Por Alexandre Figueiredo
A mediocridade cultural tornou-se crescente e dominante de tal forma que gera, em muitas pessoas, uma dependência psíquica aos ídolos em evidência. Seja na axé-music, no "funk carioca", do breganejo.
Me lembro dos tempos dos anos 80, em que havia a moda do Menudo e muitas adolescentes eram fanáticas por esse grupo vocal porto-riquenho. Era uma moda, uma febre, que atingia quase todas as garotas. No entanto, passada a onda, elas deixavam simplesmente de gostar do grupo, para o qual a idolatria é um rio de águas passadas.
Só que hoje, infelizmente, vê-se moças, e também rapazes, de 30, 40 anos, apegados a um gosto musical medíocre, ditado pelas rádios FM, pelas trilhas de novelas da Globo, como se agarra a um galho no alto do precipício.
E isso causa sérios problemas, porque gêneros marcados pela aparente alegria como o "pagode romântico", o "sertanejo" e a axé-music acabam tendo os mesmos fãs reacionários e temperamentais do que, por exemplo, o punk rock de cunho fascista da Alemanha.
Já se sabe até de casos, contados por gente nas redes sociais, de fãs de "pagode romântico" que haviam espancado um grupo de headbangers (fãs de heavy metal) só porque estes reclamavam do alto volume do som tocado num bar.
Nós, que criticamos a mediocridade cultural, somos acusados de fazer "patrulha cultural", mas os "patrulheiros" são os do outro lado. Anos atrás, enquanto a dupla Zezé di Camargo & Luciano mostrava aparente humanismo nos palcos da mídia, seus fanáticos faziam patrulha ideológica, perseguindo e humilhando quem não gostava da dupla. Coisa de deixar até os fascipunks de queixo caído.
Em situações assim, tem razão o humorista Bruno Mazzeo quando definiu os fanáticos do cantor Luan Santana, com quem ele teve uma discussão, de "talifãs", num trocadilho com os fundamentalistas da milícia Talibã, do Afeganistão.
É certo que nem todos agem assim com esse fascismo todo. Mas também preocupa quando pessoas que poderiam parecer legais possuem um gosto cultural - não só música, mas também de outras coisas - que vai do piegas ao grotesco, sempre na cartilha brega-popularesca.
Pior: é ente de classe média, nível universitário e tudo, que vai nas redes sociais demonstrar seu orgulho (!) de gostar da mediocridade cultural. Há gente que é mística demais, futebolista demais, e gente que sempre se associa a uma comunidade de bobagens no Facebook. Houve até moças que se diziam "diferenciadas" mas gostavam de Bruno & Marrone. Pode isso?
E são pessoas que ultrapassam 30, 40 anos assim, nessa lenga-lenga. Com tantas coisas legais para se ouvir, ouve-se essas porcarias que são tocadas no rádio FM mais popularesco, e que a TV aberta exalta todo dia, toda hora.
Há centenas e milhares de cantoras mil vezes melhores do que Ivete Sangalo, mas seus fanáticos não abrem mão. E nem mesmo muitas moças solteiras e carentes, que nem têm ideia de que boa parte de sua solidão se deve justamente ao péssimo gosto musical, aos constrangedores referenciais culturais.
Que mal tem, por exemplo, ouvir e gostar de Sílvia Telles, uma cantora de outro tempo (anos 50/60), das maiores do nosso país, só porque ela faleceu há 45 anos? A música de qualidade tem dessas coisas, mas ela possui mais vida e mais brilho do que os astros popularescos que estão sempre aí, em evidência.
E por que as pessoas, em vez de verem a nulidade do Big Brother Brasil, não leem um livro? Por que dependem da televisão aberta - ou mesmo da hoje decadente TV paga - para formar seus referenciais cinematográficos? E ainda aceitam, passivos, quando a rede TeleCine, numa atitude falha, tenta convencer de que um John Wayne da vida é "astro do cinema alternativo"?
Passo pela televisão numa lanchonete e aparecem vinhetas do portal Terra, totalmente idiotas, em que um jovem com barba rala, com ar de idiota fazendo com caras e bocas, ilustra uma mensagem bastante bocó dizendo "Seja Cult: Veja a mostra do cinema europeu no Terra".
Lembra muito aquele trintão debilóide do comercial da promoção de DVDs de clássicos de cinema da Folha de São Paulo. Ele, falando para seus amigos, de forma pateticamente risonha, dizendo que o filme Doutor Jivago é um clássico. Sim, o filme tornou-se um clássico, mas e se não se tornasse?
A mídia promove a mediocrização cultural até quando tenta promover a cultura elevada. Se transforma o cinéfilo cult num débil-mental, pode fazer também com que as pessoas só aceitem a MPB autêntica quando ela aparece na Rede Globo, sobretudo nas trilhas de novelas.
Será preciso que Sílvia Telles tenha uma minissérie de verão na Globo para ser reconhecida? Mas, se tiver, o que vai haver de "divas" da axé-music dizendo que "são influenciadas" pela falecida moça não estará no gibi nem no blogue. Até os ídolos medíocres pegam carona fácil nos grandes mestres.
Por isso a dependência psíquica das pessoas com a mediocridade cultural da mídia, seja para assimilar valores e referenciais culturais ruins, seja para uma passiva, direcionada (pela mídia) e restritiva assimilação do que se permite veicular de valores culturais de qualidade, mostra o quanto as pessoas têm que aprender na vida, porque andam muito submissas e escravas do poder midiático.
Quanto ao brega-popularesco, constata-se que seu "universo" é realmente uma droga. Até pela dependência psíquica que causa nos seus fãs.
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