O grupo de jovens corria pelas ruas do bairro carioca da
Tijuca, em marcha sincronizada, cantando: “Bate, espanca/ Quebra os ossos/ Bate
até morrer”. O chefe do bando perguntava: “E a cabeça?”.
A resposta vinha em coro: “Arranca a cabeça e joga no mar!”.
O chefe, de novo: “E quem faz isso?”. A resposta afinada não deixava dúvidas:
“É o Esquadrão Caveira!”.
A história foi revelada, em julho, pelo colunista Ilimar
Franco, de O Globo. Não era um bando de marginais descendo o morro. Era um
animado pelotão do I Batalhão da Polícia do Exército berrando a plenos pulmões
o ideário truculento que devem ter contraído em seu local de trabalho.
Como lembrou o advogado Wadih Damous, presidente da OAB do
Rio de Janeiro, a malta de potenciais assassinos serve no mesmo quartel da rua
Barão de Mesquita, 425, no Andaraí, onde operou na década de 70 o notório
DOI-CODI do I Exército, um dos maiores centros de tortura do regime militar.
Só a memória insana da ditadura pode explicar o treinamento
idiota aplicado aos recrutas do batalhão marcado pelo estigma da violência. E
só o paraíso da impunidade pode explicar a falta de indignação dos comandantes
que admitem e se omitem diante de uma demonstração pública de desrespeito ao
ser humano.
Nada estranho para comandantes militares que, num documento
enviado no final de 2010 ao então ministro da Defesa, Nelson Jobim, reclamavam
contra a criação da Comissão Nacional da Verdade, alegando que, afinal,
“passaram-se quase 30 anos do fim do chamado governo militar…”
Os chefes das Forças Armadas que impuseram uma ditadura de
21 anos ao país, fechando o Parlamento, censurando, cassando, prendendo,
torturando e matando dissidentes políticos, ainda têm dúvidas se tudo aquilo
pode ser chamado de “governo militar”.
É por isso que garotos saudáveis da tropa ainda hoje fazem
exercício físico na rua ecoando sua explícita disposição de espancar, quebrar
os ossos, bater até morrer, arrancar a cabeça e jogar no mar…
Em julho do ano passado, o site SUL21 revelou uma descoberta
da Associação Nacional de História (Anpuh): os alunos das escolas militares do
país continuam ensinando aos recrutas que o golpe de 1964 que derrubou o
governo constitucional de João Goulart foi “uma revolução democrática”.
O disparate está publicado no livro História do Brasil:
Império de República, de Aldo Fernandes, Maurício Soares e Neide Annarumma,
aplicado no 7º ano do Ensino Fundamental das escolas militares. Um mês depois,
a Anpuh perguntou ao ministro Jobim: “Que cidadãos estão sendo formados por uma
literatura que justifica, legitima e esconde o arbítrio, a tortura e a
violência?”.
Só no início de 2011, já no governo de Dilma Rousseff, o
Comando do Exército respondeu, dizendo que o livro “atende adequadamente às
necessidades do ensino da História”. É
bom lembrar que, 30 anos atrás, o Colégio Militar de Brasília admitiu no seu
corpo docente o coronel Wilson Machado.
Meses antes, em abril de 1981, ele sobrevivera à bomba do
frustrado atentado ao Riocentro. O futuro educador de Brasília, então capitão,
era o terrorista de Estado que carregava
a bomba que explodiu antes da hora no seu Puma, matando na hora seu comparsa, o
sargento Guilherme Rosário.
O capitão Machado, como o sargento, servia no DOI-CODI da
rua Barão de Mesquita.
É o mesmo quartel da gurizada que hoje ecoa a lição do
camarada terrorista que virou professor.
Todos eles, mestres e aprendizes, seguem intocáveis na
marcha sincronizada da impunidade.
Luiz Cláudio Cunha é jornalista
No Sul21 via Com Texto Livre
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