É o pior editorial que um jornalista pode escrever: anunciar
o fim de um projeto acalentado por 20 anos. A revista Caros Amigos resistiu o
quanto pôde, mas não resistiu ao golpe, ao cerco ideológico do governo
ilegítimo, ao aprofundamento da crise deste ultraneoliberalismo que pune a
nação com vingança, ódio e descaramento institucional contra os avanços e
conquistas sociais. Circula esta, sua última edição, também diante de um
mercado editorial em profunda transformação, com queda nas vendas em todos os
nichos, e o avanço das mídias digitais, dominadas por grandes corporações e
assoladas por fake news e ações de rapina ideológica. Mas também é da
necessidade de bom jornalismo nesses tempos de “mídias da confusão” e ambiente
digital bruto que a editora vai manter o site de Caros Amigos e continuar
oferecendo nas bancas republicações de suas edições temáticas, produzidas ao
longo dessa jornada.
A última edição de Caros Amigos aproveita para olhar para
este contexto da era digital e suas “novidades”. A guerrilha virtual das fake
news, robôs e novos hábitos de busca e consumo de informação, como os da
plataforma de vídeos YouTube, que cria celebridades de conversas banais e por
vezes racistas e discriminatórias e é contudo, sonho de fama das novas gerações.
Como questiona o teórico da contemporaneidade Massimo Canevacci, em uma das
reportagens, não era pra ser assim — para ele, a era digital cria a
“personalidade digital autoritária” de um “fascismo sem controle”.
Esta edição tem ainda a história dos jornais da resistência,
publicações que desafiaram ditadores, governos, censura e mesmo o mercado, para
manter acesa a chama por um mundo mais justo e plural. E, ainda, artigos sobre
a democratização da mídia e análise dos governos petistas e seus laços com projetos
neoliberais, seus impactos na geopolítica na América Latina. Além das colunas
dos colaboradores, que também se despedem de Caros Amigos, alguns deles, sem
falhar em nenhuma das 248 edições. Fique aqui registrada uma profunda admiração
e nosso agradecimento. A todos que passaram pelas páginas e redação de Caros
Amigos, jornalistas, articulistas, são tantos; aos anunciantes que acreditaram
na marca e ajudaram na sobrevivência, FNAE, CNTE, entre outros. Também aos
caríssimos e fiéis leitores. Valeu a caminhada!
A revista se vai nesse vendaval de mudanças tecnológicas e
seus impactos nas relações sociais, na comunicação de massa, na reorganização
das sociedades e mercado. O site vai manter a chama dessa batalha no
ciberespaço selvagem e sempre manipulável das novas plataformas e atores da
informação. Embora de outra forma, o sonho continua.
Boa leitura!
Nas bancas de todo o Brasil ou se preferir na loja virtual.
Foram 20 anos na trincheira com "a primeira à
esquerda", conforme o slogan da publicação.
Acompanhei com alegria seu lançamento.
Li com brilho nos olhos a primeira edição, com Juca Kfouri
na capa, e as que se seguiram. Adorava as longas entrevistas, fantásticas, ao
estilo "Pasquim". Nessa época, comprava todo mês. Achei incrível
quando a direção decidiu fotografar a mesma criança para as capas das edições
comemorativas de 1 ano, 2 anos e 3 anos. Caros Amigos foi também a primeira
revista que eu assinei, com meu dinheiro, acho que aos 18 anos, no finalzinho
de 1997. Por muito tempo, guardei a coleção completa das 36 primeiras edições.
Também tive a oportunidade, como estudante de jornalismo, de participar de uma
das entrevistas intermináveis, com o ator Pedro Cardoso, que acabava de
interpretar Fernando Gabeira no filme "O que é isso, companheiro?",
num período anterior a Agostinho Carrara, e que coincidentemente voltou ao
noticiário no mês passado, manifestando-se contra o desmonte da EBC. Jovem,
conheci muitos gigantes da imprensa brasileira por meio de suas páginas,
colunistas e repórteres. O fundador Sérgio de Souza, Roberto Freire (o escritor
e psicoterapeuta, não o político), seu filho Paulo Freire, Alberto Dines, José
Arbex Jr., Frei Betto (esse eu já conhecia!), Marina Amaral, Guto Lacaz,
Myltainho, João Pedro Stédile e tantos outros.
Acompanhei com agonia seu crepúsculo.
Reconheço com tristeza que já não lia a revista com
assiduidade nem com o mesmo interesse. Nos últimos anos, me parecia faltar ali
o tesão, a irreverência e a genialidade dos gigantes que encontrei nos
primeiros tempos. Mas não era raro me deparar em suas páginas com análises
maduras e críticas bem embasadas, sobretudo ao golpe. De vez em quando,
encontrava o Wagner ou a Ciça, que invariavelmente traziam informações tristes,
sobre dificuldades financeiras, quebra iminente, tentativas de renegociação. A
equipe que a tocava nos últimos anos fazia dela sua militância e sua profissão
de fé. O modelo de negócios ruiu, não sei dizer exatamente quando, mas tenho
certeza de que o fim da Caros Amigos — e de outros jornais, revistas e sites
que ainda se debatem pela democracia neste país — atende com carinho aos
desejos mais íntimos do fascismo agora aquartelado no Jaburu, nos MBLs, no
Escola Sem Partido, na Cidade Linda, na Justiça de Curitiba, no tribunal
regional de Porto Alegre.
Caros Amigos sobreviveu a 2016, mas não suportou 2017.
Sucumbiu por falência múltipla de órgãos. Sua última edição chega às bancas com
esta capa (foto) e com um editorial de despedida que pode ser lido aqui:
https://www.carosamigos.com.br/index.php/edicao-atual/11555-edicao-248-editorial-e-sumario
Muito obrigado aos que fizeram a revista ao longo dessas
duas décadas e, por extensão, contribuíram para minha formação como jornalista
e como cidadão.
"É pirueta pra cavar o ganha-pão
E a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão"
(Chico Buarque em "Meu Caro Amigo")
Camilo Vannuchi
Via - Contexto Livre
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