Organizações internacionais como o FMI e o Banco Mundial,
que durante duas décadas afirmaram que o mercado era a única base para o
progresso, agora colocam dúvidas sobre esse preceito.
Entre as muitas atividades do mui rentável negócio da
Bloomberg existe o prático Bloomberg Billionaires Index , um índice de
bilionários que acaba de publicar suas conclusões anuais. Só inclui as 500
pessoas mais ricas, anunciando orgulhosamente que estas aumentaram sua fortuna
em 1 bilhão de dólares em somente um ano.
O aumento foi de 27%, chegando a um cômodo patrimônio de 5
trilhões de dólares. Para colocar isso em perspectiva, o orçamento dos Estados
Unidos agora é de 3,7 trilhões. Obviamente, isso significou uma redução
equivalente para o resto da população, que perdeu esses trilhões de dólares. O
que não se sabe muito é qual o montante da circulação de dinheiro se mantém
igual. Não se imprime dinheiro novo para satisfazer as necessidades dos 500
multimilionários mais ricos...
Efetivamente, a Forbes – a revista dos e para os ricos –
afirma que há no mundo mais de 2 mil multimilionários, e esse número aumentará
rapidamente. A China já superou os Estados Unidos nesse quesito, ao contar com
594 multimilionários, contra 535 dos norte-americanos. A cada três dias nasce
um novo milionário no país, e existe até inclusive um exclusivo para eles: o
China Entrepreneur Club, que admite membros mediante a unanimidade de seus 64
filiados atuais. Juntos, eles possuem 300 bilhões de dólares, ou seja, 4,5% do
PIB chinês.
Como norma, a riqueza na China é um assunto familiar, o que
significa que em 10 anos deixarão uma herança de um trilhão de dólares, muito
provavelmente para seus filhos, aumentando a quantidade de heranças a 3
trilhões de dólares nos próximos 20 anos.
Sabemos, graças a um amplo estudo realizado pelo economista
francês Thomas Piketty, que durante os tempos modernos, em mais de 65 países, a
maior parte da riqueza provém de dinheiro herdado. Isso porque, como se sabe, o
dinheiro atrai dinheiro.
Reagan começou a campanha “miséria cria miséria, riqueza
traz riqueza”, e com isso defendeu cortar mais impostos dos ricos que dos
pobres. Uma campanha rapidamente adotada no mundo inteiro. A reforma de Trump,
recentemente aprovada nos Estados Unidos, cortou os impostos das corporações,
aumentando o déficit estadunidense em 1,7 trilhão de dólares em 10 anos.
Ninguém está levando em conta que o déficit dos Estados
Unidos já está em 18,96 trilhões de dólares, ou seja, aproximadamente 104% do
PIB dos 12 meses anteriores. E esta reforma tributária terá um profundo impacto
na Europa, repassando ao continente muitos dos custos dela através da balança
de pagamentos e do comércio. Os cinco ministros da fazenda mais importantes da
Europa, incluído o do Reino Unido, escreveram artigos protestando contra a
medida do presidente Trump, que só vê os Estados Unidos como ganhador e a todos
os demais como perdedores.
Toda essa assombrosa quantidade de dinheiro em poucas mãos –
apenas oito indivíduos têm a mesma riqueza que 2,3 milhões de pessoas – nos
leva a três considerações relevantes: a) o que é que está acontecendo com a
dívida mundial, b) como os governos ajudam os ricos a evadir ou driblar os
impostos, e c) como é a relação entre a injustiça e a democracia.
Nenhuma dessas perspectivas dá lugar à esperança, e muito
menos à confiança em nossa classe política.
Comecemos com a dívida mundial. Não recordo ter visto um só
artigo a respeito no ano que acaba de terminar. Entretanto, o Fundo Monetário
Internacional (FMI) alertou: desde o final do século, a dívida bruta do setor
financeiro se duplicou em termos nominais, alcançando 152 trilhões de dólares.
Este é um recorde: 225% do PIB mundial. Dois terços provêm do setor privado e
um terço do setor público. Mas isso aumentou de menos de 70% do PIB em 2016
para 85%. Um aumento dramático em tão pouco tempo.
Aliás, o prestigiado Instituto de Finanças Internacionais
estima que no final deste ano a dívida global, privada e pública alcançará a
assombrosa cifra de 226 trilhões de dólares, mais de três vezes o produto
econômico mundial anual. E isso não parece preocupar ninguém. Tomemos o estado
da economia estadunidense, com um presidente orgulhoso quando presume o índice
de crescimento, que agora se estima em 2,6%. Isso mostra a insuficiência do PIB
como um indicador válido. O crescimento é um índice macroeconômico. Se 80% se
destina a algumas mãos e as migalhas a todos os demais, esses que pagam a maior
parte dos impostos. Não é só um exemplo de crescimento, é um problema a ponto
de explodir.
Pior, ainda, ninguém está pensando no aumento do déficit. A
dívida privada total no final do primeiro trimestre de 2017 foi de 14,9 bilhões
de dólares, com um aumento de 900 milhões de dólares em três meses. Enquanto os
salários aumentaram de 9,2 bilhões de dólares em 2014 a 10,3 bilhões de dólares
no segundo trimestre de 2017, a dívida das famílias aumentou de 13,9 bilhões de
dólares a 14,9, um crescimento milhões de dólares em somente quatro meses.
De que crescimento estamos falando? Na verdade, temos o dado
de que 86% das pessoas enfrenta uma dívida crescente, e ao mesmo tempo fica mais
pobre devido à concentração da riqueza em mãos de somente 1% da população. Isso
deveria ser motivo de preocupação para qualquer administração, de esquerda ou
de direita: aliás, não é surpreendente que os 400 homens mais ricos dos Estados
Unidos, encabeçados por Warren Buffet, tenham escrito carta a Trump dizendo que
estão bem e que não necessitam de mais cortes de impostos, para que o
presidente se preocupe da parte mais pobre da população.
Agora, a forma preferida de evitar impostos é colocar
dinheiro em paraísos fiscais, onde se encontram entre 21 e 30 trilhões de
dólares. Tax Justice Network (espécie de observatório da justiça tributária)
informa que este sistema está “basicamente desenhado e operado” por um grupo de
especialistas altamente remunerados dos bancos privados mais importante do
mundo (encabeçados por UBS, Credit Suisse e Goldman Sachs), escritórios de
advogados e empresas de contabilidade, tudo isso tolerado por organizações
internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, e
G20, entre outras.
A quantidade de dinheiro oculto aumentou significativamente
desde 2005, o que aumenta também a brecha entre os super ricos e o resto do
mundo. E esta é a razão pela qual houve muita pressão para obrigar os bancos a
abrirem suas contas a inspetores fiscais e a pressionar países como Bahamas,
Hong Kong, Panamá e outros.
Outro bom exemplo da hipocrisia reinante se evidenciou na
última reunião dos ministros da Fazenda da União Europeia, ao não chegar a uma
decisão sobre algo horrendo: vários países membros (Luxemburgo, Reino Unido,
Irlanda, Holanda, Malta e Chipre), albergam impunidades tributárias em seus
territórios – a rainha da Inglaterra investiu 10 milhões de libras num paraíso
fiscal inglês recentemente.
Mesmo nos Estados Unidos existem casos particulares, como o
de Delaware, que tem paraísos fiscais que são inacessíveis inclusive para a CIA
e o FBI. Os investigadores descobriram que os paraísos fiscais como as Ilhas
Cayman, Jersey e Bahamas eram muito menos permissivos que os estados como
Nevada, Delaware, Montana, Dakota do Sul, Wyoming e Nueva York. “Os
estadunidenses descobriram que realmente não necessitam ir ao Panamá”, disse
James Henry, do Tax Justice Network. Os ministros europeus decidiram continuar
golpeando os países do Terceiro Mundo, até resolver o que fazer em casa
própria.
Desta forma, o ocidente proclama os princípios de
transparência e rendição de contas, sempre e quando possa impor os custos a
outros. Mas existe um paradoxo para os governos ocidentais: se esses paraísos
fiscais fossem fechados, já que a maioria dos depósitos vem do Ocidente,
poderiam arrecadar muito mais em impostos.
No caso dos Estados Unidos, Kim Clausing, economista do Reed
College, estima que os investimentos em paraísos fiscais e outras técnicas de
transferências de renda reduziram a renda do Tesouro, somente em 2012, em até
111 bilhões de dólares.
Segundo uma nova projeção do Departamento de Orçamento do
Congresso, a erosão da base corporativa continuará cortando as rendas tributárias
dos impostos sobre as sociedades durante a próxima década. Portanto, deve ficar
claro que se os governos deixam que suas receitas provenientes das corporações
e dos que mais ganham se reduza, não estão atuando em favor do interesse dos
cidadãos comuns.
Logo, saquemos nossas conclusões. Ninguém está prestando
atenção ao problema da dívida mundial. Ela está crescendo sem controle, mas
estamos empurrando o problema para as próximas gerações, com a esperança de
elas possam buscar uma solução milagrosa.
Na verdade, estamos carregando elas de dívidas, sem contar a
crise climática também descontrolada e tudo mais o que for possível, para
evitar agora qualquer sacrifício da nossa parte. Nosso lema parece ser: “vamos
a proteger a riqueza e vamos esperar. Em 1952, os impostos sobre as sociedades
financiaram aproximadamente 32% do governo estadunidense. Em 2015, a cifra se
reduziu a 10,6%.
Embora os paraísos fiscais não sejam a única causa desta
alteração, vale a pena mostrar que a proporção de dinheiro corporativos
investida em paraísos fiscais se multiplicou por dez desde os Anos 80. Agora,
as empresas são presenteadas por Trump com uma gigantesca redução de impostos.
Esta política, que é ocultada dos cidadãos e que nunca foi
legitimada por nenhum ato legal formal, agora está sendo vista como a causa do
aumento enorme da desigualdade, que não tem precedentes na história. Segundo a
organização Oxfam, a Grã-Bretanha terá mais injustiça social em 2020 que nos
tempos da rainha Vitória (monarca entre 1837 e 1901). O mundo está movendo mais
rápido em favor dos investimento e transações financeiras que a favor da
produção de bens e serviços, porque destes não se obtêm lucros instantâneos.
Se estima que com um trilhão de dólares se pode comprar a
produção mundial de um dia de bens e serviços. Nesse mesmo dia hipotético dia,
a metáfora da média anual, as transações financeiras alcançam 40 trilhões de
dólares. Isso quer dizer que por cada dólar gerado pela mão humana há 40
dólares criados por abstrações financeiras.
A globalização obviamente recompensa os capitais, não os
seres humanos, o que está tendo impactos na política, e não dos melhores. Em
todo do mundo há um número cada vez maior de vencidos, especialmente nos países
ricos, também devido ao desenvolvimento tecnológico e às mudanças nos padrões
de consumo. Um exemplo clássico são as minas de carvão, que Trump quer
ressuscitar, para fazer com que os Estados Unidos voltem a ser grande. Mas o
carvão está sendo eliminado inexoravelmente devido às preocupações climáticas
(embora o processo não seja suficientemente rápido), e a automatização reduz
consideravelmente o número de trabalhadores necessários nesse setor.
Em 2040, a robótica será responsável por 42% da produção de
bens e serviços, contra da cifra 16% atual. Segundo a Organização Internacional
do Trabalho (OIT), só no Ocidente isso se traduzirá em cerca de 86 milhões de
novos desempregados.
Os excluídos dos benefícios da globalização consideram os
vencedores como privilegiados do sistema. É a globalização do ressentimento e
da frustração, que em poucos anos levado ao aumento de partidos de direita
radical em todos os países europeus, que desencadeou o brexit e o próprio surgimento
de Trump. Houve um tempo em que a esquerda era o estandarte da luta pela
justiça social. Agora é a direita!
Por último, a globalização perdeu seu brilho, mas não seu
poder. Agora, a discussão é sobre como desglobalizar, e o preocupante é que o debate
não se centra em como conduzir esse processo a serviço da humanidade, e com
como distribuir populismo, nacionalismo e xenofobia, para permitir “fazer os
Estados Unidos novamente grandes”, com o aumento dos enfrentamentos e
conflitos.
Organizações internacionais como o FMI e o Banco Mundial,
que durante duas décadas afirmaram que o mercado era a única base para o
progresso, porque uma vez que se estabelece um mercado totalmente livre o homem
e a mulher comuns são os beneficiários, agora colocam dúvidas sobre esse
preceito.
Hoje em dia todos falam da necessidade de que o Estado volte
a ser o árbitro das regulações e da inclusão social, porque descobriram que a
injustiça social é um freio não só para a democracia como também para o
progresso econômico. Mas apesar da recomendação da mudança de rumo, esse mea
culpa está chegando bastante tarde.
O gênio está fora da garrafa e os poderes fáticos sequer
tentam colocá-lo de volta. A absoluta hipocrisia, os interesses criados e a
falta de visão lamentavelmente já se impuseram sobre a política.
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