Pés de Fran de Santi |
Este fetichismo explicitou-se com maior intensidade no século XIX, apesar do clima de sexualidade austera e reprimida que os manuais de comportamento ditavam em especial para as mulheres da época. Naquele mundo de corpos cobertos, mãos e pés assumiam um papel afrodisíaco. Para melhor explicar essa situação naquele século, nos embasamos em um trecho do livro “Histórias de Amor no Brasil, de autoria de Mary Del Priore – Uma historiadora bastante indicada para os que estudam o Brasil oitocentista”. Vamos ao trecho:
“Se quase todos procuravam melhorar ou se enfeitar para casar, não faltavam na época critérios de beleza. Partes do corpo, sexualmente atrativas, designavam, entre tantas jovens casadoiras, as mais desejadas. Esses verdadeiros lugares de desejo, para não dizer de obsessão dos leões, gaviões ou gamenhos, atualmente não fazem o menor sucesso. Do corpo inteiramente coberto da mulher o que sobrava eram as extremidades. Mãos e pés eram os que mais atraíam olhares e atenções masculinas. Grandes romances do século XIX, como A Pata da Gazela ou A Mão e a Luva revelam, em metáforas, o caráter erótico dessas partes do corpo. Mãos tinham de ser longas e possuidoras de dedos finos acabando em unhas arredondadas e transparentes. Vejamos José de Alencar descrevendo uma de suas personagens, a Emília: “Na contradança as pontas de seus dedos afilados, sempre calçados nas luvas, apenas roçavam a palma do cavalheiro; o mesmo era quando aceitava o braço de alguém.” Não apenas os dedos eram alvo de interesse, mas seu toque ou os gestos daí derivados revelavam a pudicícia de uma mulher. O ideal é que estivessem, sempre, no limite do nojo ou da repugnância por qualquer contato físico.
Pequenos, os pés tinham de ser finos, terminando em ponta; a ponta era a linha de mais alta tensão sensual. Faire petit pied era uma exigência nos salões franceses; as carnes e os ossos dobrados e amoldados às dimensões do sapato deviam revelar a pertença a um determinado grupo social, grupo no interior do qual as mulheres pouco saíam, pouco caminhavam e, portanto, pouco tinham em comum com as escravas ou trabalhadoras do campo ou da cidade, donas de pés grandes e largos. Os pés pequenos, finos e de boa curvatura, modelados pela vida de ócio, eram emblemas de “uma raça”, expressão anatômica do sangue puro, sem manda de raça infecta, como se dizia no século XVIII. Circunscrita, cuidadosamente embrulhada no tecido do sapato, essa região significou, muitas vezes, o primeiro passo na conquista amorosa. Enquanto o príncipe do conto de fadas europeu curvava-se ao sapatinho de cristal da Borralheira, entre nós os namoros começavam por uma “pisadela”, forma de pressionar ou de deixar marcas em em lugar tão ambicionado pelos homens. Tirar gentilmente o chinelo ou descalçar a mule era o início de um ritual no qual o sedutor podia ter uma vista do longo percurso a conquistar. Conquista que tinha seu ponto alto na “bolina dos pés”, afagos que se trocavam nessa zona altamente sensível”.
DEL PRIORE, Mary. História do Amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006. p 153-154.
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