Por Carol Proner
O moleque vinha da praia, pedalando desenfreado e tentando
se livrar dos homens que o perseguiam, até que foi derrubado ali em frente,
provocando a disparada de pessoas para ver ou até participar do castigo. Já
estavam posicionados em torno do garoto negro que, depois da queda, tinha a
cabeça presa sob o pé de alguém, um braço torcido e começava a ser chutado pela
própria vítima em surto de ódio, justificando que havia trabalhado muito para
ter aquele aparelho celular.
Escrevendo agora, tenho apenas flashes de memória, mas
lembro que corri imediatamente para lá, com a convicção dos distraídos,
gritando em nome de uma suposta comissão de direitos humanos: “ninguém machuca
o garoto! Chama a polícia, mas não bate no garoto”.
Nessa de meter o corpo, não me dei conta do absurdo e que,
ali, a tresloucada era eu. Não reparei nos brutamontes corpulentos que
esticavam o ladrão imobilizado em posição de jiu jitsu e acabei provocando a
ira de todos. Vários dedos apontaram para mim, os gritos migraram, a mulher
roubada esteve a ponto de me bater até que alguém perguntou a idade do moleque.
Aproveitei a resposta e emendei: “Tá vendo? 15 anos, menor de idade! Chama a
polícia, mas não bate no garoto”.
O homem que perguntou a idade, provavelmente o comparsa,
prometeu conduzir o moleque até a guarda municipal e, magicamente, o ladrão
saiu da cena. Dali em diante, o foco passou a ser outro. Fazer triunfar o
argumento fascista passou a ser mais importante que recuperar o celular roubado
ou mesmo prosseguir o linchamento social.
Em debate circular, apareceram falsos advogados, um suposto
delegado, um tal agente da polícia federal, um velho que passava por ali e
meteu o dedo na minha cara porque era velho e sabia de tudo, mas a maior
agressividade vinha das mulheres que acompanhavam os pitbulls tatuados, um ódio
que eu nunca tinha visto.
Gisele veio ao meu socorro e nem mesmo uma mãe com um bebê
no colo foi respeitada. Tentando me acalmar, ela lembrou do garoto estrangulado
no supermercado Extra e disse que fizemos bem em interferir. Tremendo,
decidimos voltar ao restaurante e terminar o nosso almoço, mesmo diante da
provocação do bando que, soubemos depois, havia atravessado a madrugada
consumindo álcool, drogas e cultivando ódio.
Nos surpreendemos com a solidariedade de algumas mesas e de
dois garçons muito discretos, pois o gerente, certamente bolsonarista, não
aprovaria manifestação explicita de humanidade.
Um casal solidário nos acompanhou até a saída e pudemos
partir seguras, porém tristes, pensando nessa gente doente, no pobre garoto que
arriscou a vida, na miséria da nossa sociedade.
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