Mark Zuckerberg e a colonização das redes pelo Facebook
JOHN LANCHESTER
Na Piauí
No final de junho deste ano, Mark Zuckerberg anunciou que o Facebook havia alcançado um novo patamar: 2 bilhões de usuários mensais ativos. Ou seja: 2 bilhões de pessoas diferentes acessaram o Facebook no mês anterior. É difícil aquilatar um conjunto desses. E pensar que “thefacebook” – o nome original do site – foi lançado para uso exclusivo dos alunos de Harvard em 2004. Nenhum empreendimento, nenhuma nova tecnologia, nenhum serviço jamais obteve tal difusão em tão pouco tempo.
A rapidez com que a rede social foi adotada excede com
vantagem a velocidade de expansão da própria internet, sem falar de tecnologias
mais antigas como televisão, cinema ou rádio. E também impressiona como, à
medida que o Facebook cresceu, a confiança que inspira foi reforçada. A
multiplicação de membros, ao contrário do que se poderia esperar, não significa
menos comprometimento por parte do usuário. Mais não implica pior – pelo menos
do ponto de vista do Facebook. Longe disso. No distante mês de outubro de 2012,
quando a rede chegou a 1 bilhão de usuários, 55% deles já a acessavam todo dia.
Hoje, que são 2 bilhões, os frequentadores diários chegam a 66%. Sua base
cresce 18% ao ano – o que parecia impossível para uma empresa já tão
gigantesca. O maior rival em matéria de inscritos é o YouTube, controlado pela
Alphabet (a empresa antes conhecida como Google), sua concorrente implacável,
que ocupa a segunda posição com 1,5 bilhão de usuários mensais. Os quatro
maiores aplicativos – ou serviços, ou seja lá que nome tenham – que vêm em
seguida são o WhatsApp e o Messenger, com 1,2 bilhão de usuários, o Instagram,
com 700 milhões, e o aplicativo chinês WeChat, com 889 milhões. Os três
primeiros têm um traço em comum: são controlados pelo Facebook. Não admira que
a empresa-mãe seja a quinta mais valiosa do mundo, com um valor de mercado de
445 bilhões de dólares.
Ao comunicar o crescimento do Facebook, Zuckerberg ainda fez
um anúncio que pode ou não ser significativo. Disse que a empresa havia
decidido mudar a “declaração de princípios” – sua própria versão da hipócrita e
cultivada afirmação de nobres preceitos da América corporativa. A missão do Facebook
costumava ser “tornar o mundo mais aberto e conectado”. Um não usuário poderia
se perguntar: a troco de quê? A conexão era apresentada como um fim em si
mesmo, uma coisa boa pela própria natureza. Mas será mesmo? Flaubert falava dos
trens com ceticismo, porque julgava (na paráfrase de Julian Barnes) que “as
estradas de ferro simplesmente permitiram que mais gente se desloque daqui para
lá, encontrando-se com outros e sendo, juntos, os idiotas de sempre”. E ninguém
precisa ser um misantropo da magnitude de Flaubert para se perguntar se o mesmo
não se aplicaria à tal conexão que o Facebook propõe. Por exemplo, acredita-se
que a rede tenha desempenhado importante papel, crucial até, na eleição de
Donald Trump. O benefício para a humanidade, no caso, não fica muito claro.
Essa ideia, ou algo assim, parece ter ocorrido a Zuckerberg, pois sua nova
declaração de intenções apontou uma razão para toda essa conectividade. Agora,
a nova missão do Facebook seria “dar às pessoas o poder de construir
comunidades e deixar o mundo mais próximo”.
Hummm. A declaração de intenções da Alphabet – “organizar a
informação do mundo e torná-la universalmente acessível e útil” – era
acompanhada da máxima “Não fazer o mal”, que rendeu muita risada: para Steve
Jobs, não passava de uma “babaquice”.[1] É verdade, mas não é só isso. Muitas
empresas, ou mesmo indústrias, baseiam seu modelo de negócios numa intenção
perversa. O ramo dos seguros, por exemplo, funciona porque as empresas cobram
bem mais do que seus clientes porventura venham a receber – o que é até justo,
pois de outro modo as seguradoras não seriam viáveis. O que não é justo é o
estratagema de recorrer a técnicas capciosas para evitar ao máximo os
pagamentos devidos aos clientes. Basta perguntar a alguém que tenha tido uma
propriedade atingida por algum sinistro importante.
Faz sentido, portanto, declarar a intenção de “não fazer o
mal”, porque é assim que atuam muitos negócios. Sobretudo no mundo da internet,
ambiente em que as empresas operam num campo mal compreendido pelos clientes e
pelas autoridades reguladoras, se é que alguém de fato entende como funcionam.
O que elas fazem, se competentes, é por definição inédito. E, nessa área em que
novidade, desconhecimento e desregulação se sobrepõem, vale lembrar que os funcionários
não devem fazer o mal, uma vez que, caso a empresa seja bem-sucedida, não
faltarão oportunidades para que se pratiquem as mais variadas maldades.
Desde suas origens, mas com estilos diversos, Google e
Facebook vêm palmilhando essa tênue linha divisória. Um conhecido meu já fez
negócios com os dois. “O YouTube sabe que rola muita sujeira no site, e o
pessoal sempre faz o possível para tentar melhorar e aliviar a situação”, ele
disse. Perguntei o que ele entendia por “sujeira”. “Conteúdo extremista e
terrorista, material roubado, violações de direitos autorais. Esse tipo de
coisa. Mas o Google, na minha experiência, tem consciência das ambiguidades, da
moral duvidosa que envolve boa parte do que fazem, e pelo menos tenta pensar
numa resposta. Já o Facebook não está nem aí. Quando você tem uma reunião com
eles, percebe na hora. Eles são (e por um instante ficou procurando a palavra
certa) meio nojentos.”
Pode parecer um julgamento muito severo. Desde sua fundação,
porém, o Facebook enfrenta problemas éticos e ambiguidades – sabe-se disso
porque seu criador mantinha um blog e registrava tudo. E o nascimento da
empresa ocorreu como se vê no filme de Aaron Sorkin, A Rede Social. Em seu
primeiro ano em Harvard, Zuckerberg sofreu um revés sentimental. E quem não se
vingaria com a criação de um site que exibisse lado a lado as fotos de todos os
alunos, para que se votasse no mais atraente? (No filme, fica parecendo que só
eram postadas fotos de moças; na vida real, eram de homens e mulheres.) O site
chamava Facemash. Por ocasião do lançamento, seu criador disse:
Estou um pouco mexido, não vou negar. Ainda nem são dez
horas, estamos numa terça-feira à noite. Como assim? O álbum do dormitório
Kirkland está aberto no meu computador, e as fotos de algumas dessas pessoas
são horríveis. Quase me dá vontade de pôr as fotos ao lado de imagens de
animais de fazenda, para as pessoas votarem nos mais atraentes […] Vamos
começar a hackear.
Como explica Tim Wu em seu novo livro The Attention
Merchants [Os Mercadores de Atenção], vigoroso e original, o “álbum” a que
Zuckerberg se refere aqui (chamado em inglês, justamente, facebook) é,
“tradicionalmente, um folheto físico produzido nas universidades americanas
para promover a socialização à maneira dos eventos em que cada um porta um
crachá com o respectivo nome; as páginas são preenchidas por fileiras e mais
fileiras de fotos de rostos acompanhados apenas do nome de cada um”. Harvard já
vinha trabalhando numa versão eletrônica desses álbuns ou facebooks. A
principal rede social existente à época, a Friendster, já tinha 3 milhões de
usuários. A ideia de associar uma coisa à outra não foi de todo original, mas,
como declarou Zuckerberg em certo momento, “acho ridículo a universidade
precisar de anos para chegar a esse resultado. Faço isso melhor que eles, e no
máximo em uma semana”.
Wu afirma que capturar e revender atenção vêm constituindo a
base de grande número de negócios da era moderna, dos cartazes da Paris do fim
do século xix, passando pela invenção de jornais de grande tiragem que lucram
não com a circulação, mas com anúncios, até o advento das indústrias da
publicidade e da tevê sustentada pela propaganda. O Facebook se filia a uma
linhagem de empreendimentos desse tipo, embora talvez seja o exemplo mais puro,
em todos os tempos, de empresa voltada unicamente à captura e à revenda da
atenção. E quase não houve qualquer ideia nova envolvida em sua criação. Como
observa Wu, é “um empreendimento com uma relação extremamente baixa entre taxa
de invenção e sucesso”.
Em vez de buscar a originalidade, Zuckerberg cultivou a
persistência em levar as coisas até as últimas consequências e a capacidade de
distinguir as grandes questões em jogo. Para as empresas de internet
iniciantes, o crucial é saber pôr os planos em prática e se adaptar às
circunstâncias voláteis. E foi a habilidade de Zuck para esse tipo de direção –
contratando técnicos talentosos e sabendo aproveitar as principais tendências
de sua atividade – que levou sua empresa aonde se encontra. As duas imensas companhias-irmãs
abrigadas sob as asas gigantescas do Facebook, o Instagram e o WhatsApp, foram
compradas, respectivamente, por 1 bilhão e 19 bilhões de dólares – num momento
em que não eram rentáveis. Nenhum banqueiro, analista de mercado ou adivinho
poderia dizer a Zuckerberg o valor justo para essas aquisições; ninguém teria
como avaliá-las melhor do que ele. Ele percebeu a direção que as coisas estavam
tomando, e soube como fazê-las chegar lá. E este talento redundou num valor de
várias centenas de bilhões de dólares.
O ator Jesse Eisenberg apresenta um retrato de Zuckerberg
brilhante mas enganoso, segundo Antonio García Martínez, um antigo gerente da
rede social, em Chaos Monkeys [Macacos do Caos] – um livro cáustico e divertido
sobre o tempo em que o autor passou na empresa. O Zuckerberg do cinema é um
personagem de alta credibilidade, um gênio da computação alocado em algum ponto
do espectro autista, com um talento mínimo ou nulo para o convívio social. Na
vida real, Zuckerberg estudava para obter dois diplomas, um em informática e o
outro – o que todos tendem a esquecer – em psicologia.
As pessoas que se encaixam em algum ponto do espectro
autista só têm uma noção limitada de como opera a mente alheia; os autistas, ao
que se diz, não conseguem adquirir uma “teoria da mente”. Não é bem o caso de
Zuckerberg. Ele conhece bem o funcionamento da psiquê, sobretudo a dinâmica
social da popularidade e do status. No começo, o Facebook se dirigia apenas a
quem tinha um endereço de e-mail de Harvard; àquela altura, pretendia-se tornar
exclusivo o acesso ao site, e transformá-lo em objeto de desejo. (E também
manter o tráfego limitado, de maneira que seus servidores jamais viessem a
cair. A psicologia e a informática de mãos dadas.) Depois, a rede se estendeu a
outras universidades americanas de elite. Quando foi lançado no Reino Unido,
restringiu-se a Oxford e Cambridge, além da London School of Economics. A ideia
era que o usuário satisfizesse a curiosidade quanto ao que outros como ele
faziam, compartilhar suas conexões sociais, permitir a comparação, o autoelogio
e o exibicionismo, dando plena vazão à ânsia e à inveja, mantendo o nariz
pressionado contra a vitrine da loja de doces da vida alheia.
E foi isto que chamou a atenção do primeiro investidor
externo do Facebook, Peter Thiel, hoje um conhecido bilionário do Vale do
Silício. Também aqui o filme é fiel à história: o investimento de Thiel, de 500
mil dólares, em 2004, foi fundamental para o sucesso do empreendimento. Mas
havia outro motivo, ligado aos apetites intelecuais de Thiel, que o levou a se
interessar pelo experimento. Enquanto estudava em Stanford, onde se formou em
filosofia, ele sentiu-se atraído pelas ideias do filósofo francês René Girard,
residente nos Estados Unidos, expostas no mais influente de seus livros, Coisas
Ocultas desde a Fundação do Mundo. A principal ideia de Girard é o que ele
chama de “desejo mimético”. Seres humanos nascem precisando de alimento e
abrigo. Uma vez atendidas essas necessidades básicas, espiamos ao redor para
ver o que os outros estão fazendo e desejando, e nossa tendência é copiá-los.
Em suma, disse Thiel, “a imitação se encontra na raiz de todos os
comportamentos”.
Girard era cristão, e sua visão da natureza humana tem a ver
com a noção da Queda. Não sabemos o que desejamos nem o que somos; não temos
crenças nem valores próprios; o que nos domina é o instinto de cópia e
comparação. Somos o Homo mimeticus. “O homem é a criatura que não sabe o que
desejar, e precisa recorrer aos outros para se decidir. Desejamos o que os
outros desejam porque imitamos seus desejos.” Olhai em volta, ó
insignificantes, e comparai-vos uns aos outros.
O motivo pelo qual Thiel aderiu ao Facebook com tamanho
entusiasmo foi por ter visto pela primeira vez um empreendimento essencialmente
girardiano: escorava-se em nossa necessidade de nos copiarmos uns aos outros.
“O Facebook começou a se espalhar pelo boca a boca, e funciona com base no boca
a boca, de modo que é duplamente mimético”, disse Thiel. “As redes sociais se
mostraram mais importantes do que pareciam à primeira vista porque têm a ver
com essa nossa natureza.” Fazemos o possível para que nos vejam como queremos
ser vistos, e o Facebook é a ferramenta mais popular que a humanidade já criou
com essa finalidade.
A visão da natureza humana implícita nessas ideias é
bastante sombria. Se tudo que desejamos é olhar para os outros a fim de
podermos nos comparar a eles e copiar o que nos der na telha – se é esta a
verdade final e mais profunda sobre a humanidade e suas motivações –, o
Facebook de fato não precisa se preocupar muito com o bem-estar da humanidade,
uma vez que tudo de ruim que nos acontece se deve enfim a nós mesmos. Apesar do
tom elevado da declaração de intenções da empresa, sua premissa essencial é
misantrópica. E talvez seja por isso que o Facebook, mais que qualquer outro
empreendimento das mesmas dimensões, tenha um veio claramente perverso correndo
em sua trama. A versão mais visível disso, a mais corriqueira na imprensa
marrom, toma a forma de incidentes como o streaming ao vivo de estupros,
suicídios, assassinatos e matanças de policiais. Mas esta é uma das áreas em
que o Facebook me parece relativamente isento de culpa. Os usuários transmitem
essas coisas terríveis através do Facebook porque é lá que se encontra a maior
das audiências; se o Snapchat ou o Periscope tivessem mais espectadores, seriam
eles os preferidos.
Em muitas outras áreas, porém, o Facebook está longe de ser
inocente. As críticas mais visíveis e mais recentes à empresa se devem ao papel
que ela desempenhou na eleição de Trump. O que tem dois componentes, um dos
quais implícito na natureza do site, que tende a separar e atomizar seus
usuários em grupos de pensamento semelhante. A missão de “conectar” acaba
significando, na prática, conectar pessoas que pensam como elas. Não há como
provar o quanto essas “bolhas” produzidas por filtros diversos são perigosas
para a sociedade, mas parece óbvio que vêm tendo um impacto considerável sobre
nossa ordem civil cada vez mais fragmentada. A ideia que temos do que seja
“nós” vem ficando mais e mais estreita com o passar do tempo.
Esta fragmentação criou as condições para a segunda vertente
da culpabilidade do Facebook no que diz respeito aos desastres políticos
anglo-americanos do ano passado. Esses desdobramentos são referidos, de maneira
geral, como fake news [notícias forjadas] e “pós-verdade”, e se tornaram
possíveis porque retrocedemos de uma ágora ampla do debate público para bunkers
ideológicos isolados. Na mídia, as notícias forjadas podem ser rebatidas e
denunciadas; no Facebook, se você não integrar a comunidade à qual essas
mentiras são direcionadas, é provável que nem tome conhecimento delas. E isso
porque o Facebook não tem qualquer interesse financeiro em só dizer a verdade.
Nenhuma empresa ilustra melhor a máxima que rege a era da internet: se o
produto for de graça, você é que é o produto. Os verdadeiros clientes do
Facebook não são os frequentadores do site, mas os anunciantes que aproveitam
sua rede e se beneficiam da capacidade dela de direcionar seus anúncios ao
público mais receptivo. Para o Facebook, que diferença faz se as notícias
postadas são verdadeiras ou falsas? Seu interesse está no direcionamento dos
anúncios, no targeting, e não no conteúdo que os acompanha.
Este é um dos prováveis motivos para que a empresa tenha
alterado sua declaração de intenções. Se seu único interesse é conectar as
pessoas, por que se incomodar com a calúnia? Na realidade, os embustes podem
até funcionar melhor que a verdade, pois ajudariam a identificar em menos tempo
as pessoas que pensam parecido. A intenção recém-declarada de “construir
comunidades” dá a impressão de que a empresa vem desenvolvendo um interesse
crescente pelas consequências das conexões que propicia.
As fake news não foram, como o próprio Facebook reconhece, o
único recurso que o site usou para influir no resultado das eleições presidenciais
de 2016. Em 6 de janeiro de 2017, o diretor nacional de inteligência dos
Estados Unidos divulgou um relatório afirmando que os russos haviam promovido
uma campanha de desinformação pela internet visando prejudicar a candidatura de
Hillary Clinton e contribuir para a eleição de Donald Trump. “A campanha de
Moscou obedeceu a uma estratégia russa de mensagens que combina operações
secretas de inteligência – como a esfera cibernética – aos esforços explícitos
de órgãos do governo da Rússia, da imprensa financiada pelo Estado, de
intermediários terceirizados e de usuários pagos das redes sociais, os chamados
trolls”, dizia o relatório. No final de abril, o Facebook acabou admitindo a
verdade (àquela altura) já bastante óbvia, num interessante estudo produzido
por sua divisão de segurança interna. Fake news, diz o texto, é um termo vago e
pouco útil, pois na verdade a desinformação se espalha de várias maneiras:
Operações de Informação (ou Influência) – Atitudes tomadas
por governos ou atores organizados não estatais com a finalidade de distorcer o
sentimento político doméstico ou estrangeiro.
Notícias Falsas – Artigos noticiosos que passam por
factuais, mas na verdade contêm afirmações forjadas destinadas a despertar
paixões, atrair a atenção pública ou enganar os leitores.
Amplificadores Falsos – Atividade coordenada por contas
inautênticas com a finalidade de manipular a discussão política (p. ex.
desestimulando certos grupos a participar da discussão, ou dando às vozes
sensacionalistas destaque muito maior do que às demais).
Desinformação – Distribuição intencional de conteúdo inexato
ou manipulado. Pode se limitar a notícias forjadas, ou envolver métodos mais
sutis, como a atribuição infundada de autoria (as chamadas “operações de
bandeira falsa”), o direcionamento de citações ou matérias inexatas a
intermediários inocentes, ou a amplificação deliberada de informações
tendenciosas ou francamente enganosas.
A empresa promete abordar esse problema, ou conjunto de
problemas, com a mesma seriedade com que encara outros de natureza diferente,
como o malware [software malicioso], o sequestro de contas alheias e a difusão
de spam. Veremos. A fake news de um é a verdade do outro, e o Facebook se
esforça ao máximo para evitar qualquer responsabilidade pelo conteúdo do seu
site – exceto no que diz respeito ao conteúdo sexual, questão em que demonstra
um rigor extremo. Mamilos femininos são banidos. A escala de prioridades é
bizarra, e só faz sentido no contexto americano, em que a mais ligeira sugestão
de sexualidade explícita é logo tingida de impureza moral. Mesmo fotos de
mulheres amamentando seus filhos são banidas e eliminadas num átimo. Já
mentiras e mera propaganda podem circular à vontade.
Para entender esse quadro, basta adotar o ponto de vista dos
anunciantes: nenhum deles quer aparecer ao lado de uma foto de seios nus, pois
isso pode prejudicar sua marca; mas não se incomodam em aparecer ao lado de
mentiras, porque essas mentiras podem inclusive ajudá-los a encontrar os
consumidores aos quais pretendem direcionar seus anúncios. No livro Move Fast
and Break Things [Aja Rápido e Quebre as Coisas], em que polemiza contra os
“barões gatunos da era digital”, Jonathan Taplin ressalta uma análise do
BuzzFeed: “Nos últimos três meses da campanha presidencial americana, as
principais matérias de fake news ligadas à eleição e divulgadas pelo Fa-cebook
engendraram reações mais determinantes que as principais matérias publicadas
por órgãos de imprensa como o New York Times, o Washington Post, o Huffington
Post, a NBC News e outros.” Mas isso não parece um problema que o Facebook
tenha pressa em corrigir.
Conteúdo forjado e conteúdo roubado pululam no Facebook sem
que a empresa se incomode: não lhe interessa se incomodar com eles. Boa parte
do conteúdo em vídeo do site é roubado de seus criadores. Um vídeo muito
esclarecedor divulgado no YouTube pela Kurzgesagt, uma produtora alemã de
filmes explicativos de alta qualidade, mostra que, em 2015, 725 dos mil vídeos
mais assistidos no Facebook eram roubados. E esta é mais uma área em que os
interesses do site vão contra os da sociedade. Podemos ter um interesse
coletivo em sustentar o trabalho criativo e imaginativo em diferentes formas, e
em muitas plataformas. Mas o Facebook não. Como explica Antonio García
Martínez, ele só tem duas prioridades: o crescimento e a monetização. Não quer
saber de onde vem o conteúdo. Só agora começa a se preocupar com a percepção de
que boa parte de seu conteúdo é falsa, porque essa percepção, se generalizada,
pode abalar a confiança no que exibe e, portanto, o tempo que as pessoas gastam
no site.
O próprio Zuckerberg se pronunciou sobre o tema, no post “o
Facebook e a eleição”, veiculado pela rede. Depois de certa embromação
sentimentaloide e cheia de platitudes (“Nosso objetivo é dar voz a cada pessoa.
Acreditamos profundamente nas pessoas”), Zuck afinal chega ao ponto: “De todo o
conteúdo do Facebook, mais de 99% do que as pessoas veem é autêntico. Só uma
proporção mínima é composta de mentiras e fake news.” No entanto, mais de um
usuário do Facebook já assinalou que, em seus feeds de notícias, o post de
Zuckerberg aparecia ao lado de um exemplo de fake news. Num dos casos, a
história falsa alegava ter sido produzida pelo canal de esportes ESPN. Quando o
usuário clicava no link, porém, era direcionado para um anúncio de suplemento
dietético. Nas palavras do escritor Doc Searls, trata-se de uma fraude dupla,
“uma mentira flagrante vinda de uma fonte falsa”, o que não deixa de causar
impressão ao aparecer bem ao lado do post em que o dono do Facebook se gaba de
não exibir nada de falso em seu site.
Evan Williams, cofundador do Twitter e fundador do site
Medium, especializado em textos longos, deparou-se com o mesmo post de
Zuckerberg entre outra matéria falsamente atribuída à espn e uma nota
supostamente publicada pela CNN anunciando que o Congresso americano afastara
Donald Trump da Presidência. Quando o usuário clicava no link, via que a
notícia falsa tinha sido postada por uma empresa que oferecia um programa de
doze semanas para o fortalecimento dos dedos dos pés. (Isso mesmo: o
fortalecimento dos artelhos humanos.) De todo modo, agora ficamos sabendo que
Zuckerberg acredita nas pessoas. E isso, no final, é o que importa.
Um observador neutro poderia se perguntar se o Facebook é
cumpridor em relação aos criadores de conteúdo. É óbvio que ele precisa de
conteúdo, porque é o que seu site exibe: conteúdo produzido por terceiros. O
único detalhe é que ele não faz muita questão de que alguém mais, além dele
próprio, ganhe dinheiro com esse conteúdo. Ao longo do tempo, essa atitude vem
tendo consequências profundamente destrutivas para as indústrias criativas e de
mídia. O acesso a um grande público – esses inéditos 2 bilhões de espectadores
– é uma coisa ótima, mas o Facebook não demonstra a menor pressa em ajudar
qualquer outro a faturar com isso. Se os fornecedores de conteúdo acabarem indo
à bancarrota, talvez o problema nem seja tão sério. Continuam a existir, nos
dias que correm, muitos fornecedores dispostos a colaborar: em certo sentido,
qualquer pessoa que frequente o Facebook trabalha para ele, agregando valor à
empresa. Em 2014, o New York Times fez as contas e descobriu que a humanidade
vinha gastando, por dia, 39 757 anos coletivos no site. Jonathan Taplin
assinala que isto equivale a “quase 15 milhões de anos de mão de obra gratuita
por ano”. E isso num momento em que o Facebook tinha apenas 1,23 bilhão de
usuários.
Taplin trabalhou na universidade e na indústria
cinematográfica. O motivo de dar tanta importância a essas questões é que
começou na indústria da música, como empresário do conjunto The Band, e pôde
assistir de perto à destruição dessa atividade pela internet. A indústria da música,
que em 1999 faturava 20 bilhões de dólares, reduziu-se a 7 bilhões quinze anos
mais tarde. Taplin viu músicos que ganhavam bem passarem a viver na miséria. E
isto não ocorreu porque as pessoas tenham parado de ouvir o que eles produzem –
o número de ouvintes é maior do que nunca –, mas porque todo mundo se acostumou
a receber música de graça. O YouTube é a maior fonte de música do mundo,
divulgando bilhões de fonogramas por ano; ainda assim, em 2015, ele e seus
sites rivais, todos sustentados por anúncios, renderam menos para os músicos do
que as vendas de seus discos de vinil. Não as vendas totais de cds e gravações
em geral: só as vendas de vinil.
Coisa semelhante vem acontecendo no mundo do jornalismo. O
Facebook é, em essência, uma empresa de publicidade indiferente ao conteúdo,
exceto na medida em que este ajuda a direcionar e vender anúncios. Opera no
caso uma versão da Lei de Gresham – a moeda má expulsa a moeda boa –, em que as
fake news, que são clicadas mais vezes e custam zero para produzir, acabam
provocando a exclusão das notícias reais, muitas vezes mais incômodas para quem
lê, além de terem produção custosa. Afora isso, o Facebook ainda emprega uma
ampla série de truques para aumentar seu tráfego e a renda que obtém com o
direcionamento de anúncios, às expensas das instituições provedoras de notícias
cujo conteúdo ele hospeda. Seus feeds de notícias encaminham o tráfego para os
usuários não com base em seus interesses, mas na maneira de extrair o máximo de
renda dos anúncios direcionados a cada um. Em setembro de 2016, Alan
Rusbridger, ex-editor chefe do Guardian, declarou numa conferência do Financial
Times que o Facebook tinha “sugado 27 milhões de dólares” da renda de
publicidade projetada para o jornal naquele ano. “Estão ficando com todo o
dinheiro porque controlam algoritmos que não entendemos e funcionam como um
filtro entre o que produzimos e a maneira como nosso produto é recebido pelas
pessoas.”
E isto vai ao cerne da questão do que é o Facebook, e de
como funciona. A despeito de todas as declarações sobre conectar pessoas,
construir comunidades e acreditar nos outros, ele é uma empresa de publicidade.
Martínez revela com toda a clareza como o Facebook acabou assim, e de que
maneira a propaganda funciona. Nos primeiros anos de existência do site,
Zuckerberg estava muito mais interessado no crescimento da empresa do que na
sua monetização. Mas isso mudou quando o Facebook decidiu arrecadar uma fortuna
em sua oferta pública inicial (ou IPO, de Initial Public Offering), o dia de
glória em que as ações de uma empresa são vendidas pela primeira vez ao público
em geral. Trata-se de um teste para qualquer empresa iniciante: para muitos que
trabalham na chamada indústria da tecnologia, a esperança e as expectativas
associadas a essa “estreia” respondem por seu ingresso nessas empresas, e/ou os
mantêm grudados a seus postos de trabalho. É o ponto em que o dinheiro
imaginado na fase inicial de um empreendimento se transforma no capital real de
uma empresa aberta ao público.
Martínez estava presente no momento exato em que Zuck reuniu
todo mundo e comunicou que iam se transformar numa empresa de capital aberto, o
momento em que todos os empregados souberam que estavam a ponto de enriquecer:
Escolhi um assento atrás de um par isolado, que mais adiante
identifiquei como Chris Cox, diretor de produtos do fb, e Naomi Gleit, uma
ex-aluna de Harvard que foi a funcionária de número 29 do Facebook e era
considerada na época a pessoa que trabalhava há mais tempo na empresa, afora o
próprio Mark.
Naomi, entre uma e outra conversa curta com Cox, clicava
intensamente em seu laptop, dando pouca atenção à parolagem zuckiana. Olhei por
cima de seu ombro para a tela do computador, e vi que ela estava percorrendo um
e-mail com inúmeros links que ia abrindo um atrás do outro, cada qual numa aba
nova do seu navegador. Ao terminar essa verdadeira maratona de abertura de
links, começou a examinar o conteúdo de cada aba com os olhos muito atentos.
Eram anúncios de imóveis em São Francisco.
Martínez tomou nota de um dos imóveis e mais tarde foi
consultar a oferta. Custava 2,4 milhões de dólares. Ele escreve de maneira
irresistível, e com uma amargura fascinante, sobre as diferenças de classe e
status no Vale do Silício, abordando em especial a questão, jamais ventilada em
público, do imenso abismo entre os primeiros funcionários das empresas, que
muitas vezes enriquecem numa escala fantástica, e os escravos assalariados que
ingressam em momentos posteriores. “O protocolo manda não declarar nada em
público a esse respeito.” No entanto, Bonnie Brown, massagista empregada nos
primórdios do Google, escreveu em suas memórias que “um grande contraste se
desenvolveu entre googlers que trabalhavam lado a lado. Enquanto um consultava
os horários dos cinemas locais, o outro reservava passagens de avião para um
fim de semana em Belize. E agora, como ficavam as conversas das manhãs de
segunda-feira?”.
Quando chegou o momento da IPO, o Facebook, de empresa de
imenso crescimento, passou a ser uma empresa com um faturamento incrível. Já
vinha faturando algum dinheiro graças a seu tamanho (como observa Martínez, “um
bilhão de vezes qualquer número é sempre um número grande à beça”), mas não o
suficiente para garantir um valor de fato espetacular no lançamento de suas
ações. Foi a essa altura que Zuckerberg começou a se concentrar na questão de
como monetizar o Facebook. É interessante, e meritório, que não tenha dedicado
muita atenção a ela antes disso – talvez porque não sinta um interesse
particular pelo dinheiro em si. Mas sem dúvida ele gosta de vencer.
A solução era disponibilizar a montanha de informações que o
Facebook reúne sobre sua “comunidade”, de modo a permitir que os anunciantes
direcionassem suas mensagens com um grau de especificidade sem precedente em
qualquer meio de comunicação. Martínez: “O corte pode ser demográfico (p. ex.,
mulheres entre 30 e 40 anos), geográfico (pessoas que vivam num raio de 10
quilômetros em torno de Sarasota, na Flórida), ou até com base em dados do
próprio perfil do usuário no Facebook (você tem filhos? Ou seja, pertence ao
segmento das mães?).” E Taplin diz o mesmo: “Se eu quiser atingir mulheres
entre 25 e 30 anos do código postal 37 206 que gostam de música country e
costumam tomar bourbon, o Facebook pode cuidar disso para mim. E mais: muitas
vezes ele pode incluir uma ‘história patrocinada’ no feed de notícias de seus
consumidores-alvo, dando a impressão de que é postagem de amigo, e não anúncio.
Como diz Zuckerberg na apresentação dos Facebook Ads[2]: ‘Nada influencia mais
que a recomendação de um amigo de confiança. Uma recomendação de confiança é o
Santo Graal da publicidade.’”
Essa foi a primeira etapa do processo de monetização da
empresa, quando ela transformou sua escala gigantesca numa verdadeira máquina
de produzir dinheiro. O Facebook oferecia aos anunciantes uma ferramenta de
precisão inédita para direcionar seus anúncios a determinados consumidores.
(Certos segmentos de eleitores também podem servir de alvo para um
direcionamento de precisão absoluta. Um exemplo de 2016 foi um anúncio
anti-Clinton repetindo o célebre discurso de 1996 em que Hillary falava de
“superpredadores”.[3] O anúncio foi especificamente direcionado aos eleitores
afro-americanos em áreas onde os republicanos ainda podiam – e conseguiram,
como ficou demonstrado – superar a votação democrata. Ninguém mais viu os
anúncios na ocasião.)
A segunda grande mudança em matéria de monetização ocorreu
em 2012, quando o tráfego da internet começou a migrar para os celulares. Se
você usa um computador para acessar quase tudo que lê online, saiba que está em
minoria. E essa migração representou um desastre potencial para as empresas que
dependem da propaganda virtual, porque ninguém gosta de anúncios no telefone, e
a tendência é clicar bem menos do que na tela de um computador. Noutras
palavras: embora o tráfego geral viesse aumentando rapidamente, esse aumento
tinha a ver com a multiplicação dos celulares, o que tornava o tráfego
proporcionalmente menos valioso. A se confirmar essa tendência, todas as
empresas que dependiam da contagem de cliques – ou seja, quase todas, mas
sobretudo as gigantes como Google e Facebook – passariam a valer muito menos
dinheiro.
O Facebook resolveu o problema por meio de uma técnica
conhecida como onboarding. Como explica Martínez, a melhor maneira de
entendê-la é pensar em nossos vários tipos de nome e endereço.
Por exemplo, se a Bed Bath and Beyond quiser me enviar um de
seus maravilhosos cupons de desconto de 20%, ela precisa se dirigir a:
Antonio García Martínez
1 Clarence Place #13
San Francisco, CA 94107
Se quiser me alcançar em meu celular, o nome que precisa
usar é:
38400000-8cfo-11bd-b23e-10b96e40000d
Essa é a identidade quase invariável do meu aparelho,
transmitida centenas de vezes por dia em transações publicitárias para o
celular. Já no meu laptop, meu nome é o seguinte:
07J6yJPMB9juTowar.AWXGQnGPA1MCmThgb9wN4vLoUpg.BUUtWg.rg.FTN.0.AWUxZtUf.
Este é o conteúdo do cookie de redirecionamento do Facebook,
usado para me direcionar anúncios personalizados com base na minha navegação
habitual pelo telefone celular.
Embora possa não ser óbvio, cada um desses códigos está
associado a um rico apanhado de dados sobre nosso comportamento pessoal: todos
os websites que visitamos, muitas coisas que compramos em lojas físicas, todos
os aplicativos que usamos e o que fazemos em cada um deles…
Em termos de marketing, o que mais conta nos dias de hoje, e
vem gerando dezenas de bilhões de dólares em investimentos, além de um
planejamento interminável nas entranhas do Facebook, do Google, da Amazon e da
Apple, é descobrir a maneira de associar esses vários conjuntos de nomes, e
determinar quem controla esses links. E só.
O Facebook já detinha uma quantidade astronômica de
informação sobre as pessoas, suas redes sociais, suas preferências e antipatias
declaradas.[4] Depois de despertar para a importância da monetização,
acrescentou aos dados que ele próprio colhia um gigantesco estoque novo de
dados ligado ao comportamento offline de cada consumidor, no mundo real,
adquirido de grandes empresas como a Experian, que há décadas monitora as
compras dos consumidores por meio de relações com firmas de marketing direto,
empresas de cartão de crédito e varejistas. Difícil descrever essas empresas
numa única palavra – “agências de crédito de consumidores”, ou algo semelhante,
seria um resumo aproximado. Seu alcance, porém, é muito maior do que essa
definição daria a entender.[5] Essas empresas sabem tudo que se pode saber
sobre seu nome e endereço, sua renda e nível de instrução, seu estado civil,
além de tudo que você comprou usando um cartão de crédito. Agora, o Facebook
poderia combinar a identidade de cada usuário ao identificador único do
respectivo aparelho de celular.
E isso foi crucial para o aumento da lucratividade do
Facebook. Nos celulares, as pessoas tendem a preferir a internet aos
aplicativos, que se apoderam da informação que reúnem e se recusam a
compartilhá-la com outras empresas. É improvável que um aplicativo de jogo do
seu celular saiba mais a seu respeito do que o nível que você alcançou naquele
determinado joguinho. Por outro lado, como todo mundo está no Facebook, a
empresa conhece o identificador dos celulares de todo mundo. E foi capaz de
criar um servidor que direciona os anúncios para celular com muito mais
precisão que qualquer outra empresa, de um modo mais elegante e integrado do
que ninguém jamais conseguiu.
E assim o Facebook conhece a identidade do seu telefone e
sabe associá-la à sua identidade no Facebook. E junta isso ao resto de sua
atividade online: cada site que você visita, cada link que você segue – o botão
do Facebook rastreia cada usuário do Facebook, independentemente de ele clicar
ou não. Como o botão do Facebook é quase onipresente, a rede consegue ver você
em todo lugar. Hoje, graças às parcerias com as empresas tradicionais de
crédito, ele sabe quem todo mundo é, onde todo mundo mora, e tudo que todo
mundo já comprou com o cartão de crédito em qualquer loja offline do mundo
real.[6] E toda essa informação é usada para uma finalidade, em última análise,
altamente rasteira: vender coisas por meio de anúncios online.
Os anúncios funcionam de acordo com dois modelos. Num deles,
o vendedor pede ao Facebook que direcione seu anúncio a consumidores de uma
determinada camada demográfica – fã de música country e apreciadora de bourbon
de 30 e tantos anos, ou afro-americano da Filadélfia que não demonstra muito
entusiasmo por Hillary. Mas o Facebook também direciona anúncios por meio de um
processo de leilões online, que ocorrem em tempo real cada vez que você clica
num site da web. Como todo site que você visita planta (mais ou menos) um
cookie em seu navegador, toda vez que você vai para um novo site ocorre um
leilão em tempo real, com a duração de milionésimos de segundo, para decidir o
valor da sua atenção e determinar os anúncios que lhe serão apresentados, com
base no que se sabe de seus interesses, sua renda e assim por diante. E é por
isso que os anúncios apresentam essa tendência desconcertante a nos seguir por
toda parte: você procura uma nova televisão, um par de sapatos ou um local para
passar as férias, e a publicidade correspondente continua a pipocar em cada
site que você visita semanas mais tarde. E foi assim, canalizando seus talentos
e recursos para o problema, que o Facebook conseguiu transformar o advento do
celular, de potencial desastre financeiro, num imenso e vigoroso gêiser de
lucros.
O que isso quer dizer é que, mais do que vender anúncios, a
principal atividade do Facebook é a vigilância. Na verdade, ele é a maior
empresa com base na vigilância de toda a história da humanidade. Ele sabe de
muito mais a nosso respeito que o governo mais invasivo jamais soube acerca de
seus cidadãos. É impressionante como as pessoas não perceberam esse caráter da
empresa. Passei muito tempo refletindo, e sempre retorno à ideia de que os
usuários não se dão conta da real atividade da empresa: manter-nos a todos sob
vigilância, e em seguida usar as informações para vender anúncios. Não sei se
já existiu tamanha desconexão entre o que uma empresa alega fazer – “conectar”,
“construir comunidades” – e a realidade de sua prática comercial. E notem que
as informações acumuladas não são usadas apenas para o direcionamento de
anúncios, mas também para definir o fluxo de notícias dirigido a cada um.
Diante da vastidão do conteúdo postado no site, o que você
acaba vendo é determinado por algoritmos que filtram e direcionam esse
conteúdo: as pessoas acreditam que seu “feed de notícias” tem a ver basicamente
com seus amigos e seus interesses, e isso é mais ou menos verdade, observada
uma condição fundamental: é determinado sim por seus amigos e interesses, mas
da maneira como são mediados pelos interesses comerciais do Facebook. Os olhos
dos usuários são sempre conduzidos para o ponto onde rendem mais para a
empresa.
Fico imaginando o que irá ocorrer quando – e se – cair esta
ficha de 450 bilhões de dólares. A história dos mercadores de atenção, segundo
Wu, costuma seguir um padrão sugestivo: todo boom é quase sempre sucedido por
um efeito oposto de retrocesso; períodos de expansão explosiva em geral
provocam uma reação pública, às vezes de ordem legislativa. O primeiro exemplo
evocado pelo autor foi a implantação de leis draconianas contra cartazes de
propaganda, na Paris do início do século XX (e ainda hoje em vigor). Como diz
Wu, “quando o produto em questão é o acesso à mente do público, a busca
perpétua do crescimento desencadeia formas de retrocesso praticamente
inevitáveis, de maior ou menor importância”. E ele dá o nome de “efeito de
desencanto” a uma das formas menores desse fenômeno.
O Facebook parece vulnerável a esse desencanto. Um dos
pontos em que tais efeitos podem se manifestar é na essência do modelo de
negócio – a venda de anúncios. A publicidade veiculada é “programática”, ou
seja, determinada por algoritmos que associam o usuário aos anunciantes. O
problema desse método, do ponto de vista do cliente – e o cliente, no caso, é o
anunciante, e não o usuário do Facebook –, é que muitos dos cliques nesses
anúncios são falsos. E aqui encontramos uma disparidade de interesses. O
Facebook sempre quer mais e mais cliques, porque é assim que ele fatura: sempre
que os anúncios são clicados. E se os cliques não forem reais mas automáticos,
produzidos por contas fajutas administradas por robôs computadorizados, os
bots? Esse é um problema conhecido que afeta sobretudo o Google, porque é fácil
criar um site, admitir a hospedagem de anúncios programáticos e depois
programar um bot para ficar clicando nesses anúncios, e em seguida basta
recolher a grana que não para de entrar. No Facebook, os cliques fraudulentos
tendem a vir mais de empresas que procuram aumentar os custos dos anúncios de
suas concorrentes.
A publicação Adweek, voltada para a indústria da
publicidade, estima que o custo anual da fraude dos falsos cliques seja de 7
bilhões de dólares, mais ou menos um sexto de todo o mercado. Um único site
fraudulento, Methbot, descoberto no final do ano passado, dispõe de uma rede de
computadores hackeados e gera entre 3 e 5 milhões de dólares de cliques
diários. As avaliações da proporção do mercado tomada pelo tráfego fraudulento
são variáveis, com estimativas que chegam a quase 50% do total; certos websites
afirmam que seus dados indicam uma proporção de até 90%. O que cria problemas
não só para o Facebook – pode-se imaginar que as empresas que pagam pela ad
tech, como é conhecida esta tecnologia, se revoltem contra ela. Estudiosos do
assunto me disseram que o mundo das empresas que mais compram publicidade,
responsáveis por canalizar grande parte de seus orçamentos para o Facebook, é
dominado por certo efeito de rebanho. Mas essa postura pode mudar. Por outro
lado, muitos dos parâmetros medidos pelo Facebook sofrem uma leitura
tendenciosa, que procura captar a luz num ângulo que lhe confira maior brilho.
Um vídeo que passe por três segundos no Facebook já é dado como “visualizado”, ainda
que só visto de passagem no feed de notícias – e mesmo que exibido sem som.
Muitos vídeos com centenas de milhares de “visualizações” no Facebook, se
avaliados à luz dos critérios de contagem empregados para medir as audiências
de televisão, veriam seu número de espectadores reduzido a zero.
E uma revolta da clientela poderia coincidir com uma reação
brusca de retrocesso por parte dos governos e das agências reguladoras. O
Google e o Facebook detêm o monopólio virtual da publicidade na web, e esse poder
monopolista vem se tornando cada vez maior à medida que os gastos com
publicidade migram mais e mais para a internet. Juntos, os dois já destruíram
grandes setores do ramo da imprensa diária. O Facebook foi determinante para o
rebaixamento do debate público, permitindo com mais facilidade a circulação das
“grandes mentiras” (Große Lügen) de que Hitler falava com entusiasmo – dessa
vez transmitidas para um público gigantesco. A empresa não é obrigada a lidar
com esse tópico, mas ela pode acabar atraindo a atenção das autoridades
reguladoras. O que não constitui a única ameaça externa ao duopólio
Google/Facebook. A postura dos Estados Unidos diante da lei antitruste deve sua
definição a Robert Bork, juiz indicado por Reagan para a Suprema Corte, mas não
confirmado pelo Senado americano. A orientação jurídica mais influente de Bork
se dá na área do direito da concorrência: a única forma relevante de conduta
anticoncorrencial é a que afeta o preço pago pelo consumidor. Segundo ele, a
queda dos preços indica que o mercado está funcionando, e que medida nenhuma é
necessária contra o monopólio. Esta filosofia ainda rege as atitudes de
regulação nos Estados Unidos, e é a razão pela qual a Amazon, por exemplo,
jamais foi incomodada pelas autoridades reguladoras, apesar da posição
claramente monopolista que ocupa no mundo das vendas online a varejo, em
especial de livros.
Por esses motivos estritos, as grandes empresas da internet
continuam a parecer invulneráveis. Pelo menos até que se considere a fixação
individualizada de preços. O imenso rastro de dados que todos produzimos em
nossas perambulações pela internet vem sendo cada vez mais usado para nos
cobrar preços que não têm mais a ver com etiquetas coladas às mercadorias nas
lojas. Pelo contrário, são preços dinâmicos, que variam conforme nossa
capacidade aparente de pagamento.[7] Quatro pesquisadores sediados na Espanha
estudaram em 2012 o fenômeno criando identidades virtuais que se comportavam
como se fossem, num caso, “preocupadas com o orçamento” e, em outro,
“afluentes”; depois, verificaram se essa divergência de comportamento redundava
em preços diferentes. E a resposta foi claramente positiva: uma busca por fones
de ouvido obteve como resposta uma série de preços, na média, quatro vezes
maiores para o consumidor virtual afluente. Um site que vende passagens aéreas
com desconto cobra preços mais altos dos consumidores afluentes. De maneira
geral, a simples localização de quem faz a busca chega a produzir variações de
até 166% nos preços que lhe são apresentados. Em suma, preços personalizados
existem e são fixados de acordo com os rastros que deixamos. O que me parece à
primeira vista uma violação das leis antimonopolistas americanas posteriores a
Bork, que têm como foco a variação dos preços. E não deixa de ser um tanto
engraçado, além de meio grotesco, que, aparentemente, um aparato de gigantismo
inédito voltado para a vigilância do consumidor seja considerado aceitável,
enquanto um aparato de gigantismo inédito de vigilância do consumidor que
resulte em preços mais elevados para algumas pessoas seja considerado ilegal.
A maior ameaça potencial para o Facebook talvez seja a
eventualidade do desligamento de seus usuários. Dois bilhões de frequentadores
mensais ativos é muita gente, e os “efeitos de rede” – a escala da
conectividade – são, obviamente, extraordinários. Mas existem outras empresas
que conectam pessoas em escala semelhante – o Snapchat tem 166 milhões de
usuários diários, o Twitter, 328 milhões de usuários mensais – e, como vimos no
ocaso do MySpace, que chegou a ser a maior rede social, assim que as pessoas mudam
de ideia a respeito de um serviço, seu desligamento pode ocorrer em massa, e em
altíssima velocidade.
Por esta razão, o Facebook se veria em perigo caso se
difundisse o entendimento de que seu modelo de negócios se baseia na
vigilância. A única ocasião que ele promoveu uma sondagem entre os usuários
sobre o modelo de vigilância foi em 2011, quando propôs a mudança de seus
termos e condições de uso – mudança que hoje rege o modo como são usados os
dados recolhidos. O resultado não deu margem para dúvida: 90% das respostas
foram contrárias às mudanças. O Facebook ignorou, afirmando que o número de
votantes havia sido muito pequeno. O que não constitui nenhuma surpresa – nem a
repulsa dos usuários à vigilância, nem a indiferença da empresa a esta repulsa.
Mas isto ainda pode mudar.
Outro fenômeno que pode afetar os usuários é que eles
interrompam a frequência devido à infelicidade que ela lhes traz. Não é o mesmo
caso do escândalo de 2014, quando se descobriu que cientistas sociais da
empresa haviam manipulado os feeds de notícias de certos usuários para avaliar
os possíveis efeitos sobre as suas emoções. O artigo resultante da experiência,
publicado nos Proceedings of the National Academy of Sciences [Atas da Academia
Nacional de Ciências], era um estudo sobre o “contágio social”, ou a
transmissão de emoções entre grupos de pessoas, resultante de uma modificação
na natureza das notícias vistas por 689 003 usuários do Facebook. “Quando as
expressões positivas eram reduzidas, as pessoas produziam posts menos positivos
e mais negativos; quando as expressões negativas eram reduzidas, ocorria o
padrão oposto. Esses resultados indicam que as emoções expressas pelos outros
têm uma influência sobre nossas emoções, é um indício experimental do contágio
em grande escala através das redes sociais.” Mas os cientistas parecem não ter
considerado como essa informação seria recebida, e o caso repercutiu por algum
tempo.
Talvez a notoriedade dessa história tenha acidentalmente
desviado a atenção do que poderia ter sido um escândalo maior ainda: a
publicação, no início do ano, do artigo “O uso do Facebook e o comprometimento
do bem-estar: um estudo longitudinal”, no American Journal of Epidemiology. Os
cientistas que conduziram o estudo constataram que, quanto mais as pessoas usam
o Facebook, mais elas são infelizes. Um aumento de 1% no número de “curtidas”,
cliques e atualizações de status está correlacionado a um decréscimo de 5 a 8%
na saúde mental dos usuários. Além disso, ficou claro que o efeito positivo das
interações ocorridas no mundo real, que contribuem para o nosso bem-estar,
encontra um paralelo exato nas “associações negativas do uso do Facebook”. De
fato, as pessoas vêm trocando as relações reais, que contribuem para o seu
bem-estar, por um tempo cada vez maior no Facebook, que lhes provoca
sentimentos negativos. Esta extrapolação é minha, e não dos autores do artigo,
que tomam o cuidado de sublinhar que se trata apenas de uma correlação, e não
de uma relação direta de causa e efeito; mas chegam a dizer que os dados
“sugerem uma possível substituição das relações offline por relações online”. E
esse não foi o primeiro achado desse tipo: muitas pesquisas vêm demonstrando
que o Facebook faz as pessoas se sentirem uma merda. E por isso talvez um dia
parem de usá-lo.[8]
E se nada disso acontecer? Se os anunciantes não se
revoltarem, se os governos não tomarem nenhuma atitude, se os usuários não
debandarem, se o navio abarrotado de passageiros comandado por Zuckerberg
seguir navegando livre, leve e solto?
Precisamos reexaminar a cifra de 2 bilhões de usuários
ativos mensais. Em todo o mundo, o número de pessoas com algum acesso à
internet – definido da maneira mais ampla possível, das mais lentas conexões
discadas ao serviço precário de celular nos países em desenvolvimento, contando
ainda todos que têm algum acesso, mas não o utilizam – é de 3,5 bilhões. Deste
total, 750 milhões vivem na China e no Irã, que bloqueiam o Facebook. Cerca de
100 milhões de russos que se conectam à internet tendem a não usar o Facebook porque
preferem seu equivalente nativo, o VKontakte. O que define uma audiência
potencial de 2,6 bilhões de pessoas para o Facebook. Nos países desenvolvidos
onde ele funciona há vários anos, seu uso atinge picos de uns 75% da população
total (nos Estados Unidos). Isto resultaria numa audiência potencial de 1,95
bilhões de pessoas para o Facebook. No entanto, com 2 bilhões de usuários
mensais ativos, a rede já ultrapassou este número, e agora começam a faltar
humanos conectados. Martínez compara Zuckerberg a Alexandre, o Grande, triste
porque lhe faltavam novos mundos para conquistar. Talvez esse seja um motivo
dos sinais prematuros que Zuck vem emitindo a respeito de concorrer à
Presidência – uma turnê pelos cinquenta estados fingindo que se importa com tudo,
a pose de pensador atento em que foi fotografado tomando um milk-shake num
restaurante (alarme de Pretensões Presidenciais!!) no estado de Iowa.
O que vai ocorrer a partir de agora nos remete aos dois
pilares da empresa – o crescimento e a monetização. O crescimento só pode
brotar da extensão da conectividade a novas áreas do planeta. O Facebook tentou
o Free Basics, programa que oferecia conexão em aldeias distantes da Índia, sob
a condição de que o leque de sites disponibilizados fosse determinado pela empresa.
“Quem pode ser contra isso?”, escreveu Zuckerberg no Times of India. A
resposta: milhões e milhões de indianos enfurecidos. O governo indiano decidiu
que o Facebook não tinha o direito de “delimitar a experiência dos usuários”,
embargando seu acesso ao resto da internet. Um membro do conselho da empresa
tuitou: “O anticolonialismo vem sendo uma calamidade econômica para o povo
indiano há décadas. Por que mudar agora?” Como afirma Taplin, essa observação
“revela, sem querer, uma verdade até então nunca enunciada: Facebook e Google
são os novos poderes coloniais”.
Assim, o lado da equação que lida com o crescimento não
deixa de apresentar seus desafios, tanto tecnológicos quanto políticos. O
Google (que tem um problema similar de carência de usuários potenciais) vem
trabalhando no Projeto Loon, “uma rede de balões que flutuam no limiar do
espaço, destinados a estender a conectividade para pessoas em áreas rurais e
remotas do mundo inteiro”. O Facebook está empenhado num projeto que envolve um
drone movido a energia solar, o Aquila, com envergadura de uma aeronave
comercial, peso inferior ao de um carro e consumo de energia menor do que um
micro-ondas. A ideia é que ele circunde áreas remotas do planeta hoje
desconectadas, em voos que poderão durar até três meses, conectando os usuários
via laser. (O projeto vem sendo desenvolvido em Somerset, na Inglaterra. O
programa de drones da Amazon também tem sua base no Reino Unido, perto de
Cambridge. A regulamentação legal britânica é francamente favorável aos drones.)
Mesmo o mais calejado dos céticos em relação ao Facebook não tem como não se
impressionar com tanta energia e ambição. Ainda assim, os próximos 2 bilhões de
usuários vão dar muito trabalho para serem arregimentados.
Isto no que diz respeito à expansão, que deverá ter como
alvo especial o mundo em desenvolvimento. Nos países ricos, como a Inglaterra,
o foco está mais na monetização, e é nessa área que me vejo obrigado a admitir
algo que talvez já tenha deixado claro. O Facebook me mete medo. A ambição da
empresa, sua falta de escrúpulos e de uma bússola moral me assustam. E isso
desde o momento de sua criação: Zuckerberg digitando em seu teclado depois de
algumas doses, criando um website para comparar a aparência das pessoas, por
nenhum outro motivo além de sua capacidade de fazê-lo.
Eis a questão crucial no que diz respeito ao Facebook, o
ponto mais importante que poucos entendem: ele faz certas coisas só porque
pode. Zuckerberg sabe fazer uma coisa, outras pessoas não sabem, então ele faz.
Esse tipo de motivação não funciona na versão hollywoodiana da vida, e por isso
Aaron Sorkin precisou inventar para ele uma motivação ligada à aspiração social
e à rejeição. Mas isso no mundo da ficção. Zuckerberg não foi motivado por esse
tipo de psicologia de quintal. Ele faz o que faz porque pode, e todas as
justificativas que falam de “conexão” e “comunidade” são racionalizações
posteriores. O impulso foi mais simples e mais básico. E é por isso que a
necessidade de crescer sempre foi tão fundamental para a empresa, cujo
comportamento em muitos aspectos lembra antes um vírus que um negócio. Crescer,
multiplicar-se e monetizar. Por quê? Não há um porquê. A resposta é porque sim.
A automação e a inteligência artificial hão de ter um
impacto extraordinário sobre mundos de todos os tipos. São tecnologias novas,
reais, e prestes a acontecer. O Facebook se interessa profundamente por essas
tendências. Não sabemos onde elas vão dar, não sabemos quais serão os custos e
as consequências sociais, não sabemos qual vai ser a próxima área da vida a ser
esvaziada, qual o próximo modelo de negócio a ser destruído, a próxima empresa
a ter o mesmo destino da Polaroid ou a próxima atividade a dar com os burros
n’água como o jornalismo impresso, ou qual novo conjunto de ferramentas e
técnicas poderá ser empregado pelas mesmas pessoas que usaram o Facebook para
manipular as eleições de 2016. Não temos como saber o que virá, mas sabemos que
há de ser momentoso, e que um papel de destaque está reservado à maior rede
social do planeta. Com base no que indicam suas atitudes até aqui, é impossível
encarar essa perspectiva sem algum desconforto.
[1] Quando o Google se relançou com o nome de Alphabet, a
divisa “Não fazer o mal” foi substituída, no código de conduta da empresa, por
“Fazer a coisa certa”.
[2] Facebook Ads é a plataforma usada pelo Facebook para
gerir e direcionar anúncios.
[3] Embora Hillary Clinton nunca tenha especificado a quem
se referia quando falou de “superpredadores” nessas suas declarações sobre
jovens criminosos em 1996, o senador Bernie Sanders, que com ela concorria à
indicação democrata no início da campanha de 2016, afirmou que o termo tinha um
conteúdo “racista”, o que mais tarde seria amplamente explorado por Donald
Trump nas redes sociais.
[4] Destaque para “declaradas”. Como afirma Seth
Stephens-Davidowitz em seu novo livro Everybody Lies [Todo Mundo Mente],
pesquisadores estudaram a diferença entre a linguagem usada no Google, onde os
usuários tendem a dizer a verdade porque são anônimos e estão em busca de
respostas, e a linguagem empregada no Facebook, onde projetam uma imagem. No
Facebook, os termos mais comuns associados à expressão “meu marido é…” são “o
melhor do mundo”, “meu melhor amigo”, “incrível”, “o maior” e “tão lindo”. No
Google, os cinco mais presentes são “incrível”, “um babaca”, “um chato”, “gay”
e “mau”. Seria interessante descobrir se existe algum marido que corresponda a
todo o conjunto de principais atributos do Google, e seja um babaca
incrivelmente chato, além de mau e gay.
[5] Um exemplo de seu trabalho é o sistema “Mosaico” da
Experian, usado para caracterizar segmentos de consumidores, que divide a
população em 66 segmentos, entre eles “Cafés e Redondezas”, “Elegantes de
Cobertura”, “Avós Clássicos” e “Inquilinos Usuários de Ônibus”.
[6] Devo dizer que a informação é misturada e dividida
(hashed) antes de ser compartilhada, de forma que as empresas envolvidas,
embora saibam tudo a seu respeito e pratiquem o intercâmbio desses dados,
fazem-no de forma pseudonimizada, ou sob a proteção do anonimato. Ou de forma
pseudo-pseudonimizada, tendo em vista a discussão corrente sobre o quanto essa
forma de anonimato é efetivamente anônima.
[7] A ideia de um preço único para todos é relativamente
recente. Atribui-se a John Wanamaker a noção da cobrança de um preço fixo por
mercadoria, surgida na Filadélfia em 1861. A ideia teria vindo dos quakers,
para os quais todo mundo devia ser tratado de maneira igual.
[8] O estudo “O uso do Facebook, inveja e depressão entre
universitários: o Facebook induz depressão?”, publicado em 2015 no periódico
Computers in Human Behaviour, chegou a uma resposta negativa – exceto quando
também se levavam em conta os efeitos da inveja, caso em que a resposta era
afirmativa. Mas como a comparação marcada pela inveja constitui a base
girardiana de todo o Facebook, esse “não”, quando qualificado, soa bem mais
como um “sim”. Um artigo de 2016, publicado no periódico Current Opinion in
Psychiatry – “A interação entre o uso do Facebook, a comparação social, a
inveja e a depressão”, concluía que o uso do Facebook aparece ligado à inveja e
à depressão, outra descoberta que não surpreenderia Girard. Em 2013, a PLOS ONE
publicou o artigo “Uso do Facebook pode prenunciar um declínio do bem-estar
subjetivo em adultos jovens”, demonstrando que o Facebook deixa os jovens
tristes. Um artigo de 2016 na revista Cyberpsychology, Behavior and Social
Networking, intitulado “A experiência do Facebook: largá-lo leva a níveis mais
altos de bem-estar”, concluía que o Facebook deixa as pessoas tristes e que
elas ficam mais felizes quando param de usá-lo.
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