Em 2016, quando perguntado se entraria para a política, o
então juiz Sergio Moro disse: “Não, jamais. Jamais. Sou um homem de Justiça e,
sem qualquer demérito, não sou um homem da política”. (…) não existe jamais
esse risco”. Foi taxativo ao usar três vezes a palavra “jamais”. Naquela época,
o seu trabalho como juiz já influenciava decisivamente o jogo
político-partidário, com grampos e vazamentos ilegais que contribuíram para a
derrubada do governo petista. Dois anos depois, o que “jamais” aconteceria
aconteceu. O então juiz topou entrar para a política logo depois de ter vazado,
às vésperas do primeiro turno, uma delação de Palocci que favoreceu a campanha
de Jair Bolsonaro.
Por
João Filho, no site The Intercept-Brasil:
Sergio Moro será candidato à presidência em 2022. Pelo menos
é o que todos os sinais indicam. Ele nega, mas como vimos acima, a sua promessa
tem pouco valor. Até porque o ex-juiz tem se comportado mais como um político
em campanha do que como um ministro da Justiça com perfil técnico - essa falsa
imagem que ele gosta de vender. No ano em que estreou na política integrando o
governo de extrema-direita, Moro continuou fazendo a mesma politicagem rasteira
que fazia quando foi juiz.
Em entrevista à Folha nesta semana, Sergio Moro negou que
esteja pensando em 2022: “Não tenho nenhuma pretensão de seguir a política
partidária”. O ministro que vai ao jogo do Flamengo, que publica fotos suas nas
redes sociais com a frequência de um blogueirinho de moda, que vai ao programa
do Bial e ao do Ratinho, disse também que não “trabalha buscando popularidade”.
Isso não é verdade. Moro faz questão de regar sua popularidade todos os dias.
Ele é o ministro mais popular do governo e conta com uma popularidade maior que
a do presidente.
A menina dos olhos da sua gestão, o pacote anticrime, foi
impulsionada por uma campanha publicitária considerada irregular pelo TCU.
Foram R$ 10 milhões gastos pelo governo para divulgar um projeto de lei que
estava em debate e ainda sofreria alterações na Câmara. Torrar dinheiro público
em tempos de recessão para pressionar deputados a aprovarem um projeto de lei
controverso é uma politicagem barata condizente com o histórico de Moro. Após a
suspensão da campanha pela justiça, o que fez o ministro? Continuou uma
campanha informal pelas redes, divulgando “apoios espontâneos” de cidadãos
comuns que estão pagando por outdoors em apoio ao projeto em todo país.
O ministro divulgou nas suas redes sociais pelo menos 17
desses outdoors, todos com o seu rosto em destaque, com pose de candidato. Esse
é o ministro que diz “não trabalhar buscando popularidade”. Lembremos que a
Lava Jato também contou com “outdoors espontâneos” para divulgar a operação. O
Intercept revelou que pelo menos um deles foi bancado por um membro da própria
Lava Jato. Cabe a pergunta: é dessa mesma espontaneidade que Moro está lançando
mão para se promover?
O ministro tem usado sua influência e popularidade para
defender seus aliados na política, inclusive aqueles que se enroscaram com a
lei. Defendeu Onyx depois do caixa 2, defendeu Bolsonaro quando seu nome surgiu
no caso Marielle e, agora, agiu nas sombras para evitar a cassação de uma
senadora pelo TSE. Selma Arruda, do Pode de Mato Grosso, foi acusada de caixa 2
e abuso de poder econômico na última campanha eleitoral.
Os ministros do TRE do Mato Grosso decidiram pela sua
cassação por unanimidade. A ex-juíza fez propaganda eleitoral antecipada e
omitiu da justiça boa parte da grana gasta nesse material. Sonegou informações
sobre contratos publicitários que somam R$ 1,5 milhão e foram firmados com seu
suplente, que também foi cassado.
Chamada de “Moro de saias” pela fama de implacável contra os
corruptos, Selma contou com o lobby político de Sergio Moro quando o caso
chegou ao TSE. O ministro da Justiça não viu problema em atuar nos bastidores
do tribunal para tentar salvar a aliada. Antes do julgamento, Moro visitou
ministros da corte na tentativa de influenciar seus votos.
Segundo apuração da jornalista Carolina Brigido, o ministro
tentou convencê-los que as irregularidades seriam apenas “equívocos” e que a
senadora é uma pessoa “séria e honesta”. Moro ignorou as fartas provas de
corrupção e usou do poder de cargo de ministro para influenciar outros
ministros com suas convicções.
O relator do caso no TSE, ministro Og Fernandes pareceu não
concordar com Moro sobre a conduta exemplar da ex-senadora: “A quase totalidade
dos fatos apurados é incontroversa. Não é permitido abastecer a campanha
eleitoral com recursos advindos de empréstimo via pessoa física como fez a
candidata. Não é simples irregularidade contábil. Os ilícitos identificados são
expressivos.”
O TSE acabou confirmando a cassação do TRE por 6 votos a 1.
A unanimidade do TRE quase se repetiu. Selma e outros parlamentares
lavajatistas se indignaram com o resultado. Em áudio enviado para aliados
parlamentares, Selma disse que foi usada como um “exemplo” para que “Moro e
Dallagnol não ousarem entrar na política”. Selma usou as mesmas desculpas que
Moro e Dallagnol deram para justificar as reportagens da Vaza Jato: disse que
foi “alvo de perseguições políticas” e que “sofre as consequências pelas ações
desempenhadas durante sua atuação na magistratura”. A ex-senadora não explicou
quais os motivos que os ministros do TRE e do TSE teriam para perseguição. No
áudio, ela disse ainda que sonha com Álvaro Dias se elegendo presidente.
Há quem diga que essa intervenção de Moro no TSE não foi
apenas mais um mero desvio ético no seu currículo, mas um crime de tráfico de
influência. As manifestações a favor de uma das partes devem ser feitas apenas
nos autos e somente pelos advogados. É esse o tipo de politicagem a que se
presta o ministro que vende a imagem de perfil técnico.
Há um outro contexto político por trás do caso. Selma se
elegeu pelo PSL, mas migrou para o Podemos, o partido que tem Álvaro Dias como
o seu maior expoente. Segundo uma fonte ligada a Moro ouvida pelas jornalistas
Helena Chagas e Lydia Medeiros, o ministro pretende se candidatar à presidência
em 2022 pelo Podemos. A defesa de Selma, portanto, seria parte da sua
estratégia de se aproximar de deputados e senadores, visando o próximo pleito. Álvaro
Dias, que foi poupado por Sergio Moro na Lava Jato, passou a última campanha
presidencial escorado na imagem do ex-juiz, prometendo até nomeá-lo ministro da
justiça. Faz todo sentido que Moro se utilize do cargo de ministro para
proteger futuros correligionários e comece a pavimentar sua candidatura. É
assim que ele costumava agir quando era juiz.
Em mais uma cena de politicagem rasa, Moro se recusou a
encontrar com o presidente da OAB por discordância ideológica. O ministro
justificou o absurdo dizendo que respeita a entidade, mas só receberá seu
presidente “tão logo ele abandone a postura de militante político-partidário e
as ofensas ao presidente e a seus eleitores”. Um ministro da justiça se recusou
a falar com o presidente da OAB porque ele fez críticas ao seu chefe. É o
espírito democrático bem próprio de um lavajatista.
Lembrem-se que estamos falando de um ministro que jura não
ter perfil político. Dizer que o presidente da OAB tem “postura de militante
político-partidário” é profundamente irônico quando parte de um ministro que
acabou de intervir num tribunal para tentar salvar a pele de aliados políticos.
Na primeira semana de dezembro, ele publicou mais uma foto
sua, dessa vez ao lado de uma homenagem que recebeu: um quadro com a imagem de
seu rosto feito com cartuchos de balas em cima das palavras “Lava Jato”, como
se o ex-juiz tivesse feito parte da operação. Moro não vê problema nenhum nessa
confusão, pelo contrário. Essa promoção da própria imagem é típica de quem tem
intenções eleitoreiras.
Ainda é cedo para cravar a candidatura Moro, mas o modo
sorrateiro como ele vem atuando desde os tempos de juiz não nos dá o direito de
sermos ingênuos. Há indícios suficientes para que as suas intenções em
concorrer à presidência sejam especuladas. O ministro passou esse ano inteiro
sendo humilhado por Bolsonaro, que desfez nomeações suas e atropelou decisões
importantes. Não foi à toa que ele tolerou tudo isso calado. Moro segue fazendo
politicagem, articulando com aliados e consolidando a imagem de político de
extrema-direita que segue fiel ao presidente.
Moro segue colado ao bolsonarismo, mas pode se descolar a
qualquer momento, alegando desilusão com o presidente. O discurso de campanha
poderia ser pronto: o lavajatismo apostou em Bolsonaro, mas se decepcionou.
Agora tentará voo solo tendo o herói do combate à corrupção e da criminalidade
como seu comandante.
Com alta popularidade e desfrutando de uma blindagem que a
grande imprensa não oferece para Bolsonaro, Moro pode ser uma opção de
extrema-direita mais palatável para o eleitorado de centro e centro-direita.
Bolsonaro pode chegar desgastado em 2022 e Moro, já tendo abandonado o barco,
pode aparecer no Podemos como a melhor opção de direita. Esses são cenários que
ele certamente está cogitando. A atuação de Moro na Lava Jato e nesse primeiro
ano de política nos fazem acreditar que ele pensa grande e não mede esforços
para atingir seus objetivos políticos. Nem que para isso tenha que extrapolar
suas funções e burlar a lei. Já podemos imaginar que tipo de presidente ele
poderá ser.
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