Orígenes Lessa |
Ariovaldo Mendes curtira por ela, desde que a conhecera, uma
fulminante e desesperada paixão. Anos correram, sofreu ele as mais radicais
mudanças na vida, com desastres íntimos e mortes na família, mas o amor, apesar
da indiferença com que era recebido, não se lhe extinguiu. Era uma verdadeira
obsessão, constante, única, eterna. Muitas vezes lutou Ariovaldo Mendes contra
si mesmo. Era preciso acabar. Seria uma tolice, uma loucura sem nome,
entregar-se desvairadamente àquele amor inútil, que não seria jamais
correspondido. Mas em vão raciocinava e se debatia. O amor era superior às suas
forças. Tomara-o de improviso aos quinze anos e seguiria com ele em vida em
fora, sem lhe dar trégua nem descanso. Já datava de dez anos. Tinham sido dez
anos de martírio. E o martírio __ ele estava certo disso __ o seguiria até à
morte!
Maria Amália
nunca lhe dera a entender nada, sabendo da paixão que o devorava. Tratava-o com
simpatia, com uma simpatia feroz que o punha doido. Tratava-o como aos demais
frequentadores da casa, sem diferença alguma. Era a amiguinha, a camaradinha,
mas a mulher perfeitamente insensível, estranha ao seu amor.
Mais de uma
ocasião Ariovaldo procurou abrir-se, dizer-lhe tudo, falar dos seus
sofrimentos, do seu martírio, do seu amor. Mas no momento decisivo
desfalecia-lhe o ânimo. Que lhe adiantava falar? Amontoaria apenas motivos
novos para o seu ridículo, porque a sua inútil paixão era universalmente
conhecida. Falar dela seria contar a mais velha e tola de todas as novidades. E
seria melhor antes permanecer naquela meia incerteza que, quando nada, lhe dava
lugar a uma fugitiva sombra de esperança.
Um dia, porém,
ele se resolveu. Falaria! Viesse o que viesse, falaria, liquidaria tudo! Ou
sim, ou não, mas terminante, final! Se fosse repelido, voltaria para o seu
povoado longínquo do Nordeste, onde acabaria em silêncio, aniquilado e
fracassado, porque de nada lhe valia o seu talento, a sua cultura, o seu renome
social, se lhe faltava tudo, aquele amor.
Havia um baile em
casa de Maria Amália. Grande acontecimento social, muito decote e pouquíssimo
cabelo. Ariovaldo lá foi. Estava decidido.
Como que
providencialmente, encontrou-a no jardim, sozinha, a fugir da balbúrdia e do
calor das danças., verdadeiro suplício naquela noite escaldante de dezembro
carioca. Chegou-se e falou. Sem frases pontilhadas dos grandes adjetivos
sentimentais, sem citações poéticas nem lirismo de algibeira, declarou-se
francamente o seu amor, que ela não poderia ignorar, e pediu-lhe um sim ou não,
mas definitivo e formal.
Maria Amália não
se surpreendeu. Há muitos anos esperava aquele momento, que tanto e tão
absurdamente demorara. Mas infelizmente ela não o amava. Muita amizade, muita
simpatia, muito respeito, mas não havia amor.
Ariovaldo sorriu
com tristeza e despediu-se. Bastava-lhe aquilo.
Seguiu a pé,
acabrunhado, como um sonâmbulo, alheio e indiferente a tudo. Tinha impressão de
que um vácuo infinito e insanável se formara na sua alma. Fracassara toda a sua
vida. Desaparecera tudo. Ruíra tudo. Sonhos, ideais, aspirações, nada mais lhe
restava. E absorto como estava, esmagado e vencido, ao atravessar uma rua, foi
colhido pelo prosaísmo de um Ford em disparada.
Era um desfecho
banal de "notícias de última hora". Gritos, tropelia, assistência,
retratos nos jornais, visitas cerimoniosas de amigos compungidos.
Ao receber a
nova, Maria Amália sentiu um profundo abalo e correu a vê-lo. Ele estava entre
a vida e a morte, tal o choque recebido. Não a reconheceu quando, dizendo-se
sua noiva, obteve dificilmente permissão para o cuidar. E tratou-o com desvelo
apaixonado, passando insone dias e noites, como se daquilo dependesse a sua
própria existência. Os médicos e parentes iam ao ponto de censurar aquela
dedicação absurda, inexplicável, absoluta. Mas ela não se moveu de ao pé da
cama senão quando o viu perfeitamente salvo.
Foram dias de
angustiosa espera, até que o doente começou a voltar a si, como um
ressuscitado. Ariovaldo mal tinha ideia do que se passara e só muito lentamente
foi reconstituindo os acontecimentos anteriores. Via Maria Amália ao seu lado,
com uma expressão amiga e uma grande alegria no olhar macerado, mas não soube
precisar bem a sensação recebida. Voltava de um outro mundo. Parecia-lhe tudo novo.
Dias depois,
ainda pálido, Ariovaldo Mendes bateu à porta do palacete de Maria Amália , num
recanto delicioso de Copacabana. Maria Amália correu a recebê-lo com uma
alegria que não podia dominar. Mas o semblante anuviou-se-lhe quando o viu, com
a sua voz arrastada e triste, dar um tom cerimonioso à palestra. Vinha
agradecer-lhe do fundo d'alma a dedicação, o desinteresse com que o tratara,
com que se sacrificara quase pela sua vida. Ele não o merecia, não saberia
nunca pagar-lhe a bondade com que o desvelara.
Maria Amália quis
protestar, Ariovaldo interrompeu-a. Ninguém, mulher alguma faria o mesmo,
ninguém!
Olharam-se ambos
como se não se compreendessem. Houve uma ligeira pausa.
__ E, por último,
eu vinha me despedir...
__ Vai viajar?
__ Sigo amanhã
para o Norte ...
__ Sim? Por muito
tempo?
Definitivamente .
Já liquidei todos os meus negócios e nada mais me resta no Rio. Levo até
nomeação para um lugarejo da Paraíba.
__ Mas parte
assim, sem me ter dito nada?
__ E que poderia lhe dizer, senão vir
trazer-lhe as minhas despedidas?
Maria Amália não
respondeu. Tinha os olhos cheios d'água.
__ Que tem, Maria
Amália?
__ Mas o nosso
amor? Você não compreende quanto o amo, Ariovaldo?
Ariovaldo não podia mais compreender. Já era demasiado tarde. Muita
gratidão, muita
Via - Varal da literatura
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