Na foto, o ex-metalúrgico Lúcio Belentani, que mostrou a colaboração da empresa com o regime militar. O trabalhador faleceu em 2019 |
A associação das vítimas da perseguição política na empresa
ressalta o caráter inédito e histórico mundial do acordo para a justiça de
transição, a memória e verdade da ditadura militar e a reparação coletiva.
Por Cézar Xavier
A Associação Heinrich Plagge, que reúne os trabalhadores
brasileiros da Volkswagen vitimados pela perseguição política na empresa entre
1964 e 1985, emitiu nota em que aponta o caráter inédito e histórico para o
Brasil do acordo entre a multinacional alemã e os trabalhadores brasileiros.
Após três anos de organização, luta, pesquisa e levantamento
de provas, foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que “tem enorme
importância na promoção da justiça de transição, não só no Brasil, mas com
reflexos mundiais, na busca de garantir a revelação da verdade, a preservação e
divulgação da memória, a promoção de garantias de não-recorrência dessas
práticas, bem como reparações aos direitos difusos e coletivos de ordem
material e moral e aos direitos individuais dos trabalhadores vitimados por
tais perseguições, embora tardiamente”.
Leia a íntegra da nota:
NOTA PÚBLICA DA ASSOCIAÇÃO “HEINRICH PLAGGE”
Há décadas os trabalhadores da Volkswagen do Brasil, hoje
ex-empregados, vitimados por perseguições políticas durante o período da
ditadura civil-militar vivida no Brasil entre 1964 e 1985, com colaboração
desta com os órgãos de repressão, lutam pela revelação da verdade do que com eles
aconteceu nesse período opaco da vida brasileira e por reparação das vítimas e
da coletividade.
Essa luta tem sido na busca de promoção da responsabilização dos autores das graves violações aos direitos humanos desses trabalhadores, preservação e divulgação da memória dessas violações aos direitos humanos praticadas no dito regime ditatorial.
Com esse objetivo e para propiciar maior investigação sobre
esses fatos, as vítimas, com o apoio de inúmeras entidades civis, incluindo as
centrais sindicais, fizeram chegar às mãos dos Ministérios Públicos Federal, do
Estado de São Paulo (MPSP) e do Trabalho em São Bernardo do Campo, denúncia
fundamentada das violações dos Direitos Humanos desses trabalhadores, com
repercussão na sociedade.
A partir dessa denúncia oferecida em 2015 os órgãos dos
Ministérios Públicos empreenderam intensa investigação, incluindo muitos
depoimentos de testemunhas, das vítimas, pareceres de peritos e vasta
documentação, inclusive parte dela extraída dos anais da comissão da verdade,
demonstrando-se a real colaboração da empresa com os órgão de repressão do
Estado durante a ditadura civil-militar, propiciando, assim, as muitas
perseguições e agressões aos direitos humanos dos trabalhadores com prisões,
condenações, torturas, demissões injustas, afastamentos das atividades
remuneradas, cárcere privado no interior da empresa, colocação dos nomes,
endereços de residências e fornecimento de documentos funcionais aos órgãos de
repressão do Estado, nomes vinculados em listas negras para o sistema
empresarial/repressivo, impedindo-os de acessar outro emprego, entre outras
agressões aos direitos humanos.
Com a coleta desses importantes dados, para evitar a judicialização do conflito, foi desencadeada negociação entre as partes, com a participação da ASSOCIAÇÃO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS DA VOLKSWAGEN DO BRASIL VITIMADOS POR PERSEGUIÇÕES POLÍTICAS E IDEOLÓGICAS NO PERÍODO DA DITADURA CIVIL-MILITAR, criada em 2018 para representar as vítimas, orientá-las e assessorá-las na busca dos seus direitos.
Foram quase três anos de intensa negociação, considerando a
complexidade do caso e a resistência da empresa em atender às reivindicações
dos trabalhadores e dos órgãos ministeriais.
Mas, finalmente, em 23 de setembro de 2020 chega-se à
assinatura de um acordo com a VOLKSWAGEN DO BRASIL, através de um TAC – Termo
de Ajustamento de Conduta, firmado no âmbito de três Inquéritos Civis que
investigam as denúncias de colaboração da empresa com o aparato da repressão do
regime militar.
Diante da complexidade da negociação, entende esta Associação, que é a legítima representante dos trabalhadores, que fala por eles, que os MPs chegaram a um acordo possível. Esse acordo foi acompanhado por esta Associação, pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e pelos atores sociais envolvidos, contemplando reparações coletivas, difusas e de direitos individuais homogêneos num momento difícil que vive o Brasil em termos de respeito aos direitos humanos.
Esse acordo inclui várias obrigações de natureza coletiva,
em prol da sociedade e outras individuais, em favor das vítimas, a fim de que
elas sejam compensadas financeiramente pelos prejuízos que sofreram nos seus
direitos humanos.
O acordo assinado data de ontem é algo inédito na história
brasileira para os trabalhadores e para a sociedade e tem enorme importância na
promoção da justiça de transição, não só no Brasil, mas com reflexos mundiais,
na busca de garantir a revelação da verdade, a preservação e divulgação da
memória, a promoção de garantias de não-recorrência dessas práticas, bem como
reparações aos direitos difusos e coletivos de ordem material e moral e aos
direitos individuais dos trabalhadores vitimados por tais perseguições, embora
tardiamente.
As reparações pecuniárias incluirão 9 milhões de reais para
Fundos federal e estadual de direitos difusos (FDD), R$ 10,5 milhões para
projetos de promoção da memória e verdade em relação a violações aos direitos
humanos durante a ditadura militar de 1964 a 1985 e para a realização de
estudos, pareceres e pesquisas sobre empresas e órgãos de repressão da época,
R$ 6 milhões para um Memorial da Luta por Justiça, na sede da antiga Auditoria
militar em São Paulo, de iniciativa da OAB/SP e do Núcleo de Preservação da
Memória Política (NPMP), com a possibilidade de participação de entidades
interessadas em preservar e divulgar a memória desses movimentos, R$ 4,5
milhões para a Universidade Federal de São Paulo (R$ 2,5 milhões para o Centro
de Antropologia e Arqueologia Forenses (CAAF), para identificação das ossadas
de Perus, pela ocultação dos restos mortais de perseguidos políticos e R$ 2
milhões para novas pesquisas sobre a cumplicidade de empresas com violações aos
direitos humanos durante o governo ditatorial e R$ 16,8 milhões de reais para a
Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Volkswagen que tenham sofrido
violações aos direitos humanos durante a ditadura civil-militar com colaboração
da VW.
O acordo contemplou importante reivindicação das vítimas e dos atores sociais envolvidos na discussão, um Memorial da Luta por Justiça, com um espaço especial para a luta dos trabalhadores dentro do que era possível e viável fazer neste momento, atendendo aspectos técnicos e legais, embora alguns atores sociais quisessem outras alternativas.
Sobre a destinação de parte dos valores aos Fundos federal e
estadual de direitos difusos (FDD) existe previsão legal (art. 13 da lei
7.347/85), cujos recursos serão destinados à reconstituição dos bens lesados.
Esses fundos são geridos por Conselhos de que participarão necessariamente o
Ministério Público e representantes da comunidade.
Depois de homologado o referido acordo (TAC) pelos órgãos
superiores dos Ministérios Públicos, a empresa assinará um Termo de Doação dos
valores a serem destinados às compensações dos trabalhadores vitimados, cujos
interessados deverão se habilitar perante a Associação em prazos a serem estabelecidos
e comunicados de forma pública e oficial.
Também, depois de homologado referido acordo (TAC) pelos órgãos superiores dos Ministérios Públicos, a empresa publicará em jornais de grande circulação de São Paulo uma declaração pública sobre o assunto. Tanto essa publicação, como as demais prestações fixadas no TAC ocorrerão logo após os órgãos de controle interno do MPF e do MPSP homologarem o arquivamento dos Inquéritos civis, o que se estima possa ocorrer até o final de 2020 e os desembolsos financeiros definidos no TAC devem ser concretizados em janeiro de 2021.
Por fim, pelos resultados ora alcançados, cabe registrar
nossos agradecimentos aos membros dos Ministérios Públicos que vêm atuando no
caso, pelo empenho e fiel cumprimento das funções institucionais na busca de
uma solução que atenda os interesses das vítimas e da sociedade, ao Sindicato
dos Metalúrgicos do ABC, na pessoa do seu Presidente Wagner Santana, aos
trabalhadores vítimas pelas perseguições políticas na ditadura civil-militar e
herdeiros dos que já se foram, pelo empenho e crença no papel desta Associação
e a todos os atores sociais que contribuíram com essa luta.
Associação “Heinhich Plagge”
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