Por Kiko Nogueira
“A medicina é a minha legítima esposa; a literatura é apenas
a minha amante.” O escritor russo Anton Tchekhov, gênio inovador do conto,
escreveu uma carta para seu irmão em 1886. Nikolai estava morando em Moscou e
tentava a vida como pintor. Queixava-se de ser um artista incompreendido. “As
pessoas te entendem perfeitamente bem. Se você não entende a si mesmo, não é
culpa delas”, escreveu-lhe Tchekhov.
Na carta, Tcheckhov tenta explicar o que é ser
verdadeiramente educado. Basicamente, em sua visão, trata-se de ter elegância
intelectual, mais do que ler livros ou falar sobre livros que você leu ou não
leu. Num momento em que ser burro, histérico e vulgar está na moda, os oito conselhos
de Tchekhov são bastante úteis.
Pessoas cultas devem, em minha opinião, satisfazer as
seguintes condições:
Respeitam a personalidade humana e, pelo mesmo motivo, são
sempre amáveis, gentis, educadas e dispostas a ceder ante os outros. Não fazem
fila por um martelo ou uma peça perdida de borracha indiana. Se vivem com
alguém a quem não consideram favorável e a deixam, não dizem “ninguém poderia
viver contigo”. Perdoam o barulho e a carne seca e fria e as ocorrências e a
presença de estranhos em seus lares.
Têm simpatia não só pelos mendigos e os gatos. Ficam também
com o coração doído por aquilo que seus olhos não vêem. Levantam-se na noite
para ajudar [...], para pagar a universidade dos irmãos e comprar roupa para
sua mãe.
Respeitam a propriedade de outros e, em conseqüência, honram
todas as suas dívidas.
São sinceras e temem à mentira como o fogo. Não mentem
inclusive em pequenas coisas. Uma mentira é o mesmo que insultar quem está
escutando e colocar em uma perspectiva mais baixa quem está falando. Não
aparentam: comportam-se na rua como em sua casa e não presumem ante seus
conhecidos mais humildes. Não tagarelam e não obrigam a confidência
impertinente dos outros. Por respeito aos ouvidos de outros, calam mais
frequentemente do que falam.
Não se sentem menosprezados por despertar compaixão. Não
desertam a pena dos demais para que ele gemam e façam algo (ou muito) por você.
Não dizem “Sou um incompreendido” ou “Me tornei de segunda categoria” porque
isso é perseguir um efeito barato, é vulgar, velhaco, falso…
Não têm vaidade supérflua. Não se preocupam com esses falsos
diamantes conhecidos como celebridades, que apertam a mão de bêbados ou são
reconhecidos nas tabernas. Se ganham alguns centavos, não se pavoneiam como se
estes valessem centenas de reais e não alardeiam que podem entrar onde outros
não são admitidos. [...] Os verdadeiramente talentosos sempre se mantêm nas
sombras entre a multidão, tão longe quanto seja possível do reconhecimento.
Se têm um talento, respeitam-no. Sacrificam o descanso, as
mulheres, o vinho, a vaidade. Sentem-se orgulhosos de seu talento. Ademais, são
exigentes.
Desenvolvem para si a intuição estética. Não podem ir dormir
com a roupa do corpo, ver rachaduras das paredes cheias de insetos, respirar um
ar ruim, caminhar no piso recém cuspido. Pretendem tanto quanto seja possível
conter e enobrecer o instinto sexual. O que querem em uma mulher não é apenas
uma colega de cama. Não pedem inteligência que se manifesta na mentira
constante. Querem, especialmente se forem artistas, frescor, elegância,
humanidade, capacidade de ser mãe. Não tomam vodca a qualquer hora do dia e
noite, não cheiram os armários porque não são porcos e sabem que não o são.
Bebem apenas quando estão livres, de vez em quando. Porque eles querem mens
sana in corpore sano.
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