diocese, mas apenas ao prelado (Javier Echevarría) em Roma como um dos privilégios da obra. O líder do Opus Dei em Portugal, José Rafael Espírito Santo, considera esta fórmula hierárquica natural: "Um sacerdote da Guarda em Lisboa responde ao bispo da sua diocese e não ao bispo de Lisboa." José Rafael Espírito Santo reconhece que "as licenças ministeriais são dadas pelo vigário regional, mas, ao mesmo tempo, o bispo de cada diocese onde estão os sacerdotes do Opus Dei tem de reconhecer o sacerdote". Além disso, garante o vigário regional, "tudo o que o Opus Dei faz na diocese passa sempre pelo bispo diocesano, como a abertura dos centros".
O bispo emérito de Aveiro explica, porém, que "em relação à prelatura há ainda muitas críticas, pois é considerada como uma igreja no seio das Igrejas Diocesanas". D. António Marcelino diz ainda que "a decisão de Roma não foi devidamente refletida pelos bispos diocesanos, o que criou maiores dificuldades de aceitação. Foi como que uma decisão 'clandestina' como pude verificar, que os responsáveis negavam, mesmo quando já existiam documentos que mostravam as démarches existentes". O sacerdote recorda que viveu "já bispo este acontecimento" e conta a impressão com que ficou: "Considerei-o uma decisão à revelia do Vaticano II, por influências da Cúria Romana, que sempre defendeu a autoridade exclusiva do Papa, esquecida do valor da colegialidade episcopal, mormente em tema que afetava toda a Igreja." E lamenta: "Foi pena que assim tenha acontecido e a verdade é que não se criou nenhuma outra prelatura pessoal."
O bispo emérito de Aveiro revela, por outro lado, que o Opus "mantém ainda, em algumas atividades, dificuldade em se situar, com normalidade, na comunidade eclesial, dando para isso razões ligadas com a sua estrutura. É o caso dos colégios que não aceitam ser escolas católicas segundo o direito canónico e as orientações do episcopado". O bispo emérito considera este "um assunto não resolvido e que obriga a conferência episcopal, por via de um diálogo aberto, a não desistir, pois trata-se de um tema de grande relevância pastoral".
Sobre a aceitação do Opus Dei na Igreja, o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (órgão que congrega todas as dioceses do País), Manuel Morujão, questiona: "Há algum espaço no mundo em que todos vivam a bater palmas de aplauso mútuo, sem crítica alguma? Estaríamos no paraíso... É natural que haja pessoas que gostem do estilo do Opus Dei, como é perfeitamente aceitável que haja pessoas que tenham outros critérios e gostos." Na opinião de Manuel Morujão, "o importante é não tornarmos dogmático o perfil do movimento ou obra a que aderimos, dentro do espaço comum que é a Igreja ou mesmo a sociedade. Por mais encantador que achemos o som do violino, não vamos pretender que uma orquestra não admita outros instrumentos".
D. António Marcelino sintetiza o papel da obra, classificando-a como "um movimento de espiritualidade que visa dar aos membros uma formação que lhes permite ser cristãos no mundo, preocupados em orientar a sua vida segundo o Evangelho".
Maçonaria da Igreja?
Os altos responsáveis da Igreja contactados pelo DN rejeitam também a ideia do Opus Dei ser a "maçonaria da Igreja". D. António Marcelino considera que o Opus Dei "não se deve considerar uma forma de maçonaria" e atribui esta ideia ao facto de a obra, "no início e durante longo tempo, [ter] um secretismo exagerado e desnecessário". O bispo emérito diz ainda que "é natural que os membros do Opus, com a sua formação, tenham uma ação positiva, que não julgo de toupeira, na sociedade". Manuel Morujão também rejeita o rótulo de "maçonaria", pois o Opus "cultiva certa discrição, o que é muito diferente de ocultismo".
Rui Pedro AntunesNo Diário de Notícias
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