Vladimir Putin anunciou esta terça-feira que o seu país registrou a primeira vacina do mundo contra o coronavírus. O Fundo de Investimento Direto da Rússia já teria recebido pedidos de duas dezenas de países.
Rússia é primeiro país a anunciar vacina pronta para fabricação
Por Cézar Xavier
No Portal Vermelho
«Vemos um grande interesse no estrangeiro pela vacina
desenvolvida» pelo Centro Nacional de Investigação de Epidemiologia e
Microbiologia Gamaleya, em Moscou, e «recebemos pedidos preliminares de 20
países para a compra de mais de um bilhão de doses da vacina», disse o
presidente do Fundo de Investimento Direto da Rússia, Kiril Dmitriyev.
Neste momento, ainda não são conhecidos os países que
fizeram os pedidos, embora Dmitriyev tenha sublinhado que a Rússia decidiu
produzir a sua vacina contra o Sars-CoV-2 em cinco países e que espera receber
a aprovação para a produção do fármaco em vários estados latino-americanos em
novembro.
No Brasil, o governo do estado do Paraná emitiu um
comunicado oficial anunciando que se reunirá amanhã com o embaixador da Rússia
para discutir uma possível parceria. Caso aprovada a negociação, o governo
estadual prevê que a vacina poderia ser desenvolvida em solo nacional.
Apesar do anúncio, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância
Sanitária) divulgou uma nota afirmando não ter sido procurada pelo laboratório
russo responsável pelo desenvolvimento da vacina. Para qualquer medicação ou
imunização ser aplicada e comercializada no Brasil, é necessário que mantenha
registro da Anvisa.
A vacina «Sputnik V»
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, anunciou hoje o
registo oficial de uma vacina russa, a primeira do mundo contra o coronavírus
Sars CoV-2, responsável pela pandemia de Covid-19.
«Tanto quanto sei, foi registada esta manhã uma vacina contra o coronavírus pela primeira vez no mundo», declarou Putin no início de uma reunião por videoconferência com o governo russo.
O chefe de Estado, que agradeceu a todos os que trabalharam
na vacina, afirmou que se trata de um «momento muito importante para o mundo
inteiro» e pediu ao ministro da Saúde, Mikhail Murashkin, que fornecesse
informação mais detalhada sobre os planos de imunização.
O presidente russo disse ainda que a vacinação da população
deverá ser realizada exclusivamente de forma voluntária e precisou que a
«vacina trabalha com eficácia e cria imunidade de forma estável, tendo passado
todos os testes necessários», disse.
Nos ensaios clínicos, que tinham como objetivo avaliar a segurança e os efeitos da vacina no organismo, participaram 76 voluntários. De acordo com os médicos, a investigação foi um
êxito e a vacina foi considerada segura, uma vez que, no
final do processo, «todos os voluntários tinham imunidade».
Yelena Smoliarchuk, diretora do centro de investigação
clínica sobre medicamentos da Universidade Sechenov, afirmou que a proteção
máxima é alcançada três semanas após a injeção, quando se desencadeia a
resposta do sistema imunológico.
De acordo com o Ministério russo da Saúde, a nível nacional,
a vacina será aplicada primeiro a médicos, professores e pessoas idosas. A
mesma fonte revelou que a nova vacina – designada Sputnik V – poderá ser
fabricada de forma massiva a partir de outubro e disse esperar que esteja em
circulação em janeiro do ano que vem.
Questionada no Ocidente
Sobretudo no Ocidente, tem sido questionado o processo de
validação da Sputnik V, com acusações de que a Rússia não está seguindo os
protocolos internacionais estabelecidos.
No entanto, Vadim Tarasov, cientista da Universidade
Sechenov, em Moscou, onde os testes tiveram lugar, afirmou que o país «tinha um
avanço», uma vez que passou os últimos 20 anos a desenvolver capacidades na
área e a tentar perceber como os vírus se transmitem.
Nikolay Briko, funcionário do Ministério da Saúde, ressaltou
a mesma noção de que a vacina não foi desenvolvida a partir do nada,
acrescentando que o Centro Gamaleya possuía um registro sério e significativo
no que respeita à pesquisa de vacinas.
Disse que a «tecnologia de desenvolvimento de tal vacina foi
aperfeiçoada. Então, talvez o processo tenha sido acelerado devido ao fato da
vacina não ter sido criada do zero».
Adenovírus humanos
O principal questionamento ocidental sobre a vacina diz respeito
à falta de publicação de informações científicas sobre seu desenvolvimento.
Leia abaixo como Kirill Dmitriev, presidente do Fundo Russo de Investimentos
Diretos (RFPI), explica a mecânica da vacina russa:
Desde a década de 1980, o Centro Gamaleya tem liderado o
esforço para desenvolver uma plataforma tecnológica usando adenovírus,
encontrados em adenoides humanos e normalmente transmitindo o resfriado comum,
como “vetores” ou veículos que podem induzir material genético de outro vírus
dentro de uma célula.
O gene do adenovírus que causa a infecção é removido,
enquanto um gene com o código da proteína de outro vírus é inserido. Tal
elemento inserido é pequeno e é uma parte não perigosa de um vírus, sendo
segura para o corpo, mas ajuda o sistema imunológico a reagir e produzir
anticorpos que nos protegem da infecção.
A plataforma tecnológica de vetores baseados em adenovírus
torna a criação de novas vacinas mais fácil e rápida, através da modificação do
vetor transportador inicial com o material genético de novos vírus emergentes.
Tais vacinas geram uma grande resposta do corpo humano com o intuito de criar
imunidade, enquanto o processo total de modificação vetorial e a produção em
escala piloto demora poucos meses.
Os adenovírus humanos são considerados dos mais fáceis para modificar desta maneira, portanto, eles se tornaram vetores muito populares. Desde o início da pandemia da Covid-19, o que os pesquisadores russos tiveram de fazer foi apenas extrair um gene codificador da espiga do novo coronavírus e o implantar dentro de um vetor adenoviral familiar para o colocar em uma célula humana.
Eles decidiram usar esta tecnologia já comprovada e
disponível em vez de entrar por um território desconhecido. Os estudos mais
recentes indicam que apenas duas doses da vacina são necessárias para criar uma
imunidade prolongada.
Desde 2015, pesquisadores russos têm trabalhado no modelo de
dois vetores, daí a ideia de usar dois tipos de vetores adenovirais, Ad5 e
Ad26, na vacina contra a Covid-19. Dessa forma, eles enganam o corpo, que
desenvolveu imunidade contra o primeiro tipo de vetor, e impulsionam o efeito
da vacina com a segunda dose usando um vetor diferente.
De modo comparativo, seria como dois trens que tentam levar
uma carga importante a uma fortaleza do corpo humano que necessita da entrega
para produzir anticorpos. Você precisa do segundo trem para ter certeza de que
a carga chegará a seu destino. Tal trem deverá ser diferente do primeiro, o
qual já foi submetido ao ataque do sistema imunológico do corpo e já é
conhecido deste. Desta forma, enquanto os outros desenvolvedores de vacinas
possuem um trem, nós temos dois.
Usando o método de dois vetores, o Centro Gamaleya também
desenvolveu e registrou uma vacina contra o ebola. Tal vacina tem sido usada
por milhares de pessoas nos últimos anos, criando uma plataforma vacinal
comprovada que foi usada para a vacina da Covid-19. Cerca de 2 mil pessoas na
Guiné receberam injeções das vacinas do Centro Gamaleya em 2017-18, enquanto o
mesmo possui uma patente internacional para sua vacina contra o ebola.
Método de dois vetores
Ambas as vacinas estão atualmente em estágios avançados de
testes clínicos. Tais conquistas mostram que os laboratórios russos não
perderam seu tempo nas últimas décadas, enquanto a indústria farmacêutica
internacional frequentemente subestimou a importância da pesquisa de novas
vacinas na ausência de ameaças globais à saúde antes da pandemia da Covid-19.
Outros países decidiram seguir nossos passos desenvolvendo
vacinas baseadas em vetores adenovirais. A Universidade de Oxford, Reino Unido,
está usando um adenovírus de um macaco, o qual nunca foi usado antes em uma
vacina aprovada, ao contrário dos adenovírus humanos.
A companhia americana Johnson & Johnson está usando o adenovírus Ad26 e a chinesa CanSino, o adenovírus Ad5 – os mesmos vetores usados pelo Centro Gamaleya. Mas eles ainda terão de dominar a técnica de dois vetores. Ambas as companhias já receberam grandes quantidades de encomendas de vacinas de seus governos.
O uso de dois vetores é uma tecnologia única, desenvolvida
pelos cientistas do Centro Gamaleya, o que diferencia a vacina russa de outras
vacinas vetoriais de adenovírus em desenvolvimento ao redor do mundo. É válido
ressaltar que vetores adenovirais possuem claras vantagens sobre outras
tecnologias, como as vacinas mRNA.
As futuras vacinas mRNA, ainda sob testes clínicos nos EUA e
em outros países, não usam vetores como transporte e representam uma molécula
RNA com um código de proteína de coronavírus envolto em uma membrana lipídica.
Tal tecnologia é promissora, mas seus efeitos colaterais, especialmente os
impactos na fertilidade, não foram estudados em profundidade.
Nenhuma vacina mRNA recebeu por enquanto qualquer aprovação
oficial no mundo. Acreditamos que, na corrida mundial por uma vacina contra o
coronavírus, vacinas vetoriais adenovirais serão as vitoriosas, mas até mesmo
nessa categoria a vacina do Centro Gamaleya está à frente.
As duas primeiras fases de testes clínicos foram concluídas
e seus resultados serão publicados neste mês, conforme exigências internacionais.
Tais documentos proverão informação detalhada sobre a vacina, incluindo os
exatos níveis de anticorpos mostrados tanto por diversos testes de terceiras
partes como pelo teste do proprietário Centro Gamaleya, os quais identificam os
anticorpos mais eficientes no ataque à espiga do coronavírus.
Eles também mostrarão que todos os participantes dos testes
clínicos desenvolveram imunidade de 100% contra a Covid-19. Estudos em hamsters
sírios, animais que normalmente morrem com a Covid-19, mostraram proteção em
100% e ausência de danos nos pulmões depois de terem recebido uma dose letal da
infecção.
Após o registro, os cientistas russos pretendem conduzir
testes clínicos internacionais em outros três países.
Com informações de agências internacionais
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