Na Super por Eduardo Szklarz
Toda vez que um papa ou um cardeal vem a público para
condenar o aborto, fica a impressão de que a Igreja sempre foi contra. Só que
não é bem assim. Já houve um tempo em que a interrupção da gravidez até foi
tolerada pelas lideranças católicas. Na verdade, o que ocorre é que os teólogos
cristãos nunca foram capazes de chegar a um consenso sobre o tema.
Segundo o escritor e religioso dominicano Frei Betto, a
oscilação da Igreja entre condenar o aborto e admiti-lo em certas fases da
gravidez é histórica. Por trás disso, sempre esteve a discussão sobre qual é o
momento em que o feto pode ser considerado ser humano. "No século 4, Santo
Agostinho defendia que só a partir de 40 dias após a fecundação se poderia
falar em pessoa", diz o religioso. "Quase 1 000 anos depois, no
século 13, São Tomás de Aquino reafirmou não reconhecer como humano o embrião
que não completou 40 dias, quando lhe seria infundida a alma racional".
Essa posição, de acordo com Frei Betto, virou doutrina oficial da Igreja a
partir do Concílio de Trento (século 16). Mas foi contestada por teólogos que,
baseados na autoridade de Tertuliano (século 3) e de Santo Alberto Magno
(século 13), defendiam a hominização imediata - ou seja, o ser humano existe
desde o momento da fecundação. Prevaleceu essa tese, que acabou incorporada
pela encíclica Apostolicae Sedis (1869), na qual o papa Pio 9º condena toda e
qualquer interrupção voluntária da gravidez.
Para a holandesa Rebecca Grompers, da organização
pró-legalização do aborto Women on Waves (Mulheres sobre Ondas), essa foi uma
decisão política. Em meio aos conflitos pela unificação da Itália, Pio 9º
precisou da proteção das tropas de Napoleão 3º. "O imperador tinha
problemas com a baixa natalidade, que prejudicava seus planos de industrialização.
Então, conseguiu que o papa declarasse que a alma humana era incorporada na
concepção. Em troca, a França o ajudou a retomar sua posição no Vaticano",
diz Grompers. No livro Life as It Is ("A Vida como Ela É", inédito no
Brasil), o biólogo americano William F. Loomis confirma o "toma lá, dá
cá": "Pio 9º declarou que a vida começa na concepção só para ser
protegido".
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