Por Alexandre Figueiredo
Hoje faleceu, aos 66 anos de idade , o cantor Emílio Santiago, por complicações causadas por um acidente vascular cerebral (AVC). Ele faleceu no Hospital Samaritano, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro, onde estava internado desde o último dia 07.
Embora Emílio tivesse sido praticamente um crooner, no sentido de que grava geralmente repertório alheio, ele era uma das últimas referências de sofisticação musical na MPB. Descoberto pelo apresentador Flávio Cavalcanti, que tinha fama de exigente, Emílio Santiago tinha 40 anos de carreira e sua voz seguia a linha requintada conhecida através de Dick Farney.
Não por acaso, os últimos discos de Emílio Santiago eram dedicados à Bossa Nova, e, salvo uma ou outra canção de gosto duvidoso - tipo "Deslizes", de Sullivan e Massadas - , o repertório cantado por Emílio primava pela qualidade musical dentro de uma voz potente e melodiosa do cantor.
Estamos numa época em que a MPB autêntica sofre os efeitos da velhice. Afinal, os grandes artistas, salvo raras exceções, não têm menos que 60 anos de idade, e nas últimas semanas quase perdemos Zé Ramalho e Dominguinhos. Mas perdemos Emílio Santiago. Isso é muito grave. Se até mesmo Caetano Veloso e Gilberto Gil são septuagenários, então, a coisa fica muito delicada.
Enquanto isso, nas gerações mais recentes, a cada cantor de MPB autêntica que surge - geralmente de um talento de mediano para bom, mas nada excepcional ou impactuante - , surgem milhares de cantores brega-popularescos de vários estilos.
A cultura popular foi privatizada pelas chamadas empresas de entretenimento, cujos ricos empresários se vestem de forma "modesta" e "jovial" para não despertar suspeitas, mas que controlam com mãos de ferro seus "artistas" e chegam até mesmo a precarizar o trabalho, como no caso do "forró eletrônico" e mesmo no "funk carioca".
O que temos é um abismo entre uma "cultura do povo" que é controlada por empresas de entretenimento - de casas noturnas a agências de famosos, passando por "pequenas" gravadoras locais - , e uma cultura de qualidade elitizada pelos especialistas. Graças a uma mídia coronelista subestimada pelos analistas midiáticos, a cultura das classes populares perdeu a qualidade e a força social de outros tempos.
A preconceituosíssima intelectualidade dita "sem preconceitos" tenta pôr a sujeira debaixo do tapete dizendo que "tudo é MPB". Mas vendo assim, nota-se que uns são "mais MPB que os outros" e a perda de talentos acaba causando um impacto sério, pois nem todo mundo sabe cantar bem nem fazer boas músicas.
O que a mídia credita como "sofisticação" na dita música brasileira contemporânea é a pseudo-MPB pasteurizada e tendenciosa de ídolos neo-bregas como Alexandre Pires, Belo, Chitãozinho & Xororó e Zezé di Camargo & Luciano - fora outros oportunistas tipo Chiclete Com Banana, Ivete Sangalo, Latino e Banda Calypso - que compõem mal e cantam pior ainda, só que são mais "arrumadinhos".
Eles chegaram até mesmo a piorar o que já era ruim, que era aquela pasteurização da MPB imposta pela indústria fonográfica nos anos 80. Se os discos que Guilherme Arantes e Zizi Possi - fora outras vítimas como Marcos Sabino, Dalto e Vanessa Rangel - , que são talentosos, gravaram nos anos 80 eram burocráticos, os neo-bregas dos anos 90 acabaram fazendo até pior do que isso.
A única diferença é que os neo-bregas lotavam plateias com mais facilidade, tinham um "apelo popular" verossímil e trabalhado com muito lobby pela grande mídia. Eram bregas "embelezados" pela Rede Globo, e que não somam coisa alguma à MPB de verdade. Pelo contrário, seguem as mesmas regras da "MPB pasteurizada" de uma forma ainda piorada.
É preciso repensar a MPB e não aceitar esse "vale tudo qualquer nota" que os antropólogos, sociólogos e críticos musicais de nome exaltam com seus argumentos confusos e delirantes. Fala-se tanto que o brega é maravilhoso, o neo-brega é sofisticado, o "funk carioca" é uma maravilha, mas é só ouvir seus CDs que a impressão é outra. Não é preconceito algum dizer que tudo isso é um lixo.
Enquanto isso, a morte de Emílio e as doenças que atingiram outros nomes da MPB autêntica são um grande alerta para que a gente não cruze os braços nesse debate cultural. Para as favas a defesa intelectualoide da cafonice reinante. Graças a eles e aos barões da mídia, a cultura popular deixou de ser a expressão do saber para ser a "expressão do não-saber", e evitar o debate não a faz ficar melhor ou mais digna.
Via Mingau de Aço
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