Secundaristas em protesto contra a reforma do ensino médio no ano de 2016; mudanças foram aprovadas e começam a vigorar este ano - © Daniel Mello/Agência Brasil |
Em entrevista ao Brasil de Fato,
especialista em educação aponta que as mudanças vão ampliar a desigualdade.
Nara Lacerda no Brasil de Fato
A partir deste ano, gradualmente
até 2024, começa a ser aplicada em todo o Brasil a reforma do ensino médio,
proposta e aprovada durante o governo de Michel Temer (MDB).
No papel, de acordo com o
Ministério da Educação, o chamado Novo Ensino Médio (NEM) amplia “o tempo
mínimo do estudante na escola de 800 horas para 1.000 horas anuais (até
2022)".
Ainda de acordo com as definições
da pasta, a nova organização curricular é “mais flexível”, oferece “oferta de
diferentes possibilidades de escolhas aos estudantes” e “aproxima as escolas à
realidade dos estudantes de hoje, considerando as novas demandas e
complexidades do mundo do trabalho e da vida em sociedade”.
Na prática, o ensino médio terá
uma etapa direcionada à Base Nacional Curricular e horas dedicadas aos chamados
itinerários formativos, “conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos
de estudo, entre outras situações de trabalho”, segundo o Ministério da
Educação.
Para o pesquisador de políticas
educacionais e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Fernando
Cássio, o discurso de modernização esconde uma visão elitista da educação. “Não
tem uma intenção de reformar profundamente aquilo que precisa ser reformado”,
considera.
Cássio aponta que a ênfase na
reforma do currículo, de maneira equivocada, coloca no conteúdo a
responsabilidade dos problemas que jovens enfrentam no mundo do trabalho.
“O diagnóstico é o de que a culpa
por esse fenômeno social é da escola e do currículo da escola. Ninguém está
discutindo o que produz o fato de você ter uma grande massa de jovens que estão
em uma espécie de limbo. A pobreza, a fala de política pública de permanência
na escola. Não tem política de reforma profunda, melhoria real dos salários dos
professores, melhoria da escola”, alerta ele.
Liberdade de escolha?
A defesa das mudanças no ensino
médio aposta principalmente em um discurso que promete estimular o
"protagonismo juvenil",
contribuir para "maior interesse dos jovens em acessar a
escola" e desenvolver o "projeto de vida dos estudantes".
Fernando Cássio afirma que as
promessas de liberdade de escolha e qualificação para o mercado de trabalho
ignoram realidades sociais e estruturais. "Existem estruturas sociais,
existem relações de poder", reforça.
O especialista aponta que a
simplificação da formação escolar e o estreitamento do currículo vão atingir
estudantes mais pobres de maneira perversa e "dar menos escola para quem
mais precisa de escola".
Enquanto ainda estava em discussão
no Congresso Nacional, a reforma do ensino médio foi alvo de protestos,
principalmente por parte de estudantes secundaristas. Com a aprovação, há
iniciativas também no parlamento para que o início do processo seja adiado e
não aconteça durante a pandemia.
Cássio acredita que, ainda assim,
a reação dentro das escolas será essencial para combater o desmonte.
“O que a reforma do ensino médio faz é tirar a centralidade do conhecimento da escola, tentar minar o desejo de jovens por conhecer. Por isso que ela ataca, principalmente, o conhecimento. O que a comunidade escolar pode fazer é continuar desejando oconhecimento. É a vontade de conhecer que vai produzir alguma resistência das escolas", conclui.
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