Ilha caribenha desafia bloqueio econômico dos EUA e desenvolve duas versões de vacinas com tecnologia e recursos próprios.
Moradores de Havana caminham de máscara como medida de prevenção contra a Covid i Foto: Ernesto Mastrascusa/EPA |
Por Mali S. Gonzales
Em 10 de outubro de 2020, uma mãe
vai ao médico, alarmada pela febre de sua filha de 5 anos. Tosse, calafrios,
altas temperaturas. Embora a menina não saia de casa há vários meses devido ao
lockdown obrigatório, a mãe decide seguir seu instinto e não esperar muito
tempo para levar a criança até uma clínica. Elas vivem em Havana, Cuba.
A chegada de uma criança com
esses sintomas desencadeia o protocolo de cuidados contra a Covid-19 e a menina
é enviada para um centro de isolamento. O hospital pediátrico conhecido como La
Balear, no município de San Miguel del Padrón, acolhe a mãe e a filha. As
condições materiais não são as melhores, mas há um grupo de médicos e
enfermeiros que gerenciam o caso com atenção.
Como medida preventiva, ambas recebem tratamento antiviral e monitoramento sistemático da temperatura da menina. Poucas horas depois, ela é submetida a um teste PCR em tempo real, o exame molecular para detectar a presença da SARS-Cov2. Em menos de 72 horas, elas recebem o resultado negativo e voltam para casa no mesmo dia. Mãe e filha também recebem rapidamente a visita do médico de família, o que se repetirá por três dias consecutivos.
Essa história não é inédita, nem
exceção, e faz parte da vida cotidiana dos cidadãos cubanos em tempos de
pandemia.
O protocolo para o atendimento de
pacientes suspeitos de contaminação por Covid-19 foi apontado como um dos
maiores sucessos da luta contra a doença em Cuba. Embora hoje a ilha esteja
enfrentando uma nova onda da doença, que vem se propagando desde a abertura das
fronteiras, os números mostram que o país caribenho se saiu melhor do que
alguns de seus vizinhos na região. Até o domingo (10), o coronavírus havia
deixado 153 óbitos e 15.007 casos confirmados desde março.
Para enfrentar o vírus, a
dedicação dos profissionais de saúde e o uso precoce de produtos
biotecnológicos cubanos têm sido essenciais; protagonistas desde a prevenção
até as salas das unidades terapia intensiva.
Diante do ressurgimento da doença, que suscitou alarme no país, foi anunciada a utilização de um desses produtos, o Nasalferon, nos viajantes que chegam do exterior e em suas famílias, gratuitamente. Especialistas explicaram à Prensa Latina que a droga evita a multiplicação do vírus e modifica a quantidade de colônias presentes no corpo. Além disso, fortalece o sistema imunológico e, em caso de contaminação, previne sintomas graves.
Entre essas armas de batalha
sanitária, a Biomodulina T também tem sido usada como imunomodulador para
prevenção em idosos e outros grupos de risco. Já a Hebertrans é aplicada em
grupos de risco de forma profilática, e interferons, para tratamento antiviral.
Além destes, outros dois medicamentos – Jusvinza e Itolizumab – vêm sendo
utilizados para o controle das reações inflamatórias, efeitos mais severos da
Covid-19 em pacientes graves. Todos esses são produtos da biotecnologia cubana.
Nos últimos meses, o número de
laboratórios que realizam testes PCR aumentou para 17 em Cuba, permitindo que
15 mil diagnósticos sejam realizados diariamente. No último 9 de janeiro, por
exemplo, as autoridades do Ministério da Saúde relataram a análise de 13.592
amostras. A chave deste trabalho foi a criação de mecanismo essencial para a
coleta e o transporte de amostras clínicas suspeitas de conterem o vírus
SARS-CoV-2: uma operação de sucesso, realizada em tempo recorde pelo Centro
Nacional de Biopreparados.
Outros projetos de medicamentos e produtos, como o desenvolvimento de respiradores artificiais, se juntam à lista de esforços da biotecnologia cubana contra a Covid-19.
Biotecnologia como chave para o desenvolvimento e a saúde
Uma das notícias que ganhou destaque no mundo inteiro foi o anúncio de que Cuba está trabalhando em quatro candidatos à vacina contra a Covid-19. Os imunizantes Soberana 01 e Soberana 02 são desenvolvidos pelo Instituto de Vacinas Finlay (IFV). Já as vacinas Abdala e Mambisaestão a cargo do Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia (CIGB).
Um tuíte recente do Instituto Finlay anunciou que a Soberana 02 – atualmente em fase 2 de testes clínicos – será testada em breve no Irã, graças à assinatura de um acordo bilateral entre Havana e Teerã. De acordo com informações compartilhadas pela instituição científica, o compromisso “permitirá um progresso mais rápido na imunização contra a Covid-19 nos dois países”.
As duas Soberanas aparecem na
lista de 63 imunizantes registrados na fase de ensaios clínicos da Organização
Mundial da Saúde (OMS) até 5 de janeiro. Cuba é o único país da América Latina
a ter chegado mais longe na busca de uma vacina.
O cientista Vicente Vérez Bencomo, diretor-geral da IFV e líder do projeto, afirma que “a Soberana 02 especificamente, devido às suas características, mostrou uma resposta imunológica precoce (aos 14 dias), o que lhe permitiu passar mais rapidamente para a fase 2 de ensaios clínicos”. Ele acrescenta que Soberana 01 “também demonstrou muito boa segurança e resposta imunológica, mas é mais lenta devido ao tempo necessário entre uma dose e outra, portanto, espera-se que entre na fase 2 do ensaio clínico em fevereiro. Ambas têm demonstrado resultados positivos à segurança e à resposta imune”, conclui o cientista.
Diante destes resultados, no final de dezembro, Eduardo Martínez, presidente do BioCubaFarma Business Group, revela que no final do primeiro trimestre de 2021 Cuba poderá iniciar a imunização contra a Covid-19. “Queremos obter autorização para um uso emergencial e começar a vacinar todo o pessoal de grupos de risco: os médicos que trabalham na linha de frente do combate contra a doençae os profissionais de saúde”, diz o executivo da empresa que reúne as instituições da biotecnologia cubana.
Com os resultados otimistas dos testes, Cuba decidiu começar a aumentar a produção, disse o cientista à TV. Desta forma, quando a vacina estiver pronta, a imunização poderá começar. No entanto, esta estratégia foi afetada pelos problemas financeiros que o país sofre e que se agravaram no último ano, com um forte impacto na vida cotidiana dos cubanos.
O executivo explica que algumas
empresas internacionais foram pressionadas a não colaborar com a BioCubaFarma.
“Elas estão estudando os 10% do componente norte-americano. Não podemos sequer
revelar o nome das empresas”, explicou ele.
A recusa das empresas é uma resposta a uma das cláusulas do embargo dos Estados Unidos contra Cuba: Washington estabelece que nenhum produto ou equipamento com mais de 10% de componentes norte-americanos pode ser vendido a Havana.
Os resultados obtidos até agora
com as vacinas Mambisa e Abdala também refletem a segurança e inocuidade de
ambas, disse Eulogio Pimentel Vázquez, diretor geral do CIGB. Mas nem o
protocolo único de cuidados contra a Covid-19, nem o avanço dos candidatos à
imunizantes ocorrem por acaso.
Em recente entrevista à Sputnik, o professor italiano Fabrizio Chiodo, professor da Faculdade de Química da Universidade de Havana e um dos especialistas estrangeiros envolvidos no desenvolvimento das vacinas Soberanas, resumiu os antecedentes desta realidade em três pontos.
“Saúde totalmente pública,
biotecnologia totalmente pública e uma grande confiança neste sistema. Um
sistema supereficiente para muitos, com um papel fundamental para a medicina
territorial. Cuba, com 11 milhões de habitantes, teve apenas pouco mais de 150
mortes por causa da Covid-19 até agora”, disse ele.
A estreita relação entre a saúde
pública e as necessidades da população são citadas por outros especialistas
como outras razões para a capacidade de Cuba alcançar um alto desenvolvimento
tecnológico para uma nação do terceiro mundo.
Ao longo de sua vida, cada
criança cubana recebe 11 vacinas de acordo com o cronograma oficial de
imunização. Destas, oito são produzidas pela empresa nacional de biotecnologia.
Foi no Instituto Finaly que nasceu uma das vacinas que contam como um marco na
história da saúde em Cuba, salienta um artigo publicado pela BioCubaFarma.
“A vacina antimeningocócica BC,
desenvolvida no final dos anos 1980, sob a orientação do doutor Concepción
Campa Huergo, foi a primeira de seu tipo no mundo para o controle da meningite
tipo B. Patenteado por cientistas cubanos, recebeu a Medalha de Ouro da
Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI)”, diz a publicação. Hoje,
as vacinas cubanas protegem contra 14 doenças infecciosas.
Muitos cientistas cubanos
concordam que as sementes do desenvolvimento do país em saúde e biotecnologia
começaram a ser plantadas há décadas com a Campanha de Alfabetização e livre
acesso, onde apenas o talento é mediado, e as oportunidades de formação universitária
para todos os cubanos. Em resumo, a história por trás dos candidatos à vacina
em Cuba é mais longa do que imaginávamos.
Fonte: Prensa Latina
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