As comemorações dos 124 da Lei Áurea, neste domingo (13),
perderam o brilho. Mais uma vez, a Câmara dos Deputados adiou a votação da
Proposta de Emenda Constitucional 438, a chamada PEC do Trabalho Escravo, que
prevê a expropriação das terras em que a prática for comprovada. A bancada
ruralista foi quem deu a última palavra. O argumento é meramente ideológico: a
defesa intransigente da propriedade.
Najla Passos
Brasília - As comemorações dos 124 da Lei Áurea, neste
domingo (13), perderam o brilho. Mais uma vez, a Câmara dos Deputados adiou a
votação da Proposta de Emenda Constitucional 438, a chamada PEC do
Trabalho Escravo, que tramita há 11 anos na casa. Não bastaram a intensa
mobilização da sociedade civil, os esforços do governo e o compromisso dos
parlamentares mais progressistas. A bancada ruralista, que possui a maioria dos
votos na casa, foi quem deu a última palavra, a exemplo do ocorreu na votação
do novo Código Florestal.
A votação estava prevista para ocorrer na noite de terça
(8), em sessão extraordinária. Durante todo o dia, movimentos camponeses,
militantes dos direitos humanos, representantes das centrais sindicais,
artistas, intelectuais e políticos participaram de atos e manifestações em
favor da matéria, que prevê o endurecimento da pena contra os proprietários das
terras onde for comprovada a prática, inclusive com a expropriação das terras
para fins de reforma agrária.
Embora nenhum parlamentar tenha chegado à ousadia de subir
na tribuna para defender a prática, momentos antes do horário previsto para a
votação, o quórum do plenário da Câmara permanecia baixo. Às 16:30 horas,
apenas 208 dos 513 deputados haviam assinado a lista de presença. Para a
aprovação de uma mudança na constituição, são necessários pelo menos 308 votos
favoráveis. O deputado Amauri Teixeira (PT-BA) que acompanhava de perto a
mobilização em plenário, já denunciava: “Há partidos grandes, alguns deles da
própria base aliada do governo, que estão com poucos deputados em plenário”.
Na reunião dos líderes de bancadas, representantes dos
partidos de oposição e da própria base aliada do governo explicaram porque não
aprovariam a matéria. De acordo como líder o governo na Câmara, deputado
Arlindo Chinaglia (PT-SP), os ruralistas reclamavam que a PEC não deixava claro
o que é trabalho escravo e nem detalhava em quais circunstâncias se daria a
expropriação.
O presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), ainda
tentou um acordo: os parlamentares aprovavam a PEC como estava, e ele
conversaria com o presidente do Senado, José Sarney, para que a casa revisora
aprovasse uma lei complementar detalhando os pontos de discórdia. Os ruralistas
concordaram. O presidente anunciou a votação para o dia seguinte e deu início
às negociações com o Senado. A mobilização social se dispersou.
Entretanto, na quarta (9), pela manhã, os ruralistas se
reuniram e decidiram pelo rompimento do acordo. Em documento divulgado, eles
criticavam não só os pontos levantados na reunião de líderes do dia anterior,
como vários outros. Segundo eles, a PEC implicaria em insegurança jurídica, o
que ocasionaria a fuga de investidores do país.
“Os argumentos são mentirosos. O conceito de trabalho
escravo, por exemplo, já está tipificado no Código Penas e e muito bem
difundido até no senso comum. Mas eles terão que acertar as contas com a
história”, afirmou o presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara,
deputado Domingos Dutra (PT-MA).
Ele criticou também a alegação dos ruralistas de que a
expropriação poderia prejudicar, também, um proprietário que, porventura,
arrendasse terras para alguém que compactuasse com prática do trabalho escravo.
“Saber a quem arrenda um imóvel é dever do proprietário já previsto na
Constituição”, rebateu.
À noite, o quórum era de 338 deputados em plenário. Porém,
sem conseguir negociar com os ruralistas, o presidente da Casa fez as contas e,
ciente de que não conseguiria aprovar a matéria, adiou a votação para 22 de
maio.
Ferida aberta
Dados do relatório Conflitos no Campo Brasil 2011,
divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), na última segunda (7), já
mostravam a dimensão atual do problema. Só em 2011, foram identificados 230
casos de ocorrência de trabalho escravo em 19 dos 27 estados do país,
envolvendo 3.929 trabalhadores, inclusive 66 crianças. Destes, 2.095 foram de
fato considerados em condições análogas à de escravidão, e libertados.
As ocorrências se deram, principalmente, nas atividades
ligadas à pecuária (21%), ao corte de cana (19%), à construção civil (18%), a
outras lavouras (14%), à produção de carvão (11%), ao desmatamento e
reflorestamento (9%), à extração de minério (3%) e à indústria da confecção
(3%).
“O trabalho escravo é um fenômeno majoritariamente rural, da
fronteira agrícola, da invisibilidade, salvo as raras exceções em que ocorrem
nas cidades, com a exploração de estrangeiros ilegais. O agronegócio
brasileiro, que se diz pujante, moderno e altamente tecnológico, não precisa
estar vinculado a esta prática. Por isso, acredito que a posição da bancada
ruralista reflete mesmo é a questão ideológica da defesa intransigente da
propriedade”, resumiu o ex-ministro dos Direitos humanos do governo Lula,
Nilmário Miranda.
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