2017 vai chegando ao fim de forma melancólica para o Brasil.
Foi um ano em que os homens que tomaram o poder em Brasília sacramentaram as
mesmas políticas públicas rejeitadas reiteradamente pelo povo nas urnas.
Em vez de fazer uma retrospectiva dos principais
acontecimentos do ano, resolvi fazer uma que traga alguns assuntos que foram
estrategicamente esquecidos pelos conglomerados de mídia do país. Como acontece
todos os anos, assuntos de grande importância não ganham o merecido destaque e
acabam morrendo em notinhas de rodapé.
Por João Filho, no site The Intercept-Brasil:
Os escândalos de José Serra
Em 2016, escrevi duas colunas intituladas “O fenômeno José
Serra” e “O fenômeno José Serra – Parte II”, que basicamente tratavam da
capacidade de escapar ileso na grande mídia mesmo tendo seu nome envolvido em
grandes escândalos. É o Houdini brasileiro! Nesses artigos tentei demonstrar
que as notícias desfavoráveis ao senador seguem o padrão snapchat: ficam 24
horas no ar e depois somem.
Em 2017, José Serra continua sendo um fenômeno. Seu nome
aparece em diversos casos de corrupção, mas não vemos colunistões da Globo
especulando e vociferando contra ele, nem capas de revistas semanais lhe
tratando como um criminoso.
Nunca mais se falou a respeito da suposta conta na Suíça em
que ele teria recebido R$ 23 milhões em propinas da Odebrecht. Depois de uma
manchetinha aqui e outra ali, escândalos do Serra caem em um buraco negro – um
fenômeno que nunca ocorreu com Jucá, Geddel e até mesmo Aécio, que até pouco
tempo atrás também desfrutava da amnésia midiática.
Eu aposto que você nem se lembra que Serra contratou uma
funcionária fantasma para seu gabinete. Sim, o nome dela é Margrit Dutra
Schmidt, uma grande amiga que Serra prefere chamar de Mag. E quem é a Mag? Bom,
ela é ex-mulher do ex-lobista Fernando Lemos e irmã de Miriam Dutra – a
polêmica ex-amante de FHC. Ela recebia salário sem jamais ter comparecido ao
trabalho. Fosse qualquer outro político o protagonista desse escândalo, nós já
estaríamos sabendo até a marca da ração preferida do cachorrinho da funcionária
fantasma.
Nesse ano, enquanto o Titanic de Temer afundava na lama,
Serra pediu demissão e saiu à francesa alegando problemas de saúde. A imprensa
respeitou e ficou um bom tempo sem tocar em seu nome. Depois desse período
sabático, o tucano reaparece saudável, já articulando uma candidatura para o
governo de São Paulo. Há até quem fale em seu nome para a disputa do Planalto.
Graças a esse paparico midiático – e a total falta de
interesse do Ministério Público em São Paulo em investigar a sério o PSDB –
Serra chega ao final de 2017 mais antiaderente que panela de teflon. O tucano
continua ostentando a mesma imagem dos anos 1990: um cidadão correto, pai de
família, trabalhador, filho de feirantes da Móoca. Agora feche os olhos por um
momento e tente imaginar como seria o tratamento midiático se o protagonista
desses mesmos escândalos atendesse pelo nome de Luis Inácio.
O depoimento de Rodrigo Tacla Duran
Este é um assunto que definitivamente não interessou nem um
pouco à imprensa. Tacla Duran é um ex-advogado da Odebrecht acusado pela Lava
Jato por envolvimento nas fraudes de licitações da Petrobrás. Segundo o
Ministério Público, o seu escritório era responsável por lavar a grana das
propinas das construtoras envolvidas no esquema.
Ele atuava como doleiro e foi preso no final de 2016 na
Espanha, mas não pôde ser extraditado por ter cidadania espanhola e, portanto,
responde o processo em liberdade.
Desde agosto, Tacla Duran tem acusado o advogado Carlos
Zucolotto, padrinho de casamento de Sergio Moro e ex-sócio de sua mulher, de
negociar clandestinamente uma delação premiada. O doleiro afirma que Zucolotto
teria oferecido abrandamento da pena e diminuição da multa em troca de um
pagamento de R$5 milhões, que seria feito por caixa dois.
Sergio Moro se pronunciou apenas uma vez sobre o caso.
Afirmou que o amigo é “sério e competente” e que é “lamentável que a palavra de
um acusado foragido da Justiça brasileira seja utilizada para levantar
suspeitas infundadas sobre a atuação da Justiça”.
Ora, ora. Se a espinha dorsal da Lava Jato está baseada em
delações de criminosos, por que justamente agora devemos desqualificar a
declaração de um? É claro que, como qualquer delator da Lava Jato, Tacla Duran
pode estar mentindo. Mas depois das provas apresentadas por ele em uma sessão
da CPI da JBS, fica difícil desacreditar completamente no doleiro.
Durante depoimento de quase quatro horas via
teleconferência, Duran apresentou imagens de conversas por celular em que o
padrinho de casamento de Sergio Moro admite que está intermediando os detalhes
do acordo de delação com um misterioso “DD”. Duran submeteu as imagens à
perícia da Associação Espanhola de Peritos, que garantiu serem verdadeiras.
E qual foi a reação de Zucolotto, Moro e cia diante do
depoimento de Duran na CPI? Nenhuma. Silêncio absoluto. Zucolotto não apareceu
nem para negar que houve a conversa.
Os integrantes da Lava Jato, que reiteradamente opinam sobre
acontecimentos políticos que estão fora da sua alçada de trabalho e só faltam
convocar coletiva para comentar rodada do Brasileirão, se calaram diante das
acusações.
Curiosamente, no mesmo dia em que Duran prestou depoimento
na CPI, a esposa de Sergio Moro deletou a página “Eu moro com ele”.
A grande mídia, que nunca viu problema em dar manchete às
declarações de delatores, silenciou sobre o caso de forma constrangedora.
Tirando uma notinha aqui e outra ali, o depoimento de Tacla Duran na CPI foi tratado
com o mais absoluto desprezo e passou longe das capas dos jornais e portais.
Não teve uma grande empresa interessada em mandar um jornalista para Espanha e
fazer uma grande reportagem sobre o assunto. Essa tarefa coube aos sites de
jornalismo com estrutura infinitamente menor, como DCM, GGN , O Cafezinho, Nexo
e outros.
Cúpula da Igreja Universal é acusada de comandar rede
internacional de tráfico de crianças
Um repugnante silêncio tomou conta da imprensa brasileira
diante das gravíssimas acusações que a emissora TVI, líder de audiência em
Portugal, está fazendo contra Edir Macedo e a cúpula da Igreja Universal.
Depois de uma investigação que durou sete meses, as jornalistas Alexandra
Borges e Judite França reuniram fartas e contundentes provas que sustentam a
participação da Igreja Universal em tráfico internacional de crianças.
Atuando desde 1989 em Portugal, a Igreja Universal
administrava um abrigo para crianças carentes em Lisboa, batizado de Lar
Universal, que funcionou ilegalmente entre 1994 e 2001. Mães em situação de
vulnerabilidade deixavam seus filhos aos cuidados do abrigo, mas depois de
algum tempo nunca mais os viam. Sem o consentimento das mães, as crianças eram
adotadas por bispos e pastores da Igreja Universal ao redor do mundo.
Segundo a TVI, os três netos de Edir Macedo foram roubados
de suas mães biológicas. O bispo Romualdo, integrante da cúpula da igreja,
também teria adotado uma criança da mesma maneira.
A reportagem virou um documentário de dez episódios que vêm
sendo exibidos na TV portuguesa durante as últimas duas semanas. Há
apresentação de diversos documentos e depoimentos de pais e mães que tiveram
seus filhos roubados. A Igreja Universal nega tudo e diz que irá processar a
emissora.
No Brasil, não há um grande veículo sequer tratando
seriamente do assunto. Nem o MBL, sempre muito preocupado com as criancinhas,
se pronunciou sobre esse caso tenebroso. A Folha de São Paulo foi a única que,
ainda que timidamente, publicou algo sobre o assunto. Todas as outras grandes
empresas de comunicação estão caladas. Até mesmo a Globo, que nunca perdeu uma
oportunidade de tirar uma casquinha da Record, noticiou a acusação. Como a
Globo foi recentemente envolvida no Fifagate, fica até parecendo que foi
firmado um acordo de cessar-fogo entre as empresas.
É um caso assombroso envolvendo o dono de um império. Edir
Macedo é dono de emissora de televisão, comanda (mesmo que não oficialmente) um
importante partido político e está a frente de uma igreja que possui
aproximadamente 9,5 milhões de fiéis em mais de 100 países. Trata-se de uma
bomba nuclear, mas nossos oligopólios de mídia silenciam como se fosse uma
biribinha de festa junina.
Os 10 episódios podem ser vistos no Youtube. A jornalista
Cynara Menezes tem abordado o assunto em seu blog.
Escolhi esses três assuntos, mas há vários outros
importantes que também não tiveram uma cobertura adequada dos grandes grupos de
mídia. Escreva nos comentários qual pauta relevante que você acha que foi
relegado a segundo plano no noticiário em 2017. Desejo um bom final de ano a
todos!
Via - Altamiro Borges
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