Aeroporto Santos Dumont, 15:30. Senti um pequeno mal estar
causado por uma cólica intestinal, mas nada que uma urinada ou uma barrigada
não aliviasse. Mas, atrasado para chegar ao ônibus que me levaria para o
Galeão, de onde partiria o vôo para Miami, resolvi segurar as pontas. Afinal de
contas são só uns 15 minutos de busão. “Chegando lá, tenho tempo de sobra para
dar aquela mijadinha esperta, tranqüilo”. O avião só sairia às 16:30.
Entrando no ônibus, sem sanitários, senti a primeira
contração e tomei consciência de que minha gravidez fecal chegara ao nono mês e
que faria um parto de cócoras assim que entrasse no banheiro do aeroporto.
Virei para o meu amigo que me acompanhava e, sutil, falei: “Cara, mal posso
esperar para chegar na merda do aeroporto porque preciso largar um barro”.
Nesse momento, senti um urubu beliscando minha cueca, mas botei a força de
vontade para trabalhar e segurei a onda. O ônibus nem tinha começado a andar
quando, para meu desespero, uma voz disse pelo alto falante: “Senhoras e senhores,
nossa viagem entre os dois aeroportos levará em torno de 1 hora, devido às
obras na pista”. Aí o urubu ficou maluco querendo sair a qualquer custo. Fiz um
esforço hercúleo para segurar o trem merda que estava para chegar na estação
ânus a qualquer momento. Suava em bicas.
Meu amigo percebeu e, como bom amigo que era, aproveitou
para tirar um sarro. O alívio provisório veio em forma de bolhas estomacais,
indicando que pelo menos por enquanto as coisas tinham se acomodado. Tentava me
distrair vendo TV, mas só conseguia pensar em um banheiro, não com uma privada,
mas com um vaso sanitário tão branco e tão limpo que alguém poderia botar seu
almoço nele. E o papel higiênico então: branco e macio, com textura e perfume
e, ops, senti um volume almofadado entre meu traseiro e o assento do ônibus e
percebi, consternado, que havia cagado. Um cocô sólido e comprido daqueles que
dão orgulho de pai ao seu autor. Daqueles que dá vontade de ligar pros amigos e
parentes e convidá-los a apreciar na privada. Tão perfeita obra, dava pra expor
em uma bienal. Mas sem dúvida, a situação tava tensa. Olhei para o meu amigo,
procurando um pouco de solidariedade, e confessei sério: “Cara, caguei”.
Quando meu amigo parou de rir, uns cinco minutos depois,
aconselhou-me a relaxar, pois agora estava tudo sob controle. “Que se dane, me
limpo no aeroporto” – pensei. “Pior que isso não fico”. Mal o ônibus entrou em
movimento, a cólica recomeçou forte. Arregalei os olhos, segurei-me na cadeira,
mas não pude evitar e, sem muita cerimônia ou anunciação, veio a segunda leva
de merda. Dessa vez, como uma pasta morna. Foi merda para tudo que é lado,
borrando, esquentando e melando a bunda, cueca, barra da camisa, pernas,
panturrilha, calças, meias e pés. E mais uma cólica anunciando mais merda,
agora líquida, das que queimam o fiofó do freguês ao sair rumo à liberdade. E
depois um peido tipo bufa, que eu nem tentei segurar, afinal de contas o que
era um peidinho para quem já estava todo cagado. Já o peido seguinte, foi do
tipo que pesa. E me caguei pela quarta vez.
Lembrei de um amigo que certa vez estava com tanta caganeira
que resolveu botar modess na cueca, mas colocou as linhas adesivas viradas para
cima e quando foi tirá-lo levou metade dos pêlos do rabo junto. Mas era tarde
demais para tal artifício absorvente. Tinha menstruado tanta merda que nem uma
bomba de cisterna poderia me ajudar a limpar a sujeirada. Finalmente cheguei ao
aeroporto e, saindo apressado com passos curtinhos, supliquei ao meu amigo que
apanhasse minha mala no bagageiro do ônibus e a levasse ao sanitário do
aeroporto para que eu pudesse trocar de roupas. Corri ao banheiro e, entrando
de boxe em boxe, constatei a falta de papel higiênico em todos os cinco.
Olhei para cima e blasfemei: “Agora chega, né?” Entrei no último,
sem papel mesmo, e tirei a roupa toda para analisar minha situação (que conclui
como sendo o fundo do poço) e esperar pela minha salvação, com roupas limpinhas
e cheirosinhas e com ela uma lufada de dignidade no meu dia.
Meu amigo entrou no banheiro com pressa, tinha feito o
“check-in” e ia correndo tentar segurar o vôo. Jogou por cima do boxe o cartão
de embarque e uma maleta de mão e saiu antes de qualquer protesto de minha
parte. Ele tinha despachado a mala com roupas. Na mala de mão só tinha um pulôver
de gola “V”. A temperatura em Miami era de aproximadamente 35 graus.
Desesperado, comecei a analisar quais de minhas roupas
seriam, de algum modo, aproveitáveis. Minha cueca joguei no lixo. A camisa era
história. As calças estavam deploráveis e, assim como minhas meias, mudaram de
cor tingidas pela merda. Meus sapatos estavam nota 3, numa escala de 1 a 10.
Teria que improvisar. A invenção é mãe da necessidade, então transformei uma
simples privada em uma magnífica máquina de lavar. Virei a calça do lado
avesso, segurei-a pela barra, e mergulhei a parte atingida na água. Comecei a
dar descarga até que o grosso da merda se desprendeu.
Estava pronto para embarcar. Saí do banheiro e atravessei o
aeroporto em direção ao portão de embarque trajando sapatos sem meias, as
calças do lado avesso e molhadas da cintura ao joelho (não exatamente limpas) e
o pulôver gola “V”, sem camisa. Mas caminhava com a dignidade de um lorde.
Embarquei no avião, onde todos os passageiros estavam
esperando “O RAPAZ QUE ESTAVA NO BANHEIRO” e atravessei todo o corredor até o
meu assento, ao lado do meu amigo que sorria. A aeromoça se aproximou e
perguntou se precisava de algo. Eu cheguei a pensar em pedir 120 toalhinhas
perfumadas para disfarçar o cheiro de fossa transbordante e uma gilete para
cortar os pulsos, mas decidi não pedir: “Nada, obrigado. Eu só queria esquecer
este dia de merda!”
(Texto de autoria desconhecida porém é também atribuído a
Luís Fernando Veríssimo.)
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