Organogramas apresentados pela Comissão de Verdade de São Paulo mostram cadeia de comando da repressão
Figueiredo e Médici |
São Paulo – A ideia de “porões da ditadura” para definir locais ocultos onde se torturava e matavam os opositores do regime militar e militantes de esquerda é falsa, segundo constatação da Comissão da Verdade estadual de São Paulo. Em audiência realizada hoje (20) na Assembleia Legislativa, a comissão apresentou documentos em que fica claro que o aparato da repressão funcionava com base numa cadeia do comando e num organograma de Estado.
A oitiva “Os ditadores, o sistema de repressão política e a cadeia de comando” teve a participação dos presidentes da Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog (da Câmara Municipal paulistana), o vereador Gilberto Natalini (PV), e da Comissão Nacional da Verdade, Rosa Cardoso.
Segundo as pesquisas desenvolvidas pela comissão paulista, o sistema que começava no estado de São Paulo, por exemplo, funcionava a partir da Operação Bandeirante (OBAN) e chegava ao ditador, o presidente da República. A OBAN se reportava ao Destacamento de Operações de Informações (DOI), e a cadeia de comando seguia na sequência: Centro de Operações de Defesa Interna (CODI), chefia do Estado Maior do Segundo Exército, Estado Maior das Forças Armadas, Sistema Nacional de Informações (SNI) e, por fim, presidente da República.
Segundo o coordenador da comissão paulista, Ivan Seixas, o estudo e a sistematização dos aparatos repressivos demonstram claramente que “o torturador não está num porão, mas no sistema, através do qual ele se reporta por fim ao ditador, chamado Presidência da República”.
A comissão paulista pretende desmontar a visão segundo a qual torturadores e assassinos da ditadura (1985-1964) cometiam excessos não autorizados pelos comandos e pela alta patente da República.
“Porões dão a ideia de algo escondido, sem controle. A partir de agora vamos começar a trazer documentos para mostrar que não era nada por acaso, mas vinha do gabinete do presidente da República”, diz Adriano Diogo, presidente do colegiado.
Não foi por acaso, por exemplo, que o governador de São Paulo Roberto Abreu Sodré e seu secretário de Segurança Pública, Hely Lopes Meireles, foram os dois principais organizadores da Operação Bandeirante, lançada oficialmente em junho de 1969.
“Eram os homens de confiança do presidente da República que assumiam os órgãos públicos”, afirma Diogo. Um dos mais renomados é Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi, órgão do Segundo Exército, por quatro anos (1970-1974). Ele comandava seções de tortura pessoalmente.
USP
No âmbito do estado de São Paulo, o sistema de espionagem passava pelos órgãos vinculados ao governo, entre os quais um dos mais caros ao regime era a Universidade de São Paulo.
Um documento apresentado pela Comissão da Verdade mostra a participação direta do gabinete da reitoria da USP no monitoramento de atividades acadêmicas e eventos políticos de iniciativa de então jovens lideranças.
O documento “Confidencial” trata de informações de atividades relacionadas à Semana dos Direitos Humanos e data de 24 de novembro de 1975. O reitor da USP na época era Orlando Marques de Paiva.
No cabeçalho, pode-se ver o trâmite das informações que passam pela DSI (Divisão de Segurança e Informação) do Ministério da Educação e SNI. Cada ministério tinha uma DSI.
“No período de 10 a 15 de novembro de 1975, realizou-se a Semana de Direitos Humanos na Igreja de São Domingos, situada na rua Caiubi-164-Perdizes-SP”, diz o documento. A seguir, lista as entidades que promoveram o evento, quase todas grêmios estudantis. Mas a relação inclui a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.
A comissão da verdade mostrou um documento da Marinha, datilografado, em que se define o Sistema Nacional de Informações (Sisni) como “o conjunto de órgãos destinados a produção de informações em proveito da política de segurança e da política de desenvolvimento do país”.
Segundo o documento, o Serviço Nacional de Informações (SNI), “o órgão de cúpula do Sisni, tem como clientes principais” o presidente da República, “em primeira prioridade”, o Conselho de Segurança Nacional e sua Secretaria-Geral. Eram considerados “clientes eventuais do SNI” o poder Judiciário e o poder Legislativo.
Eduardo Maretti
No RBA via Contexto livre
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