Raramente uma situação política inverteu-se tão radicalmente
em tão poucas horas. A oposição, que
festejava na noite de quarta-feira o voto com que o ministro Edson Fachin
frustrou o governo, deixou cabisbaixa o
plenário do Supremo antes do final da sessão de ontem, em que a maioria
divergiu do relator Fachin e recolocou o
rito do impeachment nos trilhos. O mesmo haviam feito os governistas anteontem.
Com o resultado da
sessão memorável – pela qualidade do debate jurídico e a elegância litúrgica
dos ministros, mesmo na divergência – o
governo ganha fôlego e o impeachment perde terreno. O terreno que a oposição
vinha conquistando graças às manobras de Eduardo Cunha rechaçadas pelo STF.
A presidente Dilma acompanhou a sessão falando diversas
vezes ao telefone com o ministro-chefe da AGU, Luiz Adams, que estava no
Supremo. No final, um suspiro de alívio ressoou no Palácio do Planalto. Dilma riu por último, e duas vezes. A vitória
mais importante foi no entendimento de que a comissão especial da Câmara deve
ser eleita por voto aberto e sem chapas avulsas. Isso levará a uma nova eleição,
que pode garantir ao governo uma composição mais favorável da comissão. Embora
o parecer por ela aprovado, qualquer que seja, tenha que ser votado pelo
plenário, será mais fácil obter os 171 votos se a comissão recomendar a não
autorização do processo, considerando
que a presidente não cometeu crime de
responsabilidade.
A segunda vitória foi na definição do papel do Senado. Mas,
para o governo, para sua sobrevivência e recuperação, melhor será não ter que
barrar o processo na Casa onde tem base mais fiel e contaria com a ajuda do
presidente Renan Calheiros. O rechaço do
Senado a uma autorização da Câmara aprovada por mais de 342 votos, deixaria algum melindre na relação entre as
duas casas, dificultando a restauração de uma coalizão que garanta a
governabilidade, caso o governo escape do impeachent, com agora tornou-se mais provável. Mas, se não houver remédio, é claro que a
trincheira de resistência será montada no Senado mesmo.
Agora vem o
recesso, que o Governo tentará encurtar, viabilizando alguma forma de
convocação lá pelo segundo decanato de janeiro. Renan é contra. Acha que melhor
será deixar que a temperatura política esfrie mais no verão. Ao longo de
janeiro o governo teria tempo para trabalhar a eleição da nova comissão
especial da Câmara em fevereiro. Quem sabe isso até venha a ocorrer depois que
o STF decidir sobre o pedido de afastamento de Eduardo Cunha feito pelo
procurador-geral Janot.
Flashes da sessão
Ficará nos anais a sessão em que o Supremo fixou as balizas
do impeachment, rechaçando os casuísmos que vinham sendo praticados por Cunha e
a oposição.
Raramente um ministro estreou no STF de
modo tão infeliz quanto Luiz Edson Fachin. Embora tenha colhido elogios
abundantes a seu alentado voto e ao esforço de produzi-lo em tão curto
prazo, dele restou muito pouco. E a
impressão externa geral foi a de que Fachin negou quase todos os pedidos da
ação do PC do B não por desconhecer o rito adotado em 1992 mas para afirmar sua
independência, depois que sua indicação por Dilma enfrentou fortes resistências
da oposição, dentro e fora do
Senado. Seu voto foi muito criticado por
senadores que apontaram a incoerência entre a
defesa que fez do voto aberto para a homologação da prisão do senador
Delcídio e a legitimação do voto secreto imposto por Eduardo Cunha na eleição
da comissão especial da Câmara.
Quem virou o jogo foi o ministro Luiz Roberto Barroso, que
com clareza e coragem abriu a divergência em relação ao voto do relator,
sustentando o papel do Senado na admissibilidade do processo – o que permitirá
à Casa acolher ou não a denúncia da Câmara,
e a impropriedade do voto secreto na eleição da comissão especial. E o fez
não com a “criatividade jurídica” mas homenageando a letra da Constituição e a jurisprudência criada pelo Supremo para o
impeachment de Collor. Barroso puxou a maioria que se formou.
Quem deixou o governo perplexo foi o ministro Dias Tofoli,
com um voto alinhado ao do relator e, viu-se depois, ao do ministro Gilmar
Mendes, adversário figadal do PT e do
governo no Supremo. Há muito já se sabe
do afastamento entre Tofoli e o partido a que serviu e que o colocou lá mas nunca ele havia feito comentários tão
hostis, como aquele de que um governo que não tem 171 votos na Câmara não
merece governar. Gilmar protagonizou o momento mais agressivo, dizendo a seus
pares quem se queriam manipular o
processo, deviam assumir isso
claramente. Falou no plural majestático, “se nós queremos”. Foi uma ofensa mas
a frieza da maioria prevaleceu.
No mais, o brilho de Celso de Mello ao explicar tão
claramente que, com a Constituição de 1988, a Câmara perdeu que lhe garantia a
Constituição de 1946 e a lei complementar 1079/1950 nos processos de
impeachment.
Há 23 anos, quando houve o impeachment de Collor, não havia
lei complementar à Carta de 1988, detalhando o rito e as regras. STF precisou deliberar. Agora, novamente.
Passado o percalço em curso, o Congresso precisa parar em algum momento para
adequar a lei do impeachment à Constituição.
Nada garante que a responsabilidade democrática da corte prevalecerá
sempre, como prevaleceu ontem.
Via – Brasil 247
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