É preciso não esquecer que
estamos falando de um presidente que se elegeu com o apoio de infratores
ambientais, sob promessas de explorar comercialmente a Amazônia e não demarcar
“um centímetro” de terra indígena.
A Folha de S.Paulo defendeu, em
editorial, a demissão do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O jornal
prevê que, com a publicação próxima do dado anual de desmatamento pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o governo Jair Bolsonaro
enfrentará um “bombardeio” da opinião pública e, por isso, é urgente indicar
“ao menos o início de uma nova orientação”.
“No período anterior, 2018-19, a
devastação cresceu 34% e alcançou 10.129 km², o equivalente a metade da área de
Sergipe. Agora, projeta-se que a cifra poderá ultrapassar 13 mil km², expondo o
governo federal a nova saraivada de críticas”, ressalta o jornal.
A Folha lembrou que, até terça-feira (6) contavam-se 19.215 focos de queima no Pantanal desde janeiro, maior número registrado pelo Inpe desde 1998 e o triplo do detectado no mesmo período de 2019. O jornal afirma que a situação pode ser atribuída, parcialmente, a uma conjuntura que escapa ao controle do governo.
“A estiagem deste ano no Pantanal
é a maior em décadas, e a temperatura atmosférica sobe com frequência para a
casa dos 40º C, o que torna tarefa quase impossível controlar as chamas. A
década que se encerra é a mais quente já registrada no planeta, com seu corolário
de ondas de calor e secas prolongadas. Incêndios florestais devastadores têm
acontecido noutras partes do planeta em 2020. (…) Alguns proprietários
pantaneiros foram identificados como iniciadores de queimadas não autorizadas
(…). A tempestade perfeita, ademais, surpreendeu o poder público em condição
debilitada, com as limitações impostas pela pandemia e pela penúria
orçamentária”, diz.
Afirma, no entanto, que o
problema é potencializado por um presidente da República “negacionista da crise
do clima” e por um ministro “empenhado no desmonte da área”.
“Recorde-se que Salles cometeu a proeza de desmantelar o acordo bilionário do Fundo Amazônia com Noruega e Alemanha, em nome da soberania supostamente ameaçada. Em verdade, o BNDES gerenciava a aplicação dos recursos em iniciativas de combate à devastação”, pontuou o jornal.
A Folha destacou ainda o sucateamento e a perseguição a fiscais do Ibama e ICMBio, órgãos responsáveis pela fiscalização e punição de crimes ambientais. Citou o baixo número de multas e os fiscais transferidos como punição por agir com rigor, bem como o fato de Bolsonaro e Salles desautorizarem a destruição legal do maquinário de infratores. O jornal lembrou ainda
que Salles tem preenchido cargos
de chefia nessas autarquias com policiais militares inexperientes na Amazônia.
Para a Folha, Salles “ameaça o
futuro dos biomas [Amazônia e Pantanal] e o prestígio do país”, com
consequências já visíveis, como o naufrágio do acordo entre Mercosul e União
Europeia.
“Bolsonaro e seu vice, o general Hamilton Mourão, insistem na tese de uma injusta campanha contra o Brasil, como repisou o presidente na ONU. Fazem crer que tudo se resume a uma batalha de narrativas, quando é de fatos atestados por satélites que se trata”, diz o editorial.
O ministro, um dos principais
expoentes da “ala ideológica” do governo Bolsonaro, que faz sucesso entre os
eleitores olavistas, apressou-se em responder ao jornal. “Se é para o bem de
todos e felicidade geral da esquerda, digo à Folha que fico”, escreveu em suas
redes sociais.
E Bolsonaro? Tudo indica que
concorda com Salles, pelo menos até agora. Em nome de uma boa relação com o
Supremo Tribunal Federal (STF), a fim de preservar a si e aos filhos, o
presidente sacrificou um de seus ministros ideológicos, Abraham Weintraub. Mas,
no que diz respeito ao meio ambiente, o presidente tem se mostrado indiferente
à pressão da mídia nacional e internacional e de parte do empresariado,
preocupado com a imagem do país no exterior e as possíveis consequências
econômicas. Dentro de seu governo, a ordem, apoiada por militares, é “partir
para cima” e combater a “narrativa”.
É preciso não esquecer que estamos falando de um presidente que se elegeu com o apoio de infratores ambientais, sob promessas de explorar comercialmente a Amazônia e não demarcar “um centímetro” de terra indígena. Diante desses fatos, parece ingenuidade acreditar que o problema se resume a Ricardo Salles. A destruição do meio ambiente é uma política de governo.
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