Jornalista, tradutora, poeta, escritora, diretora de teatro
e desenhista. Há 55 anos da morte de Patrícia Rehder Galvão, relembramos a
artista que revolucionou o Brasil juntando-se ao movimento modernista, sem
nunca deixar de lado a causa pela justiça social
Ela morreu em Santos, em 12 de dezembro de 1962, vencida
pelo câncer. Em 1910, nascia: São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Ao
longo de 52 anos de vida, Pagu deixou uma herança e tanto, não só pelos seus
feitos no campo da escrita, da arte e da militância pelo Partido Comunista, mas
também pela sua trajetória pessoal.
Começou a escrever com 15 anos, como colaboradora de um
jornal de bairro em São Paulo. Celebrada como musa do movimento modernista, adere
ao movimento antropofágico aos 19 anos. Conviveu com figuras como Tarsila do
Amaral, Oswald de Andrade (com quem se casa e tem o seu primeiro filho) e Mario
de Andrade (seu professor no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo).
Como jornalista escrevia sobre tudo um pouco com facilidade, publicando seus
textos em diversos jornais; opinava de maneira pontual sobre política, o
proletário e a sociedade. Escreveu sobre a temática LGBT, até hoje alvo de
ataques por parte de conservadores: “Há meninas que nasceram errado, mas que
não querem se conformar em seguir à lei da natureza. Querem continuar meninas”.
Foi correspondente de vários jornais, viajou para os Estados
Unidos, Japão e União Soviética, entre outros países da Ásia e da Europa. Na
França, tem contato com o escritor André Breton e outros surrealistas;
entrevistou Sigmund Freud e assistiu à coroação de Pu-Yi, o último imperador
chinês, e com ele conseguiu sementes de soja, que foram enviadas ao Brasil e
introduzidas na economia agrícola brasileira. Em 1930 viaja para Buenos Aires
para encontrar Luís Carlos Prestes, líder comunista que vivia no exilio, e
acaba conhecendo o escritor Jorge Luis Borges (encontraria Prestes apenas mais
tarde, em Montevidéu, no Uruguai).
Dona de caráter irreverente, não tinha medo em ser.
Feminista, se dizia uma “mulher de ferro, com zonas erógenas e aparelho
digestivo", isso no Brasil de 1930; a defesa da mulher pobre e a crítica
ao papel conservador feminino na sociedade permearam sua vida e todas as suas
obras.
Em 1931 lançava duras críticas à burguesia paulistana na
coluna “A mulher do Povo”, seção batizada como contraponto ao título do jornal
criado e dirigido por ela e Oswald de Andrade, O Homem do Povo. Aliás, Pagu
tornou-se nesse momento também uma grande expoente dos quadrinhos, área até
hoje majoritariamente masculina. Inspirada especialmente nas obras de Tarsila
do Amaral (chegou, inclusive, a ilustrar a Revista de Antropofagia), fez
ilustrações e tiras para cada uma das 8 publicações do Homem do Povo; entre
elas, Malakabeça, Fanika e Kabelluda contam a história de um casal rico que não
teve filhos e começa a morar com a sobrinha pobre, a Kabelluda, que protagoniza
cenas de subversão e contestação dos valores morais da sociedade do início do
século XX – criticas, aliás, que servem facilmente à sociedade atual. Como
conclui Roberta AR, zienira e escritora na cena de quadrinhos independentes, as
tiras de Pagu “mostram bem a veia política da autora, que não era de meias
palavras”. Por fim, seu nome batizou o primeiro selo de quadrinhos feito
somente por mulheres.
Pagu entrou para o Partido Comunista em 1931, junto de
Oswald, e foi morar em uma vila operária, onde trabalhou como tecelã e
metalúrgica. Participou da organização de uma greve de estivadores em Santos e,
na ocasião, como conta o jornalista Fernando do Valle em seu artigo “Viva
Pagu”, o estivador Herculano de Souza foi morto pela polícia durante a
homenagem aos operários anarquistas Sacco e Vanzetti, injustamente acusados de
homicídio nos Estados Unidos e executados na cadeira elétrica. Herculano caiu
nos braços de Pagu, que pediu a todos que cantassem a Internacional. Ela foi
presa pela polícia de Getúlio Vargas, tornando-se a primeira mulher presa no
Brasil por motivações políticas. Em 1935, após participar do Levante Comunista,
foi detida, torturada e condenada a dois anos de prisão. Três anos mais tarde
foi novamente condenada e, ao todo, foi presa 23 vezes, chegando, inclusive, a
ser presa como militante comunista estrangeira quando estava na França,
militando pelo partido comunista francês. Logo após a sua filiação, foi morar
em uma vila operária.
Mais tarde fez suas críticas ao Partido, mas nunca deixou o
idealismo de lado, sempre defendeu um socialismo pacífico e libertário e nunca
deixou de lutar. O jornal que tinha com Oswald foi tomado por estudantes da
Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e proibido pela polícia. Em
1933, Pagu lançou seu primeiro romance, “Parque Industrial”, focado em uma
narrativa urbana sobre a vida das operárias da cidade de São Paulo, e assinou a
obra sob o pseudônimo de Mara Lobo. Segundo a antropológa Mariza Corrêa, o
texto tem forte estilo cinematográfico e “poderia ser lido hoje como se fosse o
roteiro de um vídeo”. A narrativa denuncia a suposta “moral” que exigia
castidade das mulheres ao passo em que estimulava a liberdade sexual dos
homens, que muitas vezes enganam e abusam das mulheres.
Em 1935, se separa de Oswald de Andrade, em uma época em que
o divórcio ainda era motivo de tabu e julgamentos. Mais tarde se casa com o
jornalista Geraldo Ferraz e lhe dedica diversas cartas de amor.
Nos anos 40 e 50 continua sua produção jornalística,
escrevendo crônicas, artigos, poemas e críticas literárias no jornal “A
Tribuna” de Santos. Divulgou autores marcados pelo inconformismo e de vanguarda
como Alfred Jarry, Fernando Arrabal e Samuel Beckett. Também foi pioneira na
tradução de autores como Artaud e Apollinaire.
Mas, como relembra a jornalista Camila Alam, as memórias
pessoais de Pagu também ganharam muita visibilidade. Na sua autobiografia,
intitulada “Paixão Pagu”, a escritora revela intimidades e confissões. Nas
passagens são relatadas algumas prisões, doenças e casos amorosos. “Uma
personalidade fugaz e intensa, que, ao longo de seus 52 anos, revelou-se
coerente, objetiva, idealista e apaixonada” finaliza Camila Alam.
“Luminosa agente subversiva de nossa modernidade”: foi assim
que o poeta concretista Augusto de Campos descreveu Pagu na abertura da nova
edição de “Pagu: vida-obra”, em que ele conta da contribuição da escritora
também para a poesia concreta, com a publicação de diversos poemas. Em
entrevista para O Globo em 2014, quando questionado do título referido à
escritora de “primeira mulher nova no Brasil”, ele explica: “Por todo o seu passado
revolucionário (...)nenhuma assumiu até o fim ideias tão radicais e
renovadoras, nenhuma correu os riscos e sofreu o que sofreu por elas, nenhuma
defendeu com tanto ardor a arte de vanguarda, nenhuma se pode comparar, em
termos de atuação ética e estética, como ela”.
Pagu marcou presença: nunca deixou o espírito revolucionário
adormecer, nem na arte, nem na política. Jamais se deixaria calar ou censurar
por nenhum conservador ou moralista. Diante de suas enormes contribuições, vale
o questionamento: como seria sua reação diante do atual momento vivido pelo
Brasil?
*Estagiária no Portal Vermelho
Via - Portal Vermelho
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