Livro lançado por pesquisadores da UFABC analisa como as
redes sociais trabalham na manipulação e modulação de ideias para ter controle
sobre as massas.
Inteligência Artificial (IA) faz o trabalho de
reconhecimento do perfil do internauta e o envio de mensagens em massa
|
Por Helder Lima, da RBA
A vida no seio da tecnologia digital e das redes sociais é
maravilhosa, diriam os mais empolgados com a tecnologia. Qualquer pessoa de seu
círculo de relacionamentos está a seu alcance em tempo real, e toda a
informação pode ser compartilhada com quem se queria a qualquer momento. Parece
inegável que a liberdade se expandiu com a tecnologia, e assim finalmente a
sociedade atinge um estágio de possibilidades de expressão e de pensamento
nunca antes visto.
O único problema é que essa percepção é apenas a superfície
de um lago de águas turvas que encobre uma realidade cruel com o indivíduo e
sua subjetividade. Sob a superfície de facilidades de cada rede social, operam
incólumes os algoritmos, recursos capazes de identificar as preferências de
cada um e em algum momento despontar com alguma oferta de informação, ou
manipulação capaz de levar o indivíduo não para um oásis de liberdade, mas para
onde exista um interesse econômico, promovendo um determinado consumo, ou
político, para colocar em evidência uma opinião ou uma personagem que tenha o
mesmo apelo dos interesses que dirigem a rede social como uma empresa, afinal,
as redes são negócios, business, como qualquer outro.
Os estudiosos do comunicação classificam a formação de
opinião nas redes sociais como um processo de manipulação e modulação, tomando
emprestado do filósofo francês Gilles Deleuze (1925-1995) uma terminologia
(‘manipulação’ e ‘modulação’) concebida nos anos 1990 para desnudar o processo
segundo o qual os meios de comunicação influenciam a subjetividade e o
pensamento de cada um, papel agora que se radicaliza com as redes sociais, seja
porque a mensagem se destina ao foco de interesse do usuário e o coloca em uma
bolha onde só se projeta a informação de afinidade com que o sujeito demanda.
"Agora, no século 21, temos a modulação por meio do
algoritmo das redes sociais. O algoritmo é mais eficiente na veiculação da
mensagem porque, diferentemente da televisão, ele não atinge quem não precisa,
quem não é alvo da mensagem, mas somente quem ele identifica com a
mensagem", afirma o pesquisador João Cassino, um dos autores do Livro A
Sociedade de Controle: Manipulação e Modulação nas Redes Digitais, lançado pela
editora Hedra no último dia 22. Obra
coletiva de alunos do mestrado da UFABC, o livro é organizado pelos
pesquisadores Sérgio Amadeu da Silveira, Joyce Souza e Rodolfo Avelino, com
textos de, além de Cassino, Debora Machado, Carla Oliveira, Cinthia Monteiro e
Mariella Mian.
Cassino explica que os mecanismos de controle na sociedade
moderna tiveram sua fundamentação com a noção de disciplina a partir da
Revolução Industrial. "O livro tenta dar várias visões sobre a abrangência
dos conceitos de manipulação e modulação. Na história, em um primeiro momento
você tinha a sociedade disciplinar. Todas as instituições que a gente conhece
hoje surgem mais ou menos no final do século 18 e início do 19, com a Revolução
Industrial. É onde surge essa noção de hierarquia. Na escola, você tem a figura
de autoridade do professor. Na empresa, tem o patrão e os empregados, no
hospital, você tem o médico e o paciente. Então, essas são as figuras da
sociedade disciplinar", afirma que a velha palmatória é um dos ícones
dessa sociedade.
Já no século 20, com a chegada da televisão e do rádio, foi
criada uma nova maneira de modular a opinião, ou seja, "convencer as
pessoas a fazerem o que você quer que elas façam". Esse processo induz
comportamentos e não é preciso mais ter a força da disciplina. "A
modulação não substituiu a disciplina, mas se soma a ela. E agora, neste começo
de século 21, a gente passa a ter a modulação dos algoritmos, dos robôs, da
inteligência artificial (IA)", diz Cassino.
A vida nas redes digitais é personalizada ao extremo a ponto
de a mensagem ser veiculada de modo apropriado para cada indivíduo ou grupo. Um
exemplo disso foi a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, cuja estratégia
se repetiu em 2018 no Brasil para eleger Jair Bolsonaro (PSL) em meio a um oceano
de fake news, manipulações e modulações. Cassino dá o exemplo, no caso de
Trump, das comunidades negras do bairro do Harlem, em Nova York. São eleitores
que não votariam mesmo em Trump, mas nesse caso a mensagem do candidato
republicano para esses eleitores tenta demovê-los da ideia de participar do
pleito, já que a eleição nos Estados Unidos não é obrigatória. "Já que ele
não tem os votos, ele tenta tirar esses votos do adversário pelas redes
sociais", afirma o pesquisador.
As máquinas vão entender que aquela população não tem nada a
ver com o Partido Republicano, e as informações sobre a comunidade alimentam
uma base de dados, que orienta qual tipo de mensagem será enviada a uma
família, por exemplo. "É um processo que identifica a partir de perfis de
navegação quais as informações importantes para cada pessoa e trabalha essas
informações, inclusive, fazendo fake news, pra chegar na pessoa a informação
que ela quer receber e conseguir influenciar o voto", diz.
Quem vai fazer todo esse trabalho de reconhecimento do
perfil e o envio de mensagens em massa é a Inteligência Artificial. "Isso
muda completamente o que estávamos acostumados", afirma Cassino,
referindo-se ao fato de que se torna algo relativo o poder de ocupar as redes
sociais com a mobilização das militâncias, por exemplo. "Quando a gente
ouve que a esquerda tem que ocupar as redes sociais não é bem assim, não é com
militantes que você vai resolver isso. Uma base grande de militantes atenua o
problema, mas você não tem como competir com os algoritmos", destaca.
As empresas que dominam as plataformas das redes são
empresas de capital privado que têm seus interesses políticos e econômicos.
Diante dessa realidade, distante daquela do início da operação comercial da
internet nos anos 1990, quando existia liberdade na rede, o que se tem hoje é o
poder do capital determinando o que é divulgado. Indagado sobre qual a melhor
estratégia para ocupar as redes, o pesquisador afirma mais uma vez o poder
econômico dá as cartas. "Na verdade, estamos em uma situação muito
difícil, porque o uso de robôs – perfis falsos que usam IA – tentam dar volume
às campanhas. Mas nós temos dificuldades com essa plataforma porque tanto o
serviço de microssegmentação quanto os robôs de massa são serviços caríssimos.
Quem tem dinheiro para isso, ou mesmo comprar anúncios nas redes, é o poder
econômico", diz.
O Facebook, o Twitter e também outras redes detêm tecnologia
para colocar as pessoas em bolhas. Eles identificam que determinada pessoa é
palmeirense, por exemplo, aí tentam criar relacionamentos dessa pessoa com
outros palmeirenses, constituindo grupos de afinidades. "Quando você acha
que está falando para o mundo, na verdade está falando na bolha". E todas
essas empresas são sediadas nos Estados Unidos, que tem influência da NSA, do
Congresso Nacional, que tem seus interesses políticos.
"Ao mesmo tempo que as esquerdas precisam estar nas
redes sociais e disputar os espaços para não deixar a direita nadar de braçada
sozinha, você enfrenta não só a militância da direita, mas enfrenta toda a
infraestrutura tecnológica dessas empresas norte-americanas; estamos em uma
situação em que eles nos colocaram em uma armadilha. A internet que começou a
se popularizar na década de 1990 como um sonho de liberdade, e no começo isso
era verdade, mas agora eles conseguiram amarrar de um jeito que ficou pior do
que a televisão".
Ditadura do algoritmo?
"No livro chamamos de sociedade do controle, que é o termo
inventado pelo Deleuze. O big brother, do 1984 (romance futurista de George
Orwell que previa a distopia dos dias de hoje), em que todo mundo olhava todo
mundo, virou uma brincadeira de criança, porque qualquer coisa que você coloca
na internet é armazenada em bases de dados que não serão apagadas nunca mais, e
cada vez o armazenamento é mais fácil de fazer e mais barato."
Nenhum comentário:
Postar um comentário