Em um cenário de acentuada
desigualdade, o esporte se apresenta como um mecanismo de inclusão social que
tem o poder de amenizar os problemas brasileiros, contemplando a camada social
mais vulnerável.
Por Marina Verenicz – No Brasilde Fato
Em época de Olimpíadas, as
atenções da mídia se voltam para histórias de superação dos atletas
brasileiros, que passaram por cima das dificuldades e conseguem atingir o
pódio, muitas vezes após esforços homéricos.
Ao olhar para a história de
jovens que ascenderam por meio do esporte, destacando o passado pobre e as
dificuldades suplantadas, contribui-se para a difusão da ideia de que a fórmula
esforço + dedicação é sempre certeira.
A festa pelas medalhas conquistadas, contudo, ofusca uma realidade que ultrapassa o brilho das exceções, na qual as oportunidades são raras (e desiguais) e onde as conquistas não dependem somente do esforço individual.
O que se observa hoje na
realidade esportiva no Brasil não é uma falta de renda no setor, mas sim uma
falta de investimento na base
Após o anúncio que o Brasil
sediaria os Jogos Olímpicos de 2016, houve uma guinada no investimentos em
esportes de alto rendimento no Brasil. Foi lançado o plano ”Brasil Medalhas”,
cujo objetivo era colocar o País entre os dez primeiros colocados no quadro
geral dos jogos. Apesar de ter feito sua melhor campanha de toda a história dos
Jogos Olímpicos, o Brasil terminou na 13ª colocação.
Somente no ciclo olímpico de 2013
a 2016, o Estado brasileiro investiu mais de 3,2 bilhões de reais na formação e
treinamento de atletas. Para as olimpíadas de Tóquio, o valor foi reduzido para
2 bilhões, de acordo com o levantamento do projeto Transparência no Esporte, da
Universidade de Brasília, que mapeia os gastos estatais esportivos. Em
comparação com os Jogos Rio 2016, a queda foi de 47%.
A diminuição da verba está
relacionada com a transformação do Ministério do Esporte em Secretaria
Especial, vinculada ao Ministério da Cidadania. “Só o [contraste no] orçamento
das pastas já é uma questão muito significante”, explica Leandro Carlos Mazzei,
presidente da Associação Brasileira de Gestão do Esporte.
O desenvolvimento dos atletas que
defendem o País em grandes eventos esportivos conta com uma série de
instrumentos federais considerados fundamentais, sendo o governo federal o
principal patrocinador. “Antes de 2019, o Ministério do Esporte compunha grande
parte do orçamento, agora a maior parte das verbas vem de três projetos”,
completa.
São eles: Lei das Loterias, Bolsa Atleta e Lei de Incentivo ao Esporte.
Anualmente, 750 milhões de reais
são investidos no esporte olímpicos e paralímpico. Em 2020, a Lei das Loterias
destinou, apenas ao Comitê Olímpico do Brasil 292,5 milhões de reais. Outros
163,1 milhões foram repassados pela mesma lei ao Comitê Paralímpico Brasileiro.
Há ainda um outro programa para
atletas de alto rendimento, vinculado às Forças Armadas. Criado em 2008, por
iniciativa do antigo Ministério do Esporte, hoje Cidadania, em parceria com o
Ministério da Defesa, o PAAR, contribui para fortalecer a equipe militar
brasileira em eventos esportivos de alto nível.
O que se observa hoje na
realidade esportiva no Brasil não é falta de dinheiro, mas sim falta de
investimento na base (o desenvolvimento de novos atletas) e nas estruturas de
treinamento.
As leis que garantem verbas do
setor estão diretamente relacionadas com os esportes de alto rendimento, sendo
muito pouca a verba destinada às categorias de base. “É um reforço do topo da
pirâmide e esquecendo a base na totalidade e a qualidade de vida do cidadão”,
reforça Mazzei.
A distribuição de recursos também
precisa melhorar para que as verbas fluam para longe dos grandes centros
urbanos. “O que melhoraria esta situação no Brasil é a criação de um modelo
esportivo claro, em que você denomina de forma clara qual é o papel de cada
parte do sistema, municípios, estados e governo federal.”
Interesses políticos
Os investimentos do governo
federal em esportes também estão sujeitos a interesses parlamentares. Em 2020,
mais de 30 milhões de reais foram encaminhados às emendas parlamentares na
categoria Desporto e Lazer.
Esse dinheiro é destinado, por
exemplo, à construção de quadras e praças. E apesar da importância da criação
de ambientes esportivos no País, o interesse é muito mais do parlamentar do que
de desenvolver o setor esportivo como um todo.
“Esse uso, de forma geral, são
pouco pensados para que o esporte brasileiro melhores”, afirma Leandro Mazzei.
“Acaba atendendo a demanda eleitoral, de fato. É preciso pensar num plano de
uso, que vai desde o profissional que vai dar aula, que vai treinar, até a
população que vai ser atendida.”
Do ponto de vista das políticas
públicas, duas ideias orientaram a intervenção do Estado no setor esportivo nas
últimas décadas.
A primeira é o esporte como
instrumento de ação política no plano internacional, ou seja, o esporte
competitivo, de alto rendimento.
A segunda diz respeito à ideia de
que a prática de esportes promove a saúde e uma melhor qualidade de vida,
compensando os problemas provocados pela vida urbana crescentemente modernizada.
Como o foco do investimento em
esporte no Brasil está diretamente relacionado com o rendimento, deixa-se de
olhar de forma mais profunda a formação esportiva de crianças e adolescente.
“Hoje, do ponto de vista social,
o esporte funciona muito mais como uma atividade de diversão, entretenimento e
lazer”, afirma o especialista Ary Rocco, professor e pesquisador da Escola de
Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo. “Se o esporte fosse bem
utilizado do ponto de vista das políticas públicas, poderia trazer imensos
benefícios sociais.”
Em um cenário de acentuada
desigualdade, o esporte se apresenta como um mecanismo de inclusão social que
tem o poder de amenizar os problemas brasileiros, contemplando a camada social
mais vulnerável. “Se a gente tivesse programas esportivos extremamente
interessantes, que trabalhasse com crianças em situação de risco, que ajudasse
essas crianças a se socializar, aprender a perder e a ganhar, a jogar em
equipe, com certeza a gente teria cidadãos melhores.”
Fonte: CartaCapital
Via – Brasil de Fato
Nenhum comentário:
Postar um comentário