"Iremos para as trincheiras e defenderemos nosso
direito de morrer quando a hora chegar e não quando interessar ao
mercado", escreve o cartunista
No Jornal GGN
“Como idoso me sinto ameaçado por este governo. Não que eu
seja um idoso de grupo de risco. Aí já me sentiria condenado. Aparentemente sou
saudável, faço exercícios, tomo meus suplementos fitoterápicos, faço meus
exames regularmente e tirando meu joelho que reclama, me sinto muito bem.
Quando era bem mais jovem me sentia ameaçado pela ditadura por ser estudante e
depois jornalista. Fui preso por causa disso duas vezes, uma vez em cada
categoria. Achava que esses tempos tinham acabado.
Agora, durante a pandemia bolsonariana, a ameaça volta. Como
diz minha amiga Emília Silveira, parceira de trabalhos e de quarentena junto
com a Angela aqui na serra, o velho de hoje é o judeu de antigamente ( ou de
sempre).
Alguns países e algumas tribos indígenas consideram o velho
muito importante. Eles transmitem a experiência e a sabedoria. São tratados e
respeitados como tesouro do grupo, riqueza a ser preservada para servir de
exemplo aos mais jovens.
Aqui neste Brasil, os mais velhos viraram lenha de fogueira.
Somos seres descartáveis prontos para o sacrifício em troca dos mais jovens,
nem sempre merecedores de uma sobrevida. Mas os jovens são força de trabalho,
votos de cabresto e elementos úteis nas manifestações animalescas contra a
quarentena dentro de seus carros importados.
Os mais velhos, além de já terem vivido seu tempo, segundo o
governo custam caro ao Estado. Logo esse Estado que eles querem acabar. A
previdência pena para pagar essa grana que poderia estar sendo usada na criação
de novas fabricas de armas ou em investimentos na bolsa de valores. Além de
tudo, para eles, velhos são feios, não produzem e nem sexo mais fazem.
Mentira deslavada. Produzo como nunca produzi antes,
acompanho e critico essa realidade de merda que somos obrigados a engolir. Me
sinto bonito, magro e saudável e considero o sexo indispensável tanto como
respirar.
Me pego fantasiando o pior. Ir para as ruas escondido,
durante a noite para escapar das blitzes anti-idosos. Furgões carregados de
velhinhos que teimam em sair levados para os abrigos de segurança máxima e
sendo abandonados à própria sorte e a própria solidão.
Fico tão indignado com esse jeito tosco que o brasileiro
trata o que já passou. Temos uma das mais belas histórias na MPB, no cinema, na
literatura, no teatro, na arquitetura e na pintura. Somos criativos e convivemos
com nossos idosos geniais o tempo todo. Agora mesmo perdemos vários deles que
demonstram isso. Moraes Moreira com 72, Rubem Fonseca com 94, Garcia-Roza com
84, Rubinho do Zimbo Trio com 87 e por aí vai. Como diria Nelson Rodrigues no
seu habitual exagero frasístico genial, “jovens, envelheçam!”
Nem tanto lá, nem tanto cá. Sempre fui a favor dos jovens.
Sempre os respeitei e entendi porque sempre me senti jovem, apesar de não ser
mais, na idade. Mas agora que os jovens estão sendo contrapostos aos idosos
para promover essa escolha de Sofia cruel e que interessa a certos grupos,
serei capaz de chefiar a revolta dos idosos contra essa perseguição nazista que
se organiza. Segregar assim os mais velhos é determinar o fim da história para
este país que já despreza tanto o seu passado.
Iremos para as trincheiras e defenderemos nosso direito de
morrer quando a hora chegar e não quando interessar ao mercado. Como diria
Moraes Moreira, “chegou a hora desta gente experiente mostrar seu valor”.
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