Aproveitando o texto Jornalismo para iniciantes, aqui vão
algumas dicas de um jornalista experiente para que você consuma produtos da
indústria da informação com um mínimo de segurança, ou seja, sabendo o que é
realmente informação e o que é conversa fiada com interesses camuflados.
I - Comece a ler a primeira página dos grandes jornais de
baixo para cima. Normalmente, o espaço superior, que os editores julgam ser
mais nobre, é ocupado por manchetes destinadas a prejudicar a imagem de alguém
ou de alguma corrente política, além disso, é no lá alto que os jornais colocam
as promoções que usam para atrair o leitor que já não se interessa tanto por
suas reportagens (tipo dar relógio de presente). É no alto também que são
estampadas notícias de grande apelo popular mas discutível relevância, como o
resultado do jogo do Flamengo ou a bela modelo eliminada do reality show.
Outro dia, a importante notícia de que o desemprego entre os
jovens no Brasil havia caído pela metade estava lá embaixo, pequenininha,
enquanto o desfile da Unidos da Tijuca era escancarado lá no alto…
Em geral, as marolas e intrigas políticas de ocasião, ganham
grande destaque, enquanto fatos de importância para além da nossa época são
negligenciados. Veja o destaque dado agora à suposta "crise" na base
de apoio do governo.
Nos telejornais e nos informativos radiofônicos, em primeiro
lugar eles dão aquela notícia que querem que você esqueça logo, como a denúncia
de corrupção contra o político apoiado pelos donos da emissora e pelos
empresários que a sustentam com seus anúncios. Deixam para o final aquelas
informações que, para servirem a seus interesses, devem ficar na sua cabeça.
II - Repare nos verbos usados. Em jornalismo, o verbo é
tudo. Se escrevem que o governador "afirmou", é uma coisa. Mas
escrevem que ele "admitiu", já vem uma carga desfavorável implícita
na semântica. "Sustentar", "reconhecer",
"argumentar", entre outros, são verbos usados para colocar alguém em
posição defensiva, jogando sobre este sempre alguma suspeição.
Por outro lado, se optam por "decretou",
"sentenciou", "definiu" e "concluiu", isso mostra
que o fulano em questão é um grande amigo do jornal. "Garantiu",
então, é assinar embaixo do que o entrevistado falou.
Se o fulano "sacramentou", ele é amicíssimo!
III - Aos amigos, tudo, principalmente uma boa foto. Aos
inimigos, uma careta. Uma vez, um ator e diretor de TV e teatro ligou para o
jornal em que eu trabalhava para reclamar de uma foto dele publicada em ângulo
desfavorável, Vaiodoso que só, não gostou de sair nas páginas de rosto
franzido, Bolas, ele fazia um papel de vilão, a foto, do personagem, era
pertinente... Com os políticos, essa distinção de imagem é muito usada. Algumas
fotos chegam a ser sonegadas ao público, como foi recentemente aquela em que
Dilma Rousseff e o ator Sean Penn apareceram lado a lado. Você viu?
IV - Um jornal não é do dono, é das empresas que nele
anunciam. Por isso, H.L. Mencken, grande jornalista americano, dizia, já nos
anos 1920, que um pasquim popularesco é mais confiável do que um gigante da
mídia. Sem anúncios, um jornal é verdadeiramente independente (pena que não
dura).
Imagine se um dos jornais em que eu trabalhei publicaria a
denúncia de que o banheiro do Mc Donalds da Cinelândia havia se transformado em
ponto de encontro de homossexuais e garotos de programa. Um absurdo,
funcionários dizendo que nada podiam fazer e crianças se arriscando a se
deparar com aquelas cenas. Claro que o editor disse pra eu jogar a apuração no
lixo…
Outro chefe meu ignorou a situação caótica que testemunhei
no Hospital da Posse, em Nova Iguaçu, porque a divulgação daquilo não seria
nada boa para a facção política que detinha o poder na época.
Da mesma forma, jornais com muitos anúncios dos governos
estaduais, municipais ou federal pensam dez vezes antes de publicar algo que
realmente vá incomodar seus mantenedores. Fica sempre aquele morde e assopra
entediante, em que pequenas denúncias frívolas se alternam a matérias
escancaradamente chapa branca. Quando o governo Lula pulverizou a verba de publicidade
em impressos, diluindo-a por jornais menores do interior, os grandes da mídia
ficaram fulos da vida.
V - Leia os editoriais. Ali, onde os editores manifestam de
forma mais clara a posição do jornal, fica evidente que corrente política eles
apoiam e qual querem ver longe do poder, ou melhor, da chave dos cofres
públicos. Gozado é que lá, onde têm a prerrogativa de opinar, eles procuram
fazê-lo da forma mais suave possível, com uma linguagem rebuscada e fugidia que
torna todo editorial chatíssimo de ler.
VI - Dê uma olhada na escalação do time de colunistas. Em
geral, todos dizem o que o patrão quer, e por isso ele os coloca lá. Esses
papagaios permitem ao dono reverberar suas opiniões e posições. já que só
pensam em garantir seus empregos e têm como traço comum, além da cara de pau, a
mediocridade. A tarefa calhorda é considerada tão nobre hoje em dia que alguns
colunistas até se tornam imortais da Academia Brasileira de Letras.
Não deixe que aluguem a sua cabeça, mas, se não houver outro
jeito, cobre um aluguel bem caro.
No Palavra Livre
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