Executadas, intimidadas, estupradas, torturadas, presas: não
tem sido fácil ser mulher de esquerda no "civilizado" mundo ocidental.
Berlim, Alemanha, 15 de janeiro de 1919
“Rosa Luxemburgo foi levada pelo tenente Vogel para fora do
hotel. Esperava por ela no portão o soldado Runge, uma pessoa mentalmente
degenerada que recebera dos tenentes Vogel e Pflugk-Harttung a ordem de abater
Rosa Luxemburgo. Ele lhe esmagou o crânio com duas coronhadas. A semimorta foi
jogada dentro de um carro. Alguns oficiais embarcaram. Um deles aplicou mais
uma coronhada na cabeça de Rosa. O tenente Vogel a matou com um tiro na cabeça.
O corpo sem vida foi levado ao zoológico e atirado da ponte Liechtenstein no
canal Landwehr, de onde ressurgiu em maio de 1919.” (Trecho da biografia de
Rosa por Paul Frölich editado pela Boitempo)
Anapu, Brasil, 12 de fevereiro de 2005
Aos 73 anos, a missionária norte-americana Dorothy Stang,
defensora dos camponeses contra a usura dos latifundiários e grileiros que os
expulsavam de suas terras em Anapu, no Pará, foi assassinada pelo jagunço
Rayfran das Neves com um tiro no abdômen, outro na nuca e quatro tiros nas
costas. Ele fora contratado pelos fazendeiros Regivaldo Pereira Galvão,
conhecido por Taradão, e Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, para matar a
missionária. Todos os acusados foram julgados e condenados. Todos se encontram
soltos, beneficiados por habeas corpus, no semiaberto ou em prisão domicilar.
La Esperanza, Honduras, 2 de março de 2016
A ambientalista e líder indígena Berta Cáceres estava dormindo quando um grupo de homens armados entrou pela cozinha da casa onde se encontrava em La Esperanza, a oeste da capital do país, Tegucigalpa. Primeiro eles atiraram em seu colega, o sociólogo mexicano Gustavo Castro, que, atingido na orelha, fingiu estar morto. Em seguida foram ao quarto de Berta e dispararam várias vezes. Atingida por três tiros no abdômen, ela só teve forças para chamar Gustavo, e morreu em seus braços. Em janeiro deste ano, a promotoria de Honduras pediu prisão perpétua aos 7 envolvidos no assassinato de Berta. Altos executivos da empresa Desarrollos Energéticos S.A., contra quem a ambientalista lutava, e um militar estão envolvidos no crime.
A ambientalista e líder indígena Berta Cáceres estava dormindo quando um grupo de homens armados entrou pela cozinha da casa onde se encontrava em La Esperanza, a oeste da capital do país, Tegucigalpa. Primeiro eles atiraram em seu colega, o sociólogo mexicano Gustavo Castro, que, atingido na orelha, fingiu estar morto. Em seguida foram ao quarto de Berta e dispararam várias vezes. Atingida por três tiros no abdômen, ela só teve forças para chamar Gustavo, e morreu em seus braços. Em janeiro deste ano, a promotoria de Honduras pediu prisão perpétua aos 7 envolvidos no assassinato de Berta. Altos executivos da empresa Desarrollos Energéticos S.A., contra quem a ambientalista lutava, e um militar estão envolvidos no crime.
Rio de Janeiro, Brasil, 14 de março de 2018
Por volta das 21h, a vereadora pelo PSOL e ativista dos
direitos do povo das favelas Marielle Franco saía de uma roda de conversas na
Casa das Pretas, na Lapa, centro do Rio de Janeiro, quando seu carro foi
emparelhado por um Chevrolet Cobalt com placa de Nova Iguaçu. De dentro do
veículo, dispararam 13 tiros com uma submetralhadora MP5 9mm em direção ao
carro onde se encontravam Marielle, seu motorista Anderson, e uma assessora. 9
tiros acertam a lataria e 4 o vidro. Marielle é atingida por quatro tiros na
cabeça. Anderson morre com três tiros nas costas. Um ano depois, o crime ainda
não foi solucionado.
PAGU SAINDO DO PRESÍDIO EM 1931. FOTO: ACERVO EDGARD
LEUENROTH/UNICAMP
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Patrícia Galvão, a Pagu (1910-1962), escritora, jornalista,
desenhista e ativista política, foi perseguida, torturada e presa mais de 20
vezes pela ditadura Vargas por ser comunista. Claudia Jones (1915-1964),
nascida em Trinidad Tobago e radicada nos EUA, acabou presa e deportada para o
Reino Unido por militar pelos direitos das mulheres negras. A anarquista Louise
Michel (1830-1905), que lutou na Comuna de Paris vestida como homem como a
baiana Maria Quitéria, foi presa e deportada para o exílio na Nova Caledônia;
anistiada, seria encarcerada mais quatro vezes, acusada de “sublevar as
massas”, e seria vítima de um atentado a bala.
Se formos computar as mulheres libertárias queimadas pela
fogueira da Inquisição acusadas de heresia ou bruxaria, como Joana d’Arc, a
lista não acaba mais. Na ditadura militar brasileira, pelo menos 42 mulheres
foram mortas ou desapareceram, de acordo com o relatório da Comissão da
Verdade. Centenas foram submetidas a torturas e à violência sexual.
Na época militante da VAR-Palmares, Dilma Rousseff, a
presidenta da República que seria alvo de um golpe com viés nitidamente
misógino, foi colocada no pau de arara, apanhou de palmatória, levou choques
elétricos e socos que a fizeram perder um dente. Dulce Maia, militante da VPR,
levou choques na vagina e nos seios, foi estuprada, queimada com velas e
espetada com agulhas.
Ser mulher, feminista e de esquerda não tem sido fácil em
nenhuma parte do planeta, mas espanta ver como são tratadas no “civilizado”
mundo ocidental. Com as redes sociais, a intimidação continua a ocorrer
cotidianamente contra as esquerdistas, sobretudo as que entram para a política.
A nova onda reacionária no mundo possui um inegável viés
misógino, a começar pelo presidente dos Estados Unidos, capaz de aconselhar
alguém a “pegar mulheres pela xoxota” como técnica de “sedução”. Como toda ação
corresponde à reação, mais e mais mulheres de esquerda, negras e indígenas,
feministas declaradas, têm se destacado na política, inclusive na terra de
Trump. Os ataques a elas têm sido diretamente proporcionais a este crescimento,
e seguem o mesmo padrão, desde lançar dúvidas sobre sua capacidade política e
intelectual quanto torná-las alvo das mais sórdidas fake news.
A CHILENA CAMILA VALLEJO. FOTO: ALEJANDRO OLIVARES/THE CLINIC |
A brasileira Maria do Rosário é a figura mais feminina mais
emblemática deste assédio virtual às mulheres de esquerda. Vítima de um
sem-número de fake news, ameaçada de morte e destinatária de um vídeo em que um
pseudohumorista esfrega um processo movido por ela nas partes íntimas, Rosário
era, na Câmara, o principal alvo do deputado do baixo clero que se tornaria
presidente. O ódio da extrema-direita contra ela se acentuou ainda mais quando
foi nomeada ministra dos Direitos Humanos por Dilma, em 2011.
Os panfletos apócrifos, precursores em papel das fake news
que se multiplicaram na era Bolsonaro graças ao whatsapp, já levaram pelo menos
uma mulher de esquerda a perder uma eleição praticamente ganha. Em 2006, a
deputada Jandira Feghali (outra frequente vítima das hordas virtuais), do
PCdoB, foi derrotada para o Senado por conta de panfletos que estavam sendo
distribuídos nas igrejas do Rio de Janeiro, com o aval da arquidiocese,
chamando-a de “abortista”.
Mas o que a direita extrema tem contra as mulheres que
questionam o preconceito de gênero e a submissão ao patriarcado? Ora, é fácil
perceber que as enxergam como uma ameaça a seu poder –ou não aceitariam
tranquilamente as mulheres na política quando se tratam daquelas que negam o
feminismo, como a caricata ministra das Mulheres (sic), Damares Alves, ou a
líder do governo, Joice Hasselmmann.
Este ano, porém, a Câmara dos Deputados conta com um número
histórico de mulheres de esquerda: 23, contra 12 da legislatura anterior. E
obviamente os ataques se multiplicarão com a mesma intensidade.
Talíria Petrone (PSOL-RJ): “Quando a democracia retrocede, é
o corpo das mulheres o alvo. E, sem dúvida, são as mulheres que estão à frente da
luta contra o fascismo no mundo todo. O problema é que tanto há um avanço na
luta das mulheres quanto um aumento da oposição a essa luta. Eu acho
fundamental, neste momento, que as mulheres estejam unificadas.”
Sâmia Bomfim (PSOL-SP): “Há um avanço, um empoderamento das
mulheres, e para muitos isso é uma afronta, o macho ressentido é um dos
elementos dessa virulência. A resistência é feminina de maneira geral, tanto é
que o principal fato político da eleição foi o Ele Não. Nosso projeto de
sociedade é o extremo oposto deles: somos pelo direito à diversidade,
religiosa, de gênero. E este embate vai ser expresso aqui dentro.”
FERNANDA E SÂMIA DURANTE O BANQUETAÇO EM BRASÍLIA |
Maria do Rosário (PT-RS): “Eu identifico a violência
política contra a mulher também como violência de gênero. Eles não nos chamam
de ‘ladras’ e sim de ‘vagabundas’. Nossa presença, nossa voz, os incomoda. Os
homens se relacionam com o mundo, mas nós, mulheres, só podíamos nos relacionar
com o mundo através dos homens. E nós estamos subvertendo esta concepção. Antes
havia uma vergonha, entre os homens, de dizer que não aceitavam isso, até o
machismo tinha um tom cavalheiresco, que é um machismo disfarçado. Hoje é a
grosseria pura e simples. A nossa bancada aumentou, mas a bancada de mulheres
conservadoras também aumentou. Precisamos resistir, não podemos rebaixar o tom
da luta, culturalmente inclusive. Mas essas jovens de esquerda me animam, elas
chegam com a energia do novo feminismo. Vou aprender muito com elas.”
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