Pessoas de bom senso continuam à espera de fatos relevantes
capazes de colocar sob suspeita a atuação de Luiz Inácio Lula da Silva no
favorecimento de grandes empresas brasileiras com investimentos no exterior.
O caso mais recente, que faz parte do esforço notório para
cercar o ex-presidente com acusações criminais que possam justificar a abertura
de uma investigação, envolve uma troca de emails em torno da construção de uma
hidrelétrica na Namíbia.
Li o material por escrito, no Estado de S. Paulo. Em
seguida, vi a cobertura da TV Globo. Em termos concretos, o caso é uma Batalha
de Itararé, aquela que não houve -- pois o negócio nem se concretizou.
Além de caretas rápidas e insinuações de apresentadores de
TV, nada se mostrou que não seja um esforço típico de um líder político
interessado em ampliar os negócios de uma empresa de seu país no mercado
internacional. A empresa mencionada é a Odebrecht -- o maior grupo privado do
país, que tem uma presença internacional tão ampla que, muitas vezes, seu
faturamento externo é maior do que o realizado no Brasil. Basta lembrar que seu
presidente, Marcelo Odebrecht, cumpre uma já longa prisão preventiva na Lava
Jato, para entender o esforço para se chegar perto de Lula, sem apoio num fiapo
de prova.
A atuação de Lula no mercado sempre foi motivo de orgulho do
ex-presidente. Logo depois da posse ele chegou a ser aplaudido pelo grande
empresariado quando se comprometeu a atuar como um "caixeiro
viajante" dos produtos brasileiros no exterior.
Os documentos apresentados em tom de escândalo apenas mostram
que Lula, durante e depois do mandato, não se limitava a fazer proclamações no
plano da teoria, mas agia na prática. O esforço para abrir um investimento na
Namíbia ocorria num ambiente geral no qual o eixo da diplomacia brasileira, a
partir de 2003, passava a priorizar a África. Está errado?
Só não compreende o valor dessas iniciativas quem desconhece
a luta encarniçada por cada centímetro quadrado do mercado mundial. Numa
economia global onde o setor privado tem um papel importante, seus interesses
confundem-se, muitas vezes, aquilo que se identifica como interesse nacional.
Aceita-se, como parte inevitável do crescimento econômico, que empresas
mobilizem governos de seus países para garantir a defesa de seus interesses. O
Brasil já viu isso de perto, seja quando procura espaço em mercados alheios,
seja quando seu próprio mercado é alvo da cobiça externa.
Um caso exemplar, dentro do país, envolveu o Projeto Sivam,
o Sistema de Vigilância da Amazônia. Empresas norte-americanas e francesas
travaram uma luta selvagem por um investimento de US$ 1,4 bilhão, inteiramente
financiado pelo governo brasileiro durante o mandato de Fernando Henrique
Cardoso. Apesar do volume do negócio, Brasília decidiu não realizar licitação
para escolher do vencedor, abrindo uma guerra selvagem entre serviços secretos dos Estados Unidos e da
França, que passaram a monitorar conversas entre concorrentes com autoridades
que poderiam influenciar no resultado.
Como lembra Laurez Siqueira em artigo publicado em 2012 no
site Carta Maior, prestando depoimento no Senado norte-americano, em 1994,
quando a disputa sequer estava resolvida, o diretor da CIA James Woosley
reconheceu: "Informamos a Casa Branca sobre tentativas de suborno no caso
Sivam. Já beneficiamos várias empresas dos EUA em bilhões de dólares. Muitas
nem sabem que tiveram nossa assistência."
Em maio de 1995, um ano depois dessa surpreendente confissão
de quem estava diretamente envolvido no caso, o governo brasileiro anunciou o
resultado. Ganhou a norte-americana Raytheon. Seis meses depois, ocorreu um
novo lance na guerra de espiões. Divulgou-se uma gravação que lançava suspeitas
sobre o embaixador Julio Cesar Gomes dos Santos, assessor da Presidência da
República, em conversa com um empresário que representava os interesses da
Raytheon no Brasil e teve um papel importante no fornecimento de jatinhos para
o comitê eleitoral de Fernando Henrique Cardoso.
As denúncias nunca foram esclarecidas nem investigadas a
fundo, na época. Não são elas que interessam aqui.
O envolvimento direto da CIA ajuda a mostrar que o
presidente Bill Clinton fez uso integral da potência norte-americana para fazer
avançar os interesses de uma empresa de seu país. Não poupou nada.
Os laços econômicos criaram laços políticos e vice-versa.
Três anos mais tarde, quando o Real quebrou, criando uma crise que ameaçava a
reeleição de Fernando Henrique, Clinton abriu os cofres do Tesouro dos EUA para
garantir um especialíssimo empréstimo ponte de US$ 40 bilhões que permitiu a
FHC segurar o câmbio favorável até a contagem dos votos.
É neste ambiente que se tenta criar um escândalo em torno de
uma hidrelétrica que não houve, na Namíbia. Deu para entender, certo?
Via - Brasil 247
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