"A entrada no serviço público por concurso público de
conhecimentos e especialidades, junto com a estabilidade no emprego, são
fundamentais para a defesa do cidadão e da cidadã".
O cidadão brasileiro só terá garantia de tratamento imparcial
no serviço público, fora da influência do poder político-partidário dominante,
até o fim da atual geração de servidores. Os funcionários das futuras gerações
não terão estabilidade. É um recuo de décadas no processo de construção de uma
burocracia pública imparcial. Esses ignorantes em ciência política que
assaltaram os postos de mando no Brasil não conhecem aspectos elementares da
ciência política. Raciocinam como economistas toscos, distantes de funções
públicas.
A estabilidade no emprego não é privilégio de servidor. É
uma garantia do cidadão. O servidor munido das prerrogativas de estabilidade
pode dizer não ao político e mesmo a um mandatário que exige tratamento
privilegiado num hospital, sem medo de ser demitido. É claro que alguns agem
partidariamente. Essa, porém, não é a regra. A regra é a imparcialidade no
tratamento de cidadãos e cidadãs. Se o servidor não cumpre essa regra, é um
defeito dele ou mesmo uma irregularidade administrativa que pode ser punida com
demissão.
Caso não tivesse direito a estabilidade, o promotor que
investiga o caso Marielle já teria sido demitido. Aliás, a sociedade tem todo o
direito de cobrar dele imparcialidade nas suas ações. Sobretudo no caso dos
documentos de controle da portaria do condomínio onde mora Jair Bolsonaro,
solapados da investigação pelo presidente da República com a evidente intenção
de esconder provas e indícios de seu envolvimento no caso. Aqui a situação se
inverte: se não cumprir o seu dever na recuperação da prova, o promotor deve
ser demitido a bem do serviço público, depois do devido processo legal.
Por causa das críticas históricas e universais à burocracia,
a sociedade tem grandes restrições ao serviço público. Em muitos casos tópicos
e particulares ela tem razão. Mas esse é um mal que vem para o bem. Na Grécia
clássica, a primeira democracia da história de dois mil e quinhentos anos
atrás, o grande estratego Péricles, quando assumiu o poder pela ala
democrática, instituiu o serviço público remunerado. A razão era que até então
só ricos exerciam cargos públicos. Com isso, defendiam somente os seus
interesses. A remuneração do servidor foi a fórmula encontrada para
democratização efetiva do serviço público.
Uma burocracia pública funcional, especializada e
hierarquizada foi fundamental para a consolidação do capitalismo e da
democracia política a partir do início da Era Moderna. Max Weber fez um ensaio
fascinante a respeito. Os Estados Unidos foram justamente um dos últimos países
democráticos que trataram de criar uma burocracia supostamente imparcial, com o
grave defeito de não terem um sistema de concursos. Até fins do século XIX
vigorava o sistema de butim, pelo qual o presidente que entrava varria dos
cargos públicos todos os servidores do partido adversário. Isso mudou em fins
do século XIX, mas não muito.
A entrada no serviço público por concurso público de
conhecimentos e especialidades, junto com a estabilidade no emprego, são
fundamentais para a defesa do cidadão e da cidadã. Do contrário, introduziremos
também aqui o sistema de butim, em prejuízo óbvio da população, e sobretudo da
população pobre. Esta não tem meios para transformar os quadros públicos em
joguetes dos partidos dominantes, como acontece hoje com Jair Bolsonaro, que
tentou até mesmo enfiar um filho sabidamente incompetente em diplomacia no mais
alto cargo do Itamaraty no exterior.
*José Carlos de Assis
é economista e jornalista.
Fonte: Monitor Mercantil
Nenhum comentário:
Postar um comentário