Pedófilo, estimulador de narcotráfico, promoveu o
contrabando de uísque, torturador, realizador de eleições fake...este é um
brevíssimo curriculum vitae do ditador paraguaio Alfredo Stroessner.
Alfredo Stroessner entra no rol dos repressores publicamente
citados – e admirados – pelo presidente brasileiro. - Foto Carta Capital
|
Por Ariel Palacios e Daniel Salgado
No Época
O encontro entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente
paraguaio Mario Abdo Benítez tinha tudo para ser um compromisso diplomático sem
maiores repercussões. Ambos os líderes estiveram, na última terça-feira, em
Itaipu para nomear os novos dirigentes da usina de mesmo nome da cidade. Isso até
o discurso do brasileiro, que fez questão de chamar o ex-ditador paraguaio
Alfredo Stroessner de "estadista" e "homem de visão" por
sua atuação na criação da Usina de Itaipu.
O mais longevo dos ditadores militares da América do Sul,
Stroessner comandou o Paraguai entre 1954 e 1989 em um regime de corrupção,
pedofilia, estupros, violações de direitos humanos e perseguição política. Como
destaca Mauricio Santoro, cientista político e professor do departamento de
relações internacionais da UERJ, o general paraguaio era uma figura diferente
dos demais ditadores sul-americanos: se no Brasil e na Argentina, por exemplo,
o poder era controlado de forma mais institucional pelas Forças Armadas,
Stroessner borrou as linhas de divisão entre o Estado e si mesmo.
"Depois de décadas de ditadura, todos os altos
funcionários paraguaios eram do partido Colorado de Stroessner. E o regime
acabou por uma questão familiar: o genro de Stroessner deu um golpe nele",
explica Santoro, que destaca que o regime chegava a gozar de reconhecimento
internacional e foi um aliado importante do Brasil no contexto da Guerra Fria,
como no caso da construção da usina em que Bolsonaro proferiu seu discurso.
Mas esse apoio veio com um preço: "a ditadura de
Stroessner foi bastante corrupta, incluindo proprinas que ele cobrou dos
brasileiros para a construção de Itaipu. A gente pode discutir até que medida
esse preço da aliança foi bom para o Brasil", explica. Para o professor, a
declaração de Bolsonaro muito provavelmente veio sem uma análise maior da
trajetória do ditador, baseando-se na identidade comum com os regimes análogos
no Brasil, sustentados no militarismo e anticomunismo, e no desempenho de
crescimento econômico da era Stroessner no Paraguai.
A declaração soa particularmente preocupante no momento
atual da política latino-americana: em um momento de crise para a
redemocratização da Venezuela, o elogio a ditaduras da região pode passar a
mensagem errada. "Ao meu ver, foi uma declaração muito ruim. Brasil,
Paraguai e outros países estão empenhados em redemocratizar a Venezuela, com
eleições diretas e limpas. Um elogio à democracia venezuelana ao mesmo tempo
que se cumprimenta um ditador enfraquece a posição brasileira. É uma fala ruim
no pior momento para isso", argumenta Santoro.
Atualmente, o regime de Stroessner é investigado pelo
governo paraguaio, inclusive pelo Departamento de Memória Histórica e Reparação
do Ministério da Justiça. Entre os casos descobertos, analisados e trazidos a
público sobre aquela ditadura estão gravíssimas violações dos direitos humanos,
pedofilia em série e atuação próxima ao narco-tráfico, como podem ser
conferidas abaixo.
1 – Pedófilo em série, Stroessner ordenou a criação de um
harém de meninas
Em 1954, o general Alfredo Stroessner deu início a uma
ditadura militar que durou 35 anos. Ao longo do seu regime de terror, o autocrata agiu de maneira parecida com a do
ugandês Idi Amin Dada, imperador Bokassa do Império Centro-Africano, o ditador
dominicano Rafael Leónidas Trujillo e o soviético Lavrenti Beria (chefe da KGB
durante a ditadura de Josef Stálin): ele e parte de seus ministros e generais
dedicavam-e, nas horas livres, a protagonizar estupros. Mais especificamente, a
violar meninas virgens.
O principal protagonista dos abusos sexuais era o próprio
ditador, que exigia que seus assessores mantivessem um fornecimento de garotas
virgens para seu uso pessoal. O plantel, que era renovado constantemente,
precisava — por ordem de Stroessner — ser composto por meninas que deveriam ter
entre 10 e 15 anos de idade.
Segundo os investigadores do Departamento de Memória
Histórica e Reparação do Ministério da Justiça em Assunção, Stroessner
estuprava em média quatro meninas novas por mês. Isto é, como pedófilo em
série, em três décadas e meia de ditadura,
ele teria violado mais de 1.600 crianças.
2 – O
"chapeuzinho vermelho" de Stroessner
Os militares buscavam e sequestravam meninas da área rural
de acordo com os "gostos" de Stroessner e seus ministros. Volta e
meia os militares também faziam essa sombria "colheita" de meninas
pelas ruas da própria capital, Assunção. Nesse caso, os oficiais utilizavam a
"Chapeuzinho Vermelho", apelido — em alusão ao conto de fadas — dado
ao Chevrolet Custom 10 vermelho utilizado nessa blitz sexual.
Um dos casos investigados pela Comissão de Verdade e Justiça
do Paraguai é o de Julia Ozorio. Ela tinha apenas 12 anos quando foi
sequestrada da casa de seus pais no vilarejo de Nova Itália em 1968. O
sequestro foi realizado pelo coronel Julián Mier, comandante do regimento
encarregado da guarda pessoal de Stroessner. Julia foi levada à chácara onde estava
o harém do ditador, e ali foi escrava sexual durante três anos.
Depois do ditador, a menina foi repassada a oficiais,
suboficiais e soldados. Quando fez 15 anos, Ozorio foi considerada "velha
demais" e solta. Ela mudou-se para a Argentina onde, em 2008, publicou
suas memórias: "Uma rosa e mil soldados".
Os crimes da ditadura stroessnista — como torturas e
assassinatos de civis opositores — estão sendo investigados na Justiça
paraguaia desde meados dos anos 90. No entanto, os crimes sexuais somente
começaram a ser investigados em 2016. As primeiras denúncias sobre os estupros
sistemáticos do ditador paraguaio, porém, foram publicadas pelo jornal
americano "The Washington Post" no distante ano de 1977, quando o
regime estava em seu apogeu. O tradicional jornal da capital americana
classificou Stroessner e seu entourage de altos oficiais de "depravados
sexuais".
No caso desta versão paraguaia do conto da "chapeuzinho
vermelho", o lobo foi quem triunfou, pois morreu impune em seu exílio
brasileiro.
3 – Stroessner acima de tudo (e em todos os lados)
Na vida cotidiana dos paraguaios, o pedófilo Stroessner
estava por todos os lados. Nas repartições públicas as pessoas deparavam-se com
retratos do general. As fotografias também estavam presentes em diversas
residências privadas. Além disso, o governista partido Colorado imprimia
diariamente um jornal de 6 páginas a cores com notícias exclusivas sobre
Stroessner.
De quebra, a segunda maior cidade do país levava o nome do
ditador: "Puerto Stroessner". Após a queda do regime em 1989 ela foi
rebatizada como "Ciudad del Este".
Eram frequentes os grupos de pessoas que iam até os muros da
residência presidencial, a "Mburuvicha Róga" (Casa do Líder, no
idioma guarani), para fazer serenatas
com melodias que o tratavam como uma espécie de "mito":
"Para a frente, meu general" e "Parabéns, grande amigo"
eram algumas delas.
4 – Stroessner fez do
Paraguai um "hub" sul-americano das drogas
Stroessner nunca se envergonhou do envolvimento ativo das
Forças Armadas paraguaias no contrabando de drogas internacional.
"Aaaahhh....mas esse é o preço da paz", costumava argumentar, indicando que, desta forma, mantinha seus
militares satisfeitos com grandes lucros. Durante seu regime, o Paraguai
tornou-se o “hub” latino do contrabando, movimento de cocaína a carros de luxo
roubados. Nos anos 80, o país era o maior importador de uísque mundo, embora
paradoxalmente fosse um de seus menores consumidores.
5 – Stroessner e suas eleições fake (uma espécie de
predecessor de Nicolás Maduro
O autocrata paraguaio mantinha uma ficção de
"democracia". Em seu regime existia um parlamento sob controle, com
seu partido, o Colorado, sempre vencedor de eleições fraudulentas.
A oposição, por sua vez, era censurada. Tal como na
Venezuela de Nicolás Maduro, a oposição real havia sido exilada, presa ou
debilitada. Stroessner permitia que só os líderes opositores de menor
importância continuassem com (restritas) atividades políticas.
Esse período da chamada “democracia guiada” ficou conhecido
como “O Stronato”. Stroessner sequer tentava disfarçar seu simulacro de
democracia, pois às vezes era eleito com 90% dos votos nas eleições
presidenciais (em 1958, por exemplo, venceu com 97,3%).
6 – Apreço pela serra elétrica e pelo maçarico
Ao longo dos 35 anos da ditadura militar, o
"stronato" assassinou entre 4 mil e 5 mil civis, além de provocar o
exílio de centenas de milhares de paraguaios. A tortura era uma das modalidades
de imposição do terror dessas três décadas e meia. Segundo a Comissão Verdade e
Justiça, pelo menos 18.772 pessoas foram vítimas de torturas físicas, sexuais e
psicológicas durante o regime.
Entre os torturadores, o mais emblemático foi Pastor
Coronel. Volta e meia, quando torturava, ele telefonava a seu chefe e – em uma
espécie de transmissão online telefônica – Stroessner ia ouvindo os grito do
preso político torturado de plantão.
Pastor Coronel e Stroessner apreciavam o uso da serra
elétrica e do maçarico para torturar. Vários opositores, dentre os quais Miguel
Soler, foram cortados ao meio com a serra elétrica. Outros eram queimados
lentamente, e de forma localizada, com um maçarico.
7 – Pedófilo, estuprador geral, narco-traficante,
torturador... e receptor de nazistas
Nos anos 50, o Paraguai acolheu centenas de criminosos de
guerra nazistas, aos quais Stroessner — filho de um imigrante da Baviera — dava
passaportes paraguaios.
Um dos mais famosos foi o médico Josef Mengele, o “Anjo da
Morte”, que selecionava as vítimas de suas experiências médicas no campo de
concentração de Auschwitz. Outro criminoso de guerra foi Eduard Roschmann, o
“Açougueiro de Riga”, famoso pela execução de 30 mil judeus.
O próprio Stroessner teve um campo de concentração, com
muros de 6 metros de altura, a 65 kms de Assunção, onde 528 prisioneiros se
aglomeraram entre 1976 e 1978.
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