Nova lei altera forma como são outorgadas as terras públicas
no Brasil e permite que lotes sejam vendidos a terceiros.
O presidente golpista, Michel Temer (PMDB), sancionou nesta
terça-feira (11) a Medida Provisória (MP) 759/2016, conhecida como "MP da
Grilagem", que estabelece a regularização fundiária e promove alterações
estruturais em legislações do campo e da cidade. A medida, aprovada sob
protestos no Senado Federal em maio, é criticada por movimentos populares e
organizações do campo por privilegiar a especulação de terras, o desmatamento e
prejudicar a reforma agrária.
Temer assinou o texto, agora convertido em lei, durante o
lançamento do Programa Nacional de Regularização Fundiária no Palácio do
Planalto. O peemedebista afirmou que a medida de concessão de títulos é
"singela e trivial".
Segundo o presidente golpista, a medida vai proporcionar a
"sensação" de que os novos titulados "participam de um grupo da
cidadania brasileira". Temer afirmou ainda que seu governo, "vítima
das mais variadas contestações", fez mais no último um ano e meio do que
foi feito nos últimos 20 anos: "O que é importante é que enquanto alguns
protestam, a caravana passe. E a caravana está passando", disse o
peemedebista sobre as críticas que o governo tem recebido.
Durante a tramitação no Congresso Nacional, a proposta
recebeu mais de 700 emendas, mas ainda assim manteve a essência desejada pelo
Planalto. No pronunciamento desta terça, o ministro das Cidades, Bruno Araújo,
parabenizou os parlamentares e afirmou que a proposta saiu do Congresso
"muito melhor do que entrou", citando o papel do senador Romero Jucá
(PMDB-RR) para a aprovação da proposta.
Jucá, que integra a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA),
conhecida popularmente como “bancada ruralista”, associada aos interesses do
agronegócio, foi o relator da proposta no Senado. Ele aumentou a área limite
para regularização, que passou de 1,5 para 2,5 hectares, além de ampliar o
público-alvo da regularização e permitir que ocupantes anteriores a julho de
2008 participem do processo.
Críticas
A nova lei altera, entre outras regras, a forma como são
outorgadas as terras públicas no Brasil. Em vez de ser dada uma concessão para
que a terra seja utilizada de acordo com sua função social e de forma
hereditária, o governo passa a dar uma titulação — a nova modalidade, entre
outras coisas, permite que o lote seja vendido.
O pesquisador Sergio Sauer, professor do Programa de
Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural da Universidade de
Brasília (UnB), disse, em entrevista ao Brasil de Fato que, ao permitir que os
lotes sejam vendidos a terceiros, a MP coloca em xeque o cumprimento da função
social da terra, previsto em lei, e favorece a exclusão no meio rural.
“O objetivo é atender ao mercado de terras e à expansão dos
negócios, especialmente a expansão das fronteiras agrícolas a partir do modelo
hegemônico de desenvolvimento agropecuário, resultando em mais concentração
fundiária, exclusão e expropriação da população pobre do campo”, assinalou o
professor.
A meta do governo federal é que o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra) emita 230 mil titulações de posse no
próximo ano. Segundo um levantamento da Pública, a lei vai regularizar mais de
2 mil imóveis irregulares na Amazônia e ampliar os limites do programa Terra
Legal — instrumento de regularização fundiária, que concede título de
propriedade a posseiros de terras públicas em áreas não destinadas à
preservação ambiental — incorporando a ele uma área semelhante à do estado do
Rio de Janeiro, com 4,3 milhões de hectares.
A medida vai beneficiar os donos de 2.376 imóveis rurais que
incidem integral ou parcialmente em terras públicas não destinadas à Amazônia
Legal. Esses imóveis ocupam 6,3 milhões de hectares, mais de 4,8 milhões deles
em intersecção com terras da União encampadas no programa.
Municipalização
A nova legislação prevê ainda a municipalização da seleção
dos beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária, ou seja, das
famílias que devem ser assentadas.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) afirma
que a municipalização vai retirar a responsabilidade da União em relação a um
tema que diz respeito ao território nacional. Alexandre Conceição, integrante
da coordenação nacional do MST, diz que o objetivo do governo é fazer as
organizações do campo retrocederem em relação às ocupações.
"Nem todas as famílias que ocupam uma terra em um
município, reivindicando a desapropriação, são daquela cidade. Muitos são de
cidades vizinhas. Querem jogar o poder da seleção [dos beneficiários do
Programa Nacional de Reforma Agrária] para o coronel local", avaliou
Conceição.
Segundo o ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Patrus
Ananias (PT-MG), em entrevista concedida ao Brasil de Fato em dezembro do ano
passado, a medida vai inviabilizar a reforma agrária, na medida em que muitas
lideranças municipais são vinculadas aos grandes proprietários de terras.
“Quem conhece a realidade brasileira sabe que a grande
maioria das lideranças locais, regionais, prefeitos, vereadores, também outras
lideranças gestores municipais, estão muitas vezes vinculados aos grandes
proprietários de terra em seus municípios, em seus territórios”, aponta
Ananias.
Para o deputado, transferir a questão dos assentamentos da
reforma agrária para os municípios “é uma forma de inviabilizar a reforma e
inviabilizar o desenvolvimento da agricultura familiar, especialmente na
perspectiva do cooperativismo, da agroecologia, que é uma questão fundamental”.
Denúncia
No pronunciamento na tarde desta terça-feira, Temer
agradeceu aos deputados que o apoiaram
na sessão da CCJ nesta segunda-feira, durante a leitura do parecer do deputado
Sergio Zveiter (PMDB-RJ) pela admissibilidade da denúncia da Procuradoria-Geral
da República (PGR) contra o presidente golpista. Ele afirmou que o processo é
uma "injustiça que se faz com o Brasil".
Edição: Vanessa Martina Silva
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