Opinião é da procuradora regional da República Eugênia
Gonzaga, que diz que a própria Constituição de 1988 reconhece os fatos do ano
de 1964 como um golpe.
São Paulo – A procuradora regional da República e presidenta
da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, Eugênia Gonzaga, não
tem dúvida: Bolsonaro comete crime de responsabilidade e improbidade administrativa
ao mandar os quartéis celebrarem a data de 31 de março, que marca o início da
ditadura civil-militar (1964-1985) e os 55 anos da destituição do então
presidente João Goulart.
“A gravidade disso é muito grande, porque não estamos
falando de uma coisa em que há dúvida jurídica sobre a legalidade. A própria
Constituição de 1988 admitiu que 1964 foi um golpe, e se não quiser usar esse
termo pode usar ‘quebra da legalidade’, porque havia um presidente eleito e sem
razões para ele ser derrubado. Uma derrubada que não seguiu nenhum processo, as
forças contrárias simplesmente assumiram o poder”, afirma Eugênia Gonzaga, em
entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, da Rádio Brasil
Atual.
Em contraposição ao discurso de Bolsonaro, a Comissão
Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e o grupo Tortura Nunca Mais
promovem neste domingo (31) a “1ª Caminhada do Silêncio”, em homenagem às
vítimas da ditadura e também às vítimas da violência cotidiana causada pelo
Estado brasileiro. O ato acontece a partir das 16h, na Praça da Paz, no parque
Ibirapuera, e por volta das 18h segue em caminhada até o Monumento em Homenagem
aos Mortos e Desaparecidos Políticos, localizado próximo ao portão 10 do
parque.
Segundo Eugênia Gonzaga, a proposta da caminhada surgiu com
o grupo Tortura Nunca Mais, da Bahia, e já havia sido bem recebida por parentes
de mortos e desaparecidos políticos e militantes em direitos humanos antes
mesmo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) recomendar as Forças Armadas a
comemorarem a data do golpe de 1964. Após as recentes declarações do
presidente, o ato ganhou força.
Essa semana, o comandante do Exército, general Edson Leal
Pujo, disse à imprensa que as Forças Armadas não se arrependem do golpe de
1964. Para Eugênia Gonzaga, os militares até hoje justificam a destituição de
João Goulart em razão de terem supostamente salvado o país do “perigo
comunista”.
“A gente sabe muito bem que esse ‘perigo vermelho’ foi
superestimado”, pondera a presidenta da Comissão Especial de Mortos e
Desaparecidos Políticos. Assim como outros países, diz Eugênia, o governo de
João Goulart apenas tentava promover reformas sociais, inclusive previstas na
Constituição em vigor à época, que era a de 1946.
Com a eleição de Bolsonaro – defensor da tese de que o
regime que durante 21 anos matou, perseguiu e desapareceu com seus opositores
não foi uma ditadura –, membros das Forças Armadas da ativa e da reserva têm se
sentido mais à vontade para negar o golpe e suas consequências. Uma narrativa
que, às vezes, procura fazer crer que os problemas do regime começou apenas
depois do Ato Institucional nº 5 (o AI-5), em dezembro de 1968, que fechou o
Congresso e decretou a censura da imprensa.
Para Eugênia Gonzaga, nem mesmo esse discurso se sustenta.
Como exemplo, a procuradora lembra o assassinato do estudante Edson Luís de
Lima Souto, em março de 1968, antes da promulgação do AI-5. Com apenas 18 anos,
Edson foi morto com um tiro no peito disparado por um policial militar que
invadiu o Restaurante Central dos Estudantes, conhecido como Calabouço, no Rio
de Janeiro, onde estudantes faziam uma manifestação exigindo melhorias na
estrutura do restaurante.
“A morte do Edson prova que não existe essa história de que
a ditadura recrudesceu apenas depois do AI-5. Ela já adotava uma postura
extremamente violenta em relação a estudantes, a pessoas jovens sem armas, sem
grau de periculosidade diante dos agentes do Estado”, afirma a procuradora.
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