Em meio ao caso do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, o Senado reinicia os trabalhos legislativos em fevereiro com o projeto de reforma da Lei de Execução Penal, em tramitação. Para o consultor legislativo Tiago Ivo Odon, as mudanças propostas podem reduzir a superpopulação nos presídios. Além de tornar mais ágeis os processos, o projeto traz medidas que podem diminuir o poder de facções nos presídios.
"O indivíduo deve sofrer o peso de punição do Estado pelo crime, mas isso não deve ser feito em condições desumanas". |
O texto, elaborado por uma comissão de juristas nomeada pelo Senado, prevê quase 200 alterações na Lei de Execução Penal. Entregue no final de 2013, será agora analisado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Um dos principais objetivos é justamente reduzir a superlotação nos presídios, apontada como principal causa das rebeliões.
De acordo com o relatório elaborado pelos juristas, o Brasil é o quarto país do mundo em número absoluto de presos. E esse número, segundo o texto, tende a aumentar consideravelmente. Entre 2005 e 2012, a população carcerária no país cresceu mais de 64%, passando de cerca 334 mil presos para 550 mil. Com isso, a proporção de 181 presos para cada 100 mil habitantes cresceu para 279 presos.
“Segundo as estatísticas, se o ritmo de crescimento continuar como está hoje, em dez anos teremos mais de um milhão de presos”, afirma o consultor.
A informatização de todo o processo, desde o recolhimento até a soltura do preso, é uma das principais inovações propostas, na opinião de Tiago Odon. O projeto prevê a criação de centrais informatizadas para controlar, em tempo real, as vagas e o cumprimento das penas. As guias, hoje de papel, passariam a ser emitidas por meio eletrônico. As mudanças devem reduzir a burocracia no sistema prisional.
Uma das consequências desse novo processo é o fim dos alvarás de soltura. Ao final da pena, não será mais necessário esperar o documento expedido pelo juiz de execução, o que hoje leva pessoas que já deviam estar soltas a permanecer na prisão. O fim do tempo será informado pelo diretor do presídio ao juiz com 30 dias de antecedência. Se não houver manifestação, a liberação será automática, na manhã do dia previsto para a liberação. A transferência de regime também será automática.
“Tudo vai ser feito em tempo real e o projeto torna direito do preso ter conhecimento da situação sempre que quiser”, diz o consultor.
Capacidade dos presídios
Ainda no que diz respeito à superlotação, o texto elaborado pelos juristas proíbe o recebimento de presos além da capacidade do estabelecimento. Quando o limite de lotação for atingido, terão de ser realizados mutirões carcerários para avaliar a situação dos presos e abrir novas vagas.
Tiago Odon, no entanto, alerta para o risco de que a mudança não surta tantos efeitos na prática. Hoje, por exemplo, a lei já prevê o máximo de um preso por cela, o que não é cumprido. O texto amplia esse número para oito presos, número ainda distante da realidade de algumas penitenciárias.
Se houver o cumprimento da lei, presos em estabelecimentos com limite excedido podem ganhar o direito de obter progressão antecipada de regime. O benefício, de acordo com o projeto, será concedido aos que estiverem mais perto de completar o tempo para a progressão.
O projeto também proíbe a permanência de presos provisórios nas penitenciárias e prevê a criação de cadeias públicas, estabelecimentos adequados a esse tipo de preso, em todas as comarcas. Além disso, elimina as carceragens nas delegacias, que também têm sido usadas para abrigar presos em situação provisória. Todas as carceragens deverão ser extintas até quatro anos depois da vigência da lei.
Penas alternativas
Tiago Odon também destacou como avanço do projeto para diminuir a quantidade de presos a ampliação das possibilidades de penas alternativas. Para ele, há uma pressão da sociedade, que considera as penas restritivas de direitos - como prestação de serviços - um incentivo à impunidade. Com isso, é mantida uma cultura, por parte dos juízes, de privilegiar a prisão.
A conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos, atualmente, é permitida no caso de penas de até dois anos para condenados em regime aberto, mas o projeto a torna possível em penas de até quatro anos em regime semiaberto.
Além de facilitar a conversão de penas, o projeto prevê a extinção das casas do albergado, estabelecimentos penitenciários para presos submetidos ao regime aberto. Pelo projeto, esses presos serão submetidos ao regime domiciliar, em que o condenado pode trabalhar e estudar, mas permanece recolhido em casa nas horas de folga. Como não há albergues suficientes, muitos juízes, atualmente, já permitem o cumprimento do regime aberto em casa.
Poder de facções
Outras alterações presentes no projeto que não receberam tanto destaque, na opinião do consultor, podem contribuir para a redução no número de rebeliões. Isso porque, embora a superlotação seja apontada como principal causa das revoltas, a ação de facções criminosas dentro dos presídios também favorece esse tipo de acontecimento, cada vez mais frequente.
No Complexo Penitenciário de Pedrinhas, visitado esta semana por uma comitiva de senadores, foram assassinados cerca de 60 detentos somente em 2013. “O texto reduz os espaços em que as facções podem operar e isso é um avanço. Acho que há boas possibilidades de reduzir bastante a questão das rebeliões”, avalia o consultor.
Uma das mudanças destacadas por Tiago Odon é a obrigatoriedade de fornecimento de produtos de higiene aos presos. Atualmente, não há essa obrigação, e o material que os apenados recebem da família, por exemplo, é usado como moeda de troca dentro do presídio.
Isso também acontece com os celulares que as organizações mantêm ilegalmente dentro dos estabelecimentos. Como o texto prevê expressamente o uso de telefone público monitorado pelas autoridades, esse poder das facções pode perder importância.
Além disso, o projeto diminui, em alguns pontos, o poder dos diretores dos estabelecimentos, que muitas vezes, acabam privilegiando grupos específicos. Com a alteração, é o juiz − e não mais o diretor − que decide sobre a suspensão de direitos do preso, como a comunicação com pessoas de fora, a recreação e as visitas.
Ressocialização
O projeto busca, ainda facilitar o processo de reinserção social dos presos. São previstas saídas temporárias mais frequentes, porém mais curtas, como ocorre em países da Europa. Essas saídas autorizadas, que atualmente chegam a sete dias, quatro vezes ao ano, poderão ser de até três dias por mês. Para o consultor, só será possível avaliar os benefícios na prática, caso as mudanças entrem em vigor.
Os municípios também vão desempenhar um papel na recuperação dos egressos do sistema e dos condenados que cumprem pena em regime aberto, nos casos de pequenas infrações. Por meio de centrais de penas alternativas e patronato, as prefeituras deverão encaminhar essas pessoas para atividades de escolarização, trabalho e qualificação, além dos tratamentos de saúde.
“É notável a preocupação do projeto com a ressocialização: abreviar o tempo de prisão, fazer com que a pessoa seja estimulada a estudar e trabalhar. Há realmente essa preocupação com a ressocialização, que hoje é um problema sério no sistema”, afirma Odon.
Entre as medidas relacionadas ao estudo está a existência de salas de aula e laboratórios de informática nas prisões, além das bibliotecas já previstas na lei atual. O texto também inclui entre as atividades que garantem remissão de parte do tempo da pena o artesanato e a leitura. O texto também dá preferência para a produção de alimentos dentro dos presídios, com estímulo ao trabalho interno dos apenados.
Previsão de votação
A discussão do projeto que reforma a Lei de Execuções Penais deve começar assim que o Congresso abrir seu ano legislativo, no início de fevereiro. A previsão é do senador Sérgio Sousa (PMDB-PR), relator do projeto de lei do Senado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Ele acredita que o texto final poderá ser votado pelo colegiado em março, e, caso aprovado, seguirá para o Plenário no mesmo mês.
Para o senador, o principal problema do sistema penitenciário atualmente é a gestão e a falta de informatização. Ele citou, por exemplo, a dificuldade de identificação biométrica dos cidadãos quando saem de seus estados de origem e a falhas no cumprimento das ordens de prisão.
“O fato de 80% dos crimes não saírem da fase de inquérito gera uma grande sensação de impunidade no Brasil e leva à reincidência”, lamentou o senador. Souza insiste que o indivíduo deva sofrer o peso de punição do Estado pelo crime, mas salientou que isso não deve ser feito em condições desumanas.
Da Redação em Brasília
Portal Vermelho
Com Agência Senado
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