Ainda não se verificou se ela foi capaz de impedir a contaminação no grupo vacinado. De acordo com Esper Kallás, no momento, o dado mais importante sobre a vacina – a ser aplicada em duas doses, num período de 15 dias – é perceber se está sendo bem tolerada
Foto: Elisabete Assunção
Recentemente, a terceira fase de
testes da vacina contra a Covid-19, com a aplicação da segunda dose da
Coronavac, foi encerrada. A vacina desenvolvida pela empresa chinesa Sinovac,
em parceria com o Instituto Butantan, é considerada uma das vacinas mais
promissoras nesta época em que testes vão sendo feitos em busca do melhor
resultado possível.
Mas em que passo se encontra o
estudo feito pela Sinovac e o Instituto Butantan? Quem situa o estado dos
testes é o professor Esper Kallás, titular do Departamento de Moléstias
Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da USP, coordenador do
Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital das Clínicas, responsável pelos testes
da vacina.
“É um estudo fase 3, fase final, antes de começar a verificar se a vacina vai funcionar ou não, e o que a gente tem como meta, em todos os centros participantes, inclusive o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina (FM) da USP, é incluir 13.060 participantes. Já estamos nos aproximando dos 9 mil”, comenta ele. As vacinas serão aplicadas em duas doses. Após a primeira aplicação, a segunda dose será administrada 15 dias depois.
Algumas dessas pessoas acabaram
de tomar a primeira dose da vacina, o que significa que é preciso esperar 14
dias até elas tomarem a segunda dose, antes de incluí-las nos resultados, fora
os voluntários que ainda vão entrar na testagem. O pesquisador acredita que até
o final do ano será possível levantar os dados necessários.
Até o momento, é possível
verificar a segurança da vacina, na medida em que não houve efeitos colaterais
significativos no grupo estudado. “O que houve foi relatos de dor no local da
aplicação, algo comum na maioria das vacinas ou um discreto mal estar no dia
que se segue à vacinação. O que revela um perfil de segurança muito bom, até
agora”, garantiu.
No momento, o importante é perceber se as pessoas estão tolerando a vacina, e nesse caso, de acordo com Kallás, a resposta é afirmativa. Embora haja contaminações no grupo estudado, ainda não foi possível verificar se ela ocorreu no grupo que recebeu placebo.
Eficácia da vacina e curva
descendente
Como são muitas pessoas sendo
acompanhadas, o número de contaminados muda a cada dia. “Um grupo de cientistas
independentes fará a análise dos dados, apenas quando forem acumuladas pelo
menos 61 infecções com sintomas da Covid-19 para que os modelos matemáticos
possam permitir tirar conclusões”, explicou.
Kallás explica que o que vai determinar se a vacina é eficaz vai ser a verificação de que os casos de Covid-19 estão mais concentrados no grupo que recebeu o placebo. Em um estudo clínico, divide-se os voluntários em dois grupos: um que recebe o medicamento estudado e outro, o placebo. Se o número de casos do vírus ficar dividido entre os dois grupos, significa que a vacina não foi eficiente.
O infectologista salienta que a
curva epidemiológica brasileira vem apresentando números que caem lentamente.
Se a queda no número de infectados pela pandemia ocorrer de forma muito intensa
e rápida, o estudo pode ser prejudicado de forma indireta. Isso acontece
porque, com a diminuição, o número de casos entre os participantes cai e demora
mais para se acumular o montante necessário de indivíduos infectados a serem
avaliados.
Foi devido a essa questão, que a
China ou a Coreia do Sul, por exemplo, não conseguiram desenvolver um estudo,
pois a onda pandêmica já está bem menor naquele país. Pela necessidade de se
analisar o vírus em ação, a concentração de estudos acaba ficando nas Américas
e nos países europeus, que estão enfrentando uma segunda onda de transmissão,
assim como países africanos, Turquia e Filipinas. “Mas quem vai dar o resultado
efetivo da eficácia das vacinas são o Brasil e os EUA”, afirmou, enfatizando o
número ainda alto de contágios nesses países.
Outra questão colocada pelo pesquisador são as dúvidas sobre cada uma das dez vacinas que estão em fase final de testes pelo mundo, em termos de eficácia imunológica e quais serão fabricadas para a população brasileira. Algumas devem ter mais capacidade de produzir anticorpos que outras. Algumas podem provocar mais efeitos colaterais que outras.
Isso tudo influencia o acesso que
o Brasil poderá ter a essas vacinas. Ele lembra que são 7,5 bilhões de pessoas
a serem vacinadas e não se sabe ainda quantas unidades estarão disponíveis, nem
quantos estarão nos grupos prioritários (trabalhadores da saúde e idosos).
“Sem a realização de projetos de
vacina com voluntários, nós nunca teremos uma vacina contra o coronavírus e nós
nunca teremos vacina contra qualquer coisa”, conclui o doutor, ao explicar a
necessidade de a população entender que a procura de uma vacina eficaz depende
dos corajosos voluntários, não apenas daqueles profissionais que estão
diretamente ligados aos estudos.
O infectologista ainda mencionou a importância de manter os cuidados com a pandemia, na medida em que os números são altos, e podem voltar a subir, como revela a situação na Europa. Ele também mencionou que a vacina não vai chegar a todos rapidamente, nem tem 100% de garantia de imunização da população. Outras vacinas, como a do sarampo, sempre têm uma margem de risco, como revela a presença daquela doença entre nós.
Edição de entrevista à Rádio USP
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