Recente livro do “brasilianista” James Green faz uma leitura sóbria e extremamente prazerosa sobre a relação entre os “Estados Unidos” e a Ditadura Militar brasileira
O livro “Apesar de Vocês”, do historiador James Green, apresenta uma história que ainda é muito pouco conhecida dos leitores e até mesmo de muitos especialistas: a atuação de uma rede nos Estados Unidos formada por norte-americanos, parlamentares, brasileiros imigrantes, acadêmicos, jornalistas e até mesmo religiosos, indivíduos que durante anos estiveram comprometidas em combater politicamente a ditadura militar brasileira (1964-1985). Mas além de pouco conhecida, esta história é também reveladora: ela desmonta uma leitura reducionista e viciada da história segundo a qual uma entidade abstrata chamada “Estados Unidos da América” apoiou de forma homogênea e categórica as arbitrariedades cometidas pelo governo brasileiro durante o período da ditadura. Dar visibilidade aos pontos de união desta rede e desconstruir a visão estereotipada que confundia governo e sociedade formam a espinha dorsal do livro e representam a contribuição de Green à historiografia da ditadura brasileira.
Não pense o leitor, porém, que a obra é uma tentativa de minimizar o papel dos Estados Unidos no episódio da ditadura. Segundo Green, a Casa Branca teve um papel importante no movimento de desestabilização que derrubou o presidente João Goulart e apoiou de forma decisiva muitos dos governos militares instalados após 1964. O autor mostra também como a imprensa americana fez péssimo jornalismo. O público norte-americano – que pouco conhecia o Brasil – foi muito mal informado pelos jornais e revistas da época sobre o que estava acontecendo realmente no Brasil. Com exceção de publicações esporádicas e pouco populares, nada fora publicado sobre as torturas, sobre os exílios forçados, ou ainda sobre as detenções de adversários do regime. Para efeito geral, os editoriais e as notícias dos jornais americanos consideravam que o Golpe Militar de 1964 fora uma medida para preservar a democracia no Brasil e impedir um golpe comunista, versão que ignora totalmente o fato de que fora a democracia a principal vítima dos golpistas.
Para Green, no entanto, este cenário começa a mudar em 1968, com a instituição do Ato Institucional N°. 5, que suprimiu as poucas liberdades civis que ainda existiam no Brasil e escancarou de vez o autoritarismo da ditadura. A partir deste momento, começa a ganhar força nos Estados Unidos a rede de ativismo político da qual se refere James Green. Essa rede, embora informal e nem sempre articulada, foi responsável por diversas ações que visavam informar a sociedade americana em geral sobre a tortura, a perseguição e a supressão das liberdades no Brasil, bem como pressionar Washington a repensar as suas relações com o governo brasileiro. As apresentações do grupo teatral “The Living Theatre”, no Madison Square Garnde, em Nova York, em 1974, as abaixo assinados e cartas assinadas por intelectuais e professores acadêmicos ou ainda o boicote de artistas à Bienal de São Paulo de 1969 são alguns exemplos deste ativismo.
O esforço destes homens e mulheres obteve vitórias importantes, como a provação da Lei de Assistência Externa de 1973 e 1974, que instruíram o presidente americano a “negar qualquer assistência econômica ou militar ao governo de qualquer país estrangeiro que pratique a internação ou encarceramento de seus cidadãos por motivos políticos”. (GREEE, 2009. PG.33). Além disso, conforme lembra Green, “as estratégias, táticas e abordagens que utilizaram para trazer à baila a questão das violações dos direitos humanos no Brasil serviram de base para todo o trabalho semelhante feito no futuro em relação à América Latina nos Estados Unidos” (idem, pg.29).
Lançado em 2009 pela Companhia das Letras, “Apesar de Vocês” é uma leitura prazerosa e obrigatória para quem deseja conhecer um pouco mais sobre a história contemporânea do Brasil, uma obra que nasce da combinação entre o rigor acadêmico do norte-americano James Green e também de alguém que viveu muitos dos acontecimentos narrados no livro. O historiador morou vários anos no Brasil, domina a língua portuguesa e, embora viva hoje nos Estados Unidos, continua tendo um forte vínculo com o nosso país. Essa interessante combinação reflete na própria estruturação do livro: os capítulos alternam-se entre análises conjecturais, marcado por uma leitura mais acadêmica, documental, e outra, na qual são inseridos os depoimentos de personagens reais, indivíduos cuja trajetória pessoal mistura-se à história do Brasil ao ativismo travado nos Estados Unidos das décadas de 1960, 1970 e 1980. Uma escolha fundamental e acertada, tal como a escolha do título do livro, uma referência cheia de camadas e nuances à musica de Chico Buarque.
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