'Um dia descobri que cantava.
O meu filho mais velho João
Carlos estava morrendo e eu já tinha perdido 2 filhos e não queria perder mais
um.
Eu não tinha dinheiro pra cuidar
do meu filho e ouvi no rádio que o programa do Ary Barroso de calouros Nota 5,
estava com o prêmio acumulado. Não sei como, mas eu sabia que ia buscar esse
prêmio!
Fiz a inscrição e me avisaram que
eu precisava ir bonita. Mas eu não tinha roupa nem sapatos, não tinha nada!
Então, eu peguei uma roupa da minha mãe, que pesava 60kg e vesti, só que eu
pesava 32kg, já viu né? Ajustei com alfinetes. Tudo bem que agora é moda ne?
Hoje até a Madonna usa, mas essa moda aí fui eu que comecei viu? Alfinetes na
roupa é muito meu, é coisa de Elza!
No pé coloquei uma sandália que a
gente chamava de “mamãe tô na merda”, e fui!
Quando me chamaram, levantei e
entrei no palco do auditório. O auditório tava lotado, todo mundo começou a rir
alto debochando de mim
Seu Ary me chamou e perguntou:
_ O que você veio fazer aqui?
_ Eu vim Cantar!
_ Me diz uma coisa, de que
planeta você veio?
_ Do mesmo planeta seu Seu Ary.
_ E qual é o meu planeta?
_ PLANETA FOME!
Ali, todo mundo que estava rindo
viu que a coisa era séria e sentaram bem quietinhos.
Cantei a música Lama.
O Gongo não soou e eu ganhei,
levei o prêmio e meu filho está vivo até hoje, graças a Deus!
De lá pra cá, sempre levo comigo
um Alfinete.
Naquela época eu achava que se
tivesse alimentos pros meus filhos, não teria mais fome. O tempo passou e eu
continuei com fome, fome de cultura, de dignidade, de educação, de igualdade e
muito mais, percebo que a fome só muda de cara, mas não tem fim.
Há sempre um vazio que a gente
não consegue preencher e talvez seja essa mesma a razão da nossa existência.'
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