Com o retorno ao receituário neoliberal, mais de uma década
de construção de um projeto nacional foi substituída por uma produção
industrial mais terceirizada.
Publicado por *Marcio Pochmann.
A adoção da tese do realismo periférico pelos governos
neoliberais desde 2016 no Brasil impulsionou a busca de vantagens competitivas
assentadas na redução dos custos de produção, especialmente do trabalho. Para
tanto, o estabelecimento de uma nova disciplina na organização do trabalho cada
vez mais desregulado.
Nesse sentido, o abandono após mais de uma década da
perspectiva de projeto nacional e do protagonismo mundial evidenciado pelos
governos petistas tem revertido o padrão de relação salarial da força de
trabalho assentado à estrutura verticalizada da produção industrial, cada vez
mais terceirizada. Em decorrência, o esvaziamento das estruturas de
representação de interesses dos operários e da burguesia industrial até então
referências de compromissos políticos passados em torno do desenvolvimento
brasileiro.
Com o retorno ao receituário neoliberal, a desregulamentação
defensiva ganhou centralidade, pois voltada a alternativas para o trabalho
assalariado frente à fuga da indústria e à pretensa expansão dos serviços cada
vez mais industrializados. Para tanto, a difusão ideológica da meritocracia do
empreendedorismo visando converter o trabalhador em empresário de si próprio
nas atividades de prestação de serviços.
A dominância da concorrência exposta em escala individual
extremada se descolaria da necessidade do Estado, cabendo a cada um negociar no
mercado a venda de serviços multifuncionais. Assim, as exigências de
competitividade individual reforçariam as providências de dispor ativos
próprios, como o certificado de formação (diploma educacional) e comprovantes
de seguros na saúde, assistência e previdência social, não mais incorporado ao
contrato de trabalho salarial entre empregado e empregador.
Diferentemente do programa neoliberal da “era dos Fernandos”
(Collor, 1990-1992, e Cardoso, 1995-2002), quando o foco recaiu na privatização
do Estado, os governos após golpe de Estado de 2016 concentram-se na
privatização dos direitos sociais e trabalhistas. Nesse sentido, o fim dos
serviços públicos, incialmente por sua asfixia orçamentária, propulsora do
rápido rebaixamento da oferta e sua qualidade, e na sequência, sua
privatização, abriria nova modalidade de expansão capitalista fundamentada no
empreendedorismo dos serviços.
Enquanto avança a desregulamentação defensiva, o Brasil
assiste ao acelerado descompasso entre a internacionalização do padrão de
consumo cada vez mais excludente das massas empobrecidas e a especialização da
estrutura produtiva dependente do extrativismo mineral e vegetal, acompanhado
do maior barateamento possível do custo da mão de obra. Sinal disso pode ser
traduzido nas informações a respeito da expansão recente da subutilização da
força de trabalho no Brasil.
Atualmente, a subutilização do trabalho que atinge um a cada
quatro brasileiros era apenas uma pouco mais de 1/7 da força de trabalho no ano
de 2014. Com isso, o Brasil que representava 5,3% do total de trabalhadores
subutilizados no mundo, em 2014, passou a responder por 9% em 2019, segundo a
Organização Internacional do Trabalho.
Ainda que o desemprego aberto possa ser mais evidente
enquanto evidência do problema social de um país sem vigor econômico, a
subutilização do trabalho tende a revelar a reorganização do processo de
trabalho, não mais associado à estrutura produtiva, mas ao dinamismo do
consumo. Ao contrário do posto de trabalho até então relacionado à atividade de
vender o que era produzido, passa a ser privilegiada a ocupação pertencente ao
ato de fazer fundamentalmente o que pode ser vendido.
Por isso, a subutilização do trabalho revela o subemprego
relacionado ao tempo, pois referente à menor jornada possível em termos de
acesso a ganhos de rendimentos que busquem superar a linha de pobreza. Da mesma
forma, a força de trabalho potencial, que embora afastada marginalmente da
atividade por desalento, por exemplo, permanece a disposção para o trabalho,
como contrato intermidente (on demand).
Na outrora sociedade urbana e industrial, a condição de
cidadania portadora de direitos sociais e trabalhistas garantidos pelo Estado
era determinada pela forma da inserção produtiva (emprego assalariados formal).
Pelo atual ingresso antecipado na sociedade de serviços, a inserção na relação
de prestador de serviços transforma-se no elemento de legitimação da cidadania
cada vez mais demarcada pela privatização dos direitos sociais e trabalhistas
protagonizada tanto pela desregulamentação defensiva como pela ditadura do
mercado.
Via – Rede Brasil Atual
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