Cego Oliveira - (*Crato, 1912 +Juazeiro do Norte, 1997).
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Vejo que o nosso Nordeste
Ê mesmo a terra da fome,
Onde o matuto não veste,
Onde o matuto não come.
A agricurtura é sentença
E sem havê assistença
O jeito é se escangaiá.
Parece mesmo um pagode!
Seu doto, como é que pode
Este Brasi miorá?
Carsando dura apragata
O nosso pobre caboco
Se soca dentro da mata,
Pisando inriba de toco,
Bota um alarme de broca,
Depois nela fogo toca.
Depois da mesma queima
Ainda lhe dá cansêra,
Porque tem a garranchêra
Que é preciso incoivará.
Ele, naquele vexame,
Logo o terreno incoivará
Mas porém, não tem arame,
Precisa cerca de vara.
Depois da roça cercada,
De ferramenta pesada
Segue no mesmo rojão,
Pois com nada se aquebranta
E na terra seca pranta
O caroço de argodão.
Pranta com munto prazê,
Com munta sastifação,
Proque no rádio ABC
Que comprou de prestação
Todo momento que liga,
Além de munta cantiga,
Escuta uma voz falá,
Uma voz dizendo: «prante,
Que o governo garante».
E o seu desejo é prantá.
Pranta no seco a semente
E depois de tê chuvido
Ele diz munto contente:
Meu argodão tá nascido
E vai a limpa fazê
Mode o mato não cresce
Pois, pra pode dá de conta,
É preciso que se arranje,
Puxando um forte frejoge
Com uma inxada na ponta.
Vendo o prantio na linha,
Sempre de bom a mió,
Agarra demenhãsinha
Até chega o pôr do só.
A sua manutenção
Meidia é sempre fejão
E de noite muncunzá,
Mas nada de esmorece,
Uvindo o rádio ABC,
Sempre mandando prantá.
Esta roça tá firmada
Porém, tem a capoêra,
Esta aqui limpa de inxada
E aquela de roçadêra.
O seu argodão do roço
Tá se tornando um colosso,
A roça tá munto boa,
De fulo toda amarela,
Pode a gente chama ela
Um bordado de açafroa.
E ele o trabaio fazendo,
Sempre agüentando o ripuxo,
Aqui e ali já tá vendo
Dasabrochando um capuxo,
E o caboco não descansa,
Cheio de fé e esperança
Por vê o argodão abri,
Diz, alegre e munto esperto:
Já tá chegando bem perto
Do gunverno garanti!
A roça no mês de agosto
Tá bem arva de argodão,
Tá mesmo de fazê gosto,
Tá mesmo um manapulão;
Quem de longe repara
Sabendo bem compara,
Logo em sua mente toca
Que aquilo é bem parecido
Com um lenço estendido,
Coberto de tapioca.
E o nosso honesto matuto
Sempre da roça pra casa,
Achando que o seu produto
Vai dá lucro e não atrasa.
De noite, perto da mesa,
Com a lamparina acesa,
Todo cheio de inlusão
Destranca o rádio ABC,
Proque deseja sabe
Que preço tem argodão.
Com os seus dedo grocêro
Passa ali hora e mais hora
Mexendo com o pontêro,
Em toda estação demora.
Porém seu rádio ABC
Desta vez não qué sabe
De negoço de argodão,
Derne o Sú inté o Norte
Só tá falando de esporte,
Pele, Garrincha e Tostão.
Bota o pontêro pra lá 10
é sempre uma coisa só,
Puxa o pontêro pra cá
E é o mesmo Futibó
E aquele nosso caboco
Já quage com ar de loco
Vai ficando meio brabo
E diz, bastante raivoso:
Este rádio é mentiroso!
Eu só vendendo este diabo!
Cheio de raiva e quisila,
Já de esperança perdida,
Tranca o seu rádio de pila
E fica a pensa na vida,
Dizendo a sua senhora:
É uma grande caipora
Vende argodão barato!
Perdi todo o meu serviço,
Trabaieí com sacrifico,
Pra botá tudo no mato!
Na vida de agricurtô
Não há pobre que se saia,
Pra todo lado que vou
Tem um bicho de tocaia;
É grande a desiguardade
Do campo para a cidade!
Você repare, muié,
Que grande escuiambação:
Quinze quilo de argodão
Não compra três de café!
E toca lá pra cidade
Quatro carga de argodão,
Mas, porém, mais da metade
Já tá devendo ao patrão.
Com a sobra do dinhêro,
O sobejo dos cruzêro,
Que é bem pequena quantia,
Faz uma fraca merenda,
Depois vai compra fazenda
Mode vesti a famia.
Depois que de brim barato
Compra carsa pra José,
Chico Migue, Furtunato
E uma saia pra muié
E seis vestido de chita
Pra Joana, Tereza, Rita,
Josefa, Antônia e Sinhá,
Fica coçando o bigode.
Seu doto, como é que pode
Este Brasi miorá?
Veja que negoço chato,
O que foi que aconteceu,
Vendeu o argodão barato,
Que tanto trabaio deu!
Aquele bom camponês,
Com as comprinhas que fez,
Nem um centavo sobrou,
Ficou de bôrsa vazia,
Pensando na garantia
Que o rádio tanto falou.
Sem tê no borso um tostão
Vorta o caboco da praça
Pensando em seu argodão
E incabulado, sem graça,
Quando chega na paioça,
Vai derruba nova roça
Pra ôtra safra fazê,
Bem sisudo, resmungando,
Chingando e desconjurando
Aquele rádio ABC.
No Juazeiro do Norte de Antigamente
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