Protesto contra a fome e pela
reforma agrária no Paraguai
Esperanza Martinez denuncia que o modelo político e econômico do Paraguai privilegia um pequeno grupo de pessoas. Quase 86% das terras cultiváveis estão nas mãos de somente 5% da população.
Por Leonardo Wexell Severo
O Paraguai terá eleição
presidencial em abril de 2023. Em entrevista exclusiva, a candidata à
presidência pela Frente Guasú-Ñemongeta, Esperanza Martínez, fala sobre as
propostas para desenvolver o país.
Esperanza Martinez é médica, foi
ministra da Saúde e do Bem-Estar Social do governo de Fernando Lugo, entre os
anos de 2008 e 2012; em 2013 foi eleita senadora da República do Paraguai,
presidente da Comissão da Fazenda e Orçamento do Senado em 2020 e 2021.
Esta é a parte 2 da entrevista
exclusiva realizada com a candidata. Esperanza Martinez explica de forma mais detalhada
a atual situação econômica do Paraguai e os desafios para superar as
dificuldades.
Qual é a situação econômica do Paraguai hoje?
Nos encontramos numa situação
econômica em que este governo que sai nos deixará de herança uma dívida pública
absurda. Quando Lugo saiu da Presidência em 2012, a dívida pública do país era
de 10,2% do PIB e, atualmente, estamos chegando a quase 37%, 38% do PIB.
Acredito que este é um tema
relevante: o desafio de investir na dívida social, ao mesmo tempo em que
teremos os serviços da dívida pública herdados. Some-se às dificuldades em
termos do que restará da pandemia, do que vai se passar em termos de inflação,
de alta do petróleo e do fenômeno Ucrânia. Mais do que problemas locais, há um
contexto regional e internacional que, evidentemente, tornam mais complexo o
enfrentamento da situação.
População paraguaia protestou
contra a forma como o governo ligou com a pandemia, possibilitando alto número
de infecções. |
Como é viver em um país que exporta alimentos em meio à fome de seu próprio povo?
O modelo político e econômico do Paraguai
privilegia um pequeno grupo de pessoas. Quase 86% das terras cultiváveis estão
nas mãos de somente 5% da população, o que gera este modelo agroexportador,
concentrador de riquezas, em que os grandes não pagam impostos proporcionais
aos lucros que recebem e provocam um êxodo, uma migração interna, de muitos
agricultores para as cidades, agravando a pobreza. Além disso, não há um
projeto de desenvolvimento industrial e sequer semi-industrial, não há emprego.
Ao mesmo tempo, nossa agricultura
familiar não recebe os recursos necessários à produção de alimentos, há muitos
despejos de assentamentos, tanto de camponeses quanto de indígenas, algo
desumano.
Como aconteceu em Curuguaty?
Como foi lastimosamente o exemplo
de Curuguaty. Seguem os Curuguaty pelo Paraguai, seguem os camponeses
encurralados, agora por uma nova lei que criminaliza e impõe de seis a dez anos
de prisão, sem qualquer possibilidade de libertação, aumentando as penas de tal
forma que a luta pela justiça social fica ainda mais difícil, tanto para
agricultores como para indígenas.
Qual o significado da Pesquisa
Permanente de Domicílios (EPH) do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre
a insegurança alimentar?
Este estudo do Instituto Nacional
de Pesquisas revela que uma entre cada quatro famílias paraguaias (25%) foi
afetada pela insegurança familiar moderada ou grave, deixando de comer uma ou
mais vezes durante a semana ao longo de todo o ano passado. A pesquisa aponta
como um dos importantes problemas de acesso à cesta básica o aumento
generalizado dos preços e a inflação.
Ao mesmo tempo, sem um sistema de
comercialização, de apoio técnico e creditício aos agricultores, e com as
dificuldades de transporte – agravadas pela pandemia – temos um país que
aumenta o contrabando, a importação de alimentos como o tomate e o pimentão
verde. Resultado do nosso modelo extrativista, temos tido dois anos de seca. A
isso se soma a crise climática, que só agravou a situação, pois afetou a
quantidade e a qualidade da produção.
Candidata à presidência, Esperanza Martinez defende ampla unidade |
Como a senhora vê a construção desta frente ampla com os setores produtivos?
A Frente Guasú-Ñemongeta é quem
coloca estes temas que obrigatoriamente precisamos avançar. E acreditamos que
precisamos iniciar o processo de transformação deste modelo realizando um
grande cadastro nacional porque, neste momento, temos mais quantidade de terras
em títulos do que reais, havendo sobreposição e falsificação de títulos,
vendas, revendas e todo um esquema. Algo viciado, resultado da corrupção e da
aliança que tiveram com a ditadura, chegando até governos mais recentes.
Em toda esta disputa existente em
relação às terras da reforma agrária, uma minoria termina impondo o seu capital
sobre o poder judiciário, acima dos interesses das organizações sociais,
indígenas e camponesas.
Qual o papel da reforma agrária na transformação econômica do Paraguai?
Este é um tema estratégico, sobre
o qual precisamos buscar uma saída, esclarecendo, colocando os pontos nos is.
Afinal, são seis milhões de hectares de terras que chamamos mal-habidas
[griladas], que são parte do informe da Comissão de Verdade e Justiça formada
após a derrubada da ditadura. Temos os nomes, os montantes, os valores pagos,
não é algo que se possa continuar jogando para debaixo do tapete.
Há questões referentes à reforma
agrária e que deverão ser mais simples de enfrentar, como por exemplo o fato de
termos hoje mais de três milhões de hectares sem donos, muitos entregues a
assentamentos, mas que não se terminou de legalizar ou cujos títulos não foram
repassados. Tudo isso é parte deste processo de corrupção.
Então é necessário fazer um pacto
de justiça social, porque não haverá tranquilidade nem paz sem abordarmos esta
questão de forma progressiva e acordada. Precisaremos também de um parlamento à
altura e de mudanças no poder judicial que nos ajudem a avançar este processo.
O fato é que é um problema que
não podemos desconhecer, porque há despejos, há agricultores presos e
assassinados. Portanto, é algo que não se pode esconder e que necessitamos
debater entre todos. E resolver.
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