Presidente da Bolívia afirma que ele e Nicolás Maduro estão
sozinhos no bloco como líderes anti-imperialistas.
Evo Morales esteve na despedida de Cristina Fernández de
Kirchner no dia 9 de dezembro: junto à presidente que deixava o cargo,
revelaram um busto de Néstor Kirchner na Casa Rosada, idêntico ao do
ex-presidente, segundo diz com um sorriso o líder da Bolívia. Morales ressalta
a confiança única que teve com ambos os políticos.
Mais tarde, o presidente do país vizinho fez o que tanto
gosta: junto à sua equipe de governo, jogou futebol com bolivianos residentes
na Argentina. Mauricio Macri também compareceu ao estádio do Boca Juniors e
participou do jogo. Em política, os gestos falam por si próprios.
No dia 10 de dezembro, pela manhã, antes de chegar à
cerimônia da posse de Macri, Morales concedeu uma entrevista ao Página/12 em
uma sala de um hotel de Buenos Aires. Com um tratamento afável e tranquilo, o
presidente diz que o seu desejo é criar confiança com o novo inquilino da Casa
Rosada porque os povos argentino e boliviano precisam um do outro mutuamente.
Olhando em perspectiva ao Mercosul, Morales faz uma
reclamação. “Eu e Maduro nos sentimos sozinhos como líderes
anti-imperialistas... dói ver o panorama político regional.”
Página/12: Qual a avaliação que o senhor faz da chegada ao
poder de Mauricio Macri na Argentina, após 12 anos de governos de esquerda?
Evo Morales: Na Unasul, nós temos uma cláusula em temas
democráticos, por isso respeitamos o presidente que ganha as eleições e
começamos a trabalhar em conjunto. Pode haver diferenças ideológicas ou programáticas,
porém cada país tem a sua particularidade. Com Néstor e Cristina, criamos uma
confiança única para trabalhar nos dois países, e, quando acontecia qualquer
coisa, nós nos falávamos por telefone. Lembro-me que antes de Néstor não havia
estabilidade econômica nem política, apenas se ouvia falar de mudança de
presidentes e povo mobilizado. No entanto essa gestão deu estabilidade
econômica, política e social. Tenho muitas lembranças de Néstor, de momentos
difíceis que vivemos na Bolívia, por exemplo, com o processo constituinte. Com
Cristina houve muita confiança, colaboração, investimento, coincidências em
eventos internacionais, cúpulas e por isso vim acompanhá-la em sua despedida da
presidência... dói, não é mesmo? Foi um ato importante. Com o novo presidente,
tenho o desejo de criar confiança; a mesma será gestada com sinceridade e
diálogo, pensando sempre em nossos povos. Nunca tive amizade com ele, e
queremos construir uma amizade, porque nossos povos têm necessidades mútuas.
Algo que podemos levar para a Argentina. A Bolívia depois de muito tempo se
levantou. Estamos muito melhor do que antes, e não apenas podemos colaborar
como países, mas também compartilhar experiências de trabalho.
Página/12: O senhor se preocupa que haja sinais de mudança na
região, por exemplo, a derrota eleitoral de Maduro no congresso e o pedido de
impeachment contra Dilma?
EM: Me preocupa e devemos nos ocupar para nos libertarmos da
guerra econômica. A crise do sistema capitalista tem efeitos no mundo todo e
devemos enfrentá-la em conjunto. A Bolívia enfrentou diversas guerras
econômicas. Quando cheguei ao governo, permanentemente alguns meios de
comunicação, que eu chamo de meios de conspiração, diziam na base de mentiras:
‘curralito’ [confisco de poupanças] ou corrida bancária. Também diziam que Evo
iria apresentar seu plano de desenvolvimento com a poupança da população, e que
seu dinheiro seria confiscado. Eu participei de reuniões com banqueiros e lhes
explicava que eles poderiam causar uma convulsão social com mentiras. E que os
empresários iriam perder, e a Bolívia iria perder afinal de contas.
Em 2008, alguns empresários de médio porte compravam arroz a
preço baixo de pequenos produtores e faziam seus estoques com finalidades
políticas. Estes senhores fizeram com que faltasse arroz. Em seguida fizeram a
mesma coisa com a carne, o açúcar, a farinha. Antes, os Estados Unidos davam de
presente farinha para a Bolívia, e depois eles quiseram vendê-la. Isso é uma
agressão econômica. Os fundos abutres são uma agressão econômica do império.
Uma vez, eu disse a Maduro que ele mantém dois países, a Venezuela e a
Colômbia. O combustível é tão barato e sai de contrabando. Está bem, o subsídio
é bom, mas com algum limite.
Página/12: O governo venezuelano fechou os postos das fronteiras.
Porém o problema parece ser o cansaço da população ao fazer filas nos
supermercados para conseguir produtos básicos, e a economia que não decola…
EM: Houve um 40% de votos duramente anti-imperialistas na
Venezuela, apesar das filas, da falta de alimentos, da inflação. [Nota da
redação: o chavismo obteve 40,8%, e a MUD, de oposição, 56,2% dos votos]. Agora
os empresários estão reivindicando com os parlamentares mudar as leis
trabalhistas para tirar os benefícios sociais. E aqui começa a luta dos trabalhadores.
Porém, felizmente, nossos povos são anti-imperialistas.
Página/12: Como o senhor vê o Mercosul com estas mudanças em
andamento?
EM: Nos sentimos sozinhos com Maduro, me dói muito ver este
panorama político regional. Porém eu sei que os trabalhadores, não apenas da
Bolívia, mas também da América Latina, vão acompanhar. Tampouco estamos
assustados. Olhe o exemplo de Cuba, que esteve décadas sozinha na América
Latina. Se as guerras econômicas não dão resultado para o império, ele usa
política de ameaças, porém, com sorte, já não há mais golpes de Estado. Há um
confronto ideológico.
Página/12: O senhor mencionou Maduro, porém também há
Correa. O Equador faz parte do Unasul.
EM: Apesar das diferenças ideológicas que há entre os
presidentes do Unasur, primeiro devemos debater a economia regional.
Compartilhar o que temos como países, porque não podemos depender totalmente da
economia norte-americana ou do mercado europeu ou do asiático. Lembre-se de
2008, quando os Estados Unidos tinham sérios problemas financeiros. Então
devemos ampliar nosso mercado regional.
Página/12: No caso do Brasil, a crise econômica se soma à
crise política. Ou é o contrário?
EM: É um golpe parlamentar em etapas. Já houve um golpe no
Congresso do Paraguai, e agora ele está acontecendo no Brasil. Respeitamos, são
constituições diferentes, às vezes importadas; porém são grupos oligárquicos os
que detêm o poder político.
Página/12: Alguns aliados de Dilma Rousseff parecem pouco
confiáveis.
EM: Talvez em alguns países, para ganhar as eleições, incorpora-se a chamada
centro-direita ou a centro-esquerda. Para mim, ou se é anti-imperialista ou se
é imperialista. Quando, para ganhar, incorporamos alguns centros, estes não têm
definição ideológica nem disciplina orgânica.
Página/12: Qual é a contribuição dos meios de comunicação no
confronto mencionado?
EM: Na Bolívia, eu não tenho oposição. Apenas dos meios de
comunicação. A direita boliviana não tem nada para festejar no meu país, e vem
festejar na Argentina, ou vai para a Venezuela.
Página/12: Porém, surgiram novas lideranças, como, por
exemplo, Soledad Chapetón, que tirou a prefeitura do Movimento ao Socialismo
[partido de Evo] em El Alto.
EM: Entendo isso, nós também cometemos erros. Nosso
candidato era ruim.
Página/12: Segundo uma pesquisa revelada há uma semana, 53%
da população é contra alterar a Constituição para permitir uma nova reeleição
presidencial. Qual será a resposta de seu governo se o referendo de fevereiro
der errado?
EM: Nunca acreditei em pesquisas. Em 2005, quando ganhei as
eleições presidenciais, todas as pesquisas diziam que eu iria ganhar com 32%. E
ganhei com 54%. Em 2009, disseram que eu iria ganhar com 48%. E foi com 62%. Há
uma contradição nas pesquisas de hoje: cerca de 68% apoia minha gestão, porém
cerca de 53% recusa a reforma constitucional. Estamos seguros de que vamos
vencer, porque queremos um período a mais para continuar com a agenda
patriótica, garantindo os investimentos. O melhor é consultar a população: se o
povo me quer, continuo. Se não quer, respeitamos. Isso é o mais democrático.
Via - Brasil de Fato
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