Vivendo hoje em Campinas, Dulce revelou como foi viver
obrigada a interagir com cangaceiros que a sequestraram.
Dulce Menezes dos Santos foi uma das muitas mulheres que
tiveram suas vidas interferidas pelo bando de Virgulino Ferreira, mais
conhecido como Lampião. Hoje, vivendo na periferia de Campinas aos 96 anos, ela
passou a integrar ao cangaço após ter sido retirada de sua família e violentada
por um dos integrantes do grupo.
Essa fase da vida de Dulce sempre foi escondida pela
família, o que fez com que a idosa passasse a evitar visitas.
"Infelizmente isso aconteceu contra minha vontade. Não fui porque quis
ir”, deixou claro em entrevista ao Estado de Minas.
O trágico encontro entre Dulce e os mais famosos bandidos do
Brasil ocorreu quando ela vivia com a irmã em Alagoas. Antes, morava na fazenda
de algodão da família em Porto da Folha, Sergipe, mas ambos os pais morreram
quando ela era criança.
Acontece que o rancho alagoano em que passou a morar era
recinto de descanso dos cangaceiros que adentravam ao sertão. Lá, Dulce se
deparou com aqueles estranhos homens adornados em couro, quando um dos
cangaceiros, João Alves da Silva, vulgo Criança, notou a presença menina e
pediu para compra-la de seu tio João Felix, que a trocou por joias.
Dulce em 1938 / Cr[edito: Divulgação/YouTube
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Em negociação, Criança falou a João que levaria Dulce a uma
festa organizada por Zé Sereno numa fazenda vizinha. Ao cangaceiro foi
permitido acompanhar a criança, enquanto João e a esposa Julia assistiam de
longe. Dulce afirmou que desde cedo já se sentiu assustada com a situação.
Criança então pegou a menina pelo braço e a obrigou a sair
do salão onde estavam. Gritando de medo, ela ouvia o cangaceiro berrar:
"Cala a boca, se não te sangro agorinha mesmo." Foi jogada no chão,
em meio às pedras e cactos, e lá foi estuprada, com o assustador silêncio dos
outros convidados.
No resto da noite, Dulce foi observada pelo cangaceiro, que
a tratava como mercadoria. João Felix se sentia arrependido, mas também acuado
pelo bandido armado.
"Fui a pulso, arrastada, se não morria. O apelido dele
era Criança. Deus queria que eu estivesse aqui agora, conversando com
vocês", afirmou Menezes. "[ele estava] com parabélum na mão. E [eu]
com medo de morrer, acompanhei." Na época com 13 anos, ela era apaixonada
por Pedro Vaqueiro, um rapa de Piranhas que, ao descobrir a violência, saiu com
um desespero aterrador e desapareceu no sertão.
Bando de Lampião / Crédito: Benjamin Abraão Botto.
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Acontece que Criança pertencia a um dos subgrupos comandados
pelo capitão Lampião que, em 1938, convocou seus homens para uma reunião na
Gruta do Angico, Sergipe. Lá, Dulce conheceu Maria Bonita, a quem ela descreveu
como “boa pessoa”.
Presenciou a cena por pouco tempo, afinal, aqueles grupos
articulados por Virgulino agiam separadamente: “Se vivesse tudo junto, a
polícia descobria pelo rastro. Agora, nesse dia estava todo mundo junto. Tinha
de acontecer, graças a Deus”.
Naquela noite, conseguiu descontrair as tensões do sequestro
ao encontrar Maria bonita e Sila numa conversa em que caminhavam pela escuridão
da caatinga reconhecendo vagalumes. Pela primeira vez em muito tempo, conseguiu
dormir tranquila.
Porém, a hora de acordar foi completamente conturbada. Não
porque os cangaceiros voltariam a violentá-la, mas ao contrário: dessa vez era
Criança que levava os tiros e corria desesperado, pois um grupo volante do
Estado havia invadido a Gruta numa emboscada contra o bando de Lampião. Esse
foi o famoso momento em que finalmente o Rei do cangaço fora capturado e
executado.
Crédito: Domínio Público
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Criança conseguiu escapar, mas Maria Bonita e Lampião
morreram no local. Enedina também, e o tiro que abateu sua cabeça fez respingar
miolos em cima de Dulce. "Era tiro demais. Gente caindo, entrando pelas
pernas, passando em cima de cabeças. Escapou quem tinha de escapar, porque
nunca vi tanto tiro na vida, meu filho."
Quando a noticia chegou a Piranhas, a família foi checar se
a cabeça da moça estava entre os troféus da volante. O grupo então se embrenhou
no mato e fugiu, mas decidiram se entregar à polícia em troca de uma anistia
concedida pelo ditador Getúlio Vargas. Com dois filhos, Criança e Dulce
passaram a trabalhar numa fazenda do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais. Para
ajudar Dulce, o dono da fazenda tornou o ex-cangaceiro o novo tropeiro do
lugar, obrigando-o a se afastar da garota.
Dulce se casou com Jacó, o dono da fazenda, e com ele teve
18 filhos. Ela relata que esse momento de sua vida foi muito melhor do que a
época em que estava sequestrada pelo bando de Lampião: "Foi o tempo que
fui feliz. [...] Agora essa turma do Lampião, meu Deus do céu, quando queria
pegar mulher, se não fosse, eles matavam”.
Quando Jacó morreu, Dulce decidiu mudar-se para o estado de
São Paulo com a filha Martha, passando a residir em Campinas, onde não
encontrou a maior felicidade: teve filhos e netos assassinados em meio à
violência da cidade.
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