Pobres prisioneiros da mídia |
Por Alexandre Figueiredo
O que é o povo pobre, para o intelectual de nome? Embora ele insista em dissimular seu discurso com argumentos falsamente generosos e supostamente "sem preconceitos", ele demonstra total desconhecimento em relação a o que é, o que quer e o que vive o povo das verdadeiras periferias.
Claro, se é gente que conhece menos que fala e escreve para quem conhece menos ainda, então tudo se expressa na doce ilusão. Intelectuais que fingem conhecer bem o povo pobre, que defendem apenas a "cultura popular" das rádios FM e da TV aberta, das revistas fofoqueiras, dos jornais policialescos. E que se gabam de serem os "maiores conhecedores do povo pobre" em todo o Brasil.
Esses intelectuais mal vão tomar um chope nos botequins da esquina. Mal transitam, apressados, no vai-e-vem dos elevadores dos condomínios, apenas dão bom dia para porteiros e empregados do seu prédio. Quando muito, falam tão somente de futebol ou das notícias mais recentes. E, quando vão para as ruas, mal conseguem ver o comércio popular, em sua maior parte informal, com seu natural desdém de cidadão "abastado".
Sim, são eles que choram ao se lembrarem do brega romântico que ouviram, paternalísticamente, através dos rádios que suas empregadas tocavam. São eles que falam em "cultura popular" de periferias que eles desconhecem realmente.
Afinal, eles apenas têm um conhecimento livresco, que é essencial à sua parte, mas é incompleto. Eles carecem de vivência social autêntica, seus preconceitos elitistas não desaparecem através de generosas palavras.
Por isso vemos, diante de um Roberto Albergaria da vida - para quem não sabe, Albergaria é um professor de Antropologia da Universidade Federal da Bahia - ou de um Pedro Alexandre Sanches, comentários dignos do elitismo mais neurótico, coisas que nem uma Hildegard Angel, com toda sua elegância e o destaque dado aos granfinos em suas colunas, cogitaria sequer em fazer.
Ver que intelectuais desse porte, apesar de "endeusados" por muita gente na Internet, nas cátedras universitárias, nos auditórios acadêmicos, nas plateias em geral, chegam mesmo a defender a existência de valores machistas nas classes pobres, ou de outros baixos valores morais nessas classes, sob o mais cínico e estarrecedor argumento, diríamos "desculpa" mesmo, de que esses valores são inferiores "para nós", mas para o povo pobre são "valores elevados" e "sinônimos de felicidade".
A esse povo, só cabe a solidariedade hipócrita da intelectualidade, que apoia abertamente toda a mediocrização da cultura brasileira - um apoio que se tornou epidêmico em tempos politicamente corretos como os de hoje - sob a alegação que isso dá lucro (o mesmo argumento dos escravocratas de 150 anos atrás). Nada de cidadania, só a apologia feita às custas de argumentos nervosos, desesperados ou mesmo cafajestes (especialidade, esta, da dupla Roberto Albergaria e Milton Moura).
O povo é "exaltado" na sua mediocridade que não é assim reconhecida no discurso, mas o é na prática. Mas é um povo prisioneiro da mídia, marionete do mercado, só que é visto pela intelectualidade como "altamente criativo" na sua mediocridade resultante de muitos anos sem educação, sem valores sócio-culturais sólidos e edificantes, sem qualquer formação de cidadania.
E, para socorrer o povo dessa situação, vem o paternalismo da intelectualidade associada que, "bondosamente", reconhece os "méritos" da mediocridade cultural, atribuindo-lhe uma suposta genialidade, numa falsa solidariedade que serve na verdade de um falso heroísmo desses intelectuais.
Afinal eles, elitistas, no entanto exercem o poderio nas universidades, na imprensa, na mídia em geral. E, desse modo, usam a defesa dessa suposta "cultura das periferias" para reafirmar esse poderio. E, como eles entendem menos de periferia mas detém todo o domínio das técnicas acadêmicas, eles tornam-se semi-deuses para plateias que não entendem metade do que está por trás dessas armadilhas discursivas.
Enquanto isso, o povo pobre sofre com seus dramas, suas tragédias, e a intelectualidade etnocêntrica nem está aí. Não faz parte do espetáculo que eles defendem no seu discurso.
No Mingau de Aço
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