“As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com
deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a
cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem
uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo
que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano
mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida,
fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas
policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.”
*Eduardo Hughes Galeano (Montevidéu, 3 de setembro de 1940) é
um jornalista e escritor uruguaio. É autor de mais de quarenta livros, que já
foram traduzidos em diversos idiomas. Suas obras transcendem gêneros ortodoxos,
combinando ficção, jornalismo, análise política e História. ( Wikipédia)
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