“No Paraguai temos um Estado terrorista que persegue as
pessoas pelo simples fato de organizar-se. Não há redistribuição da riqueza e a
pobreza extrema aumenta a cada dia”, denuncia Cony Oviedo, da Organização de
Mulheres Camponesas e Indígenas (Conamuri), se somando à greve geral convocada
pelas centrais sindicais e organizações estudantis, comunitárias e feministas
para os próximos dias 21 e 22 de dezembro. Na mesma data estará ocorrendo em
Assunção a Cúpula Social do Mercosul.
Abaixo, a íntegra da entrevista:
Neste momento, qual é o inimigo comum dos movimentos
sindical e social?
Enfrentamos um governo neoliberal que promove a privatização
de todos os entes do Estado, atentando contra direitos humanos que deveria
garantir, como a saúde e a educação. A falência no atendimento a estes setores,
conforme o governo, se deve supostamente ao fato de o Estado não poder mais
absorver os gastos, quando na realidade o povo paga por eles - e muito - seja
em impostos diretos ou em indiretos, mesmo nos produtos da cesta básica.
Enquanto isso, os grandes empresários não pagam. A proposta de colocar um
imposto sobre a soja continua engavetada. Então vemos quem é que sustenta não
só o Estado, como os pseudo representantes no parlamento e no executivo. Apesar
disso, não recebemos nada em termos de saúde, educação ou trabalho. Não há
qualquer contrapartida.
De que forma as leis da Aliança Público-Privada (APP) e Antiterrorista
se complementam?
Além da lei da Aliança Público-Privada, com a qual querem
privatizar todo o país, há a lei antiterrorista, para perseguir as
organizações, criminalizando quem se mobiliza contra esse governo do presidente
Horacio Cartes, claramente neoliberal, que promove a privatização de todas as
esferas do Estado. Temos presos políticos em nosso país, como os de Curuguaty,
há o caso dos seis de Tacumbú, todos coincidentemente encarcerados por lutar
pela terra.
Há também inúmeras denúncias de abusos contra camponeses,
pessoas que foram barbaramente torturadas ou assassinadas por militares, que
são forças do Estado. Então não estamos falando de coisas inexistentes, há
provas contundentes. Por mais que os meios massivos de comunicação e as estruturas
governamentais busquem encobrir, nós dos movimentos sociais denunciamos através
dos meios alternativos nacionais e internacionais, que são nossos aliados.
Contra que tipo de Estado vocês estão lutando no Paraguai?
No Paraguai temos um Estado terrorista que persegue as
pessoas pelo simples fato de organizar-se. É um governo que não busca o
desenvolvimento nacional, mas de empresários e “investidores” estrangeiros que
levam o dinheiro da exploração da soja e da carne para outros países. Não há
redistribuição da riqueza e a pobreza extrema aumenta a cada dia.
Recentemente houve um governo que adotava uma política que
ia na contramão desta dependência, mas foi vítima de um golpe.
O governo de Fernando Lugo começou com políticas públicas de
saúde, onde havia acesso a medicamentos, atenção médica, com o cidadão podendo
fazer uma cirurgia. Hoje não existe absolutamente mais nada nos hospitais, é
uma dor sentida todos os dias. Isso permite que o Partido Colorado (o mesmo do
general Alfredo Stroessner, que infelicitou o país de 1954 a 1989 com apoio dos
EUA) se aproveite do desespero das pessoas. E as pessoas acabam cedendo à
chantagem do clientelismo por necessidade.
Na educação é a mesma coisa, também não há emprego nem
moradia. Atualmente se busca expulsar os moradores das regiões periféricas, das
zonas inundáveis, que ergueram escolas, centros comunitários e igrejas, pessoas
que tornaram esses locais habitáveis. O Estado quer agora usar esses terrenos
para a especulação imobiliária, para instalar maquilas (empresas que têm como
marca o trabalho precário) e construir zonas turísticas. Então estas pessoas
que passaram a viver aí após serem expulsas do campo, começam a ser novamente
expulsas de suas casas.
E como agem as estruturais governamentais responsáveis pela
área rural?
O ministério da Agricultura também não tem uma política para
o campesinato ou para a comunidade indígena, nada sabe sobre as suas
necessidades reais. Desde que iniciou o ano estão tentando mudar no parlamento
a lei que altera a propriedade de terras indígenas. É um sinal de que a soja
transgênica está se expandindo, como o extrativismo que significa mais expulsão
de camponeses e indígenas. O eixo central, o problema paraguaio, é a má
distribuição da terra.
O negócio de Cartes é produzir para exportação. Só 6% do que
se produz em nosso país é para consumo interno. Dos 5,6 milhões de hectares
para produção, 5,2 milhões são para exportação. Estes números demonstram qual é
a política real deste governo. É uma mensagem que diz: vocês não podem viver no
campo e também não podem viver na cidade. A mensagem final é: vocês não têm
lugar neste país.
Isso explica a razão de tantos paraguaios terem de se mudar
para o exterior...
Exatamente. A maioria da região de Caaguazu, por exemplo,
está migrando para o Brasil, são jovens que vão encontrar trabalho precário na
indústria têxtil. Ficam os avós e as crianças. Em Itapua, departamento que
começa a plantação da soja transgênica, ocorre o mesmo, já não há jovens. Outro
departamento é Alto Paraná, onde pelo contato com a fumigação de soja
transgênica se multiplicam casos bastante graves de crianças nascidas com
deficiência física ou mortas. O Ministério de Saúde fala de qualquer outra
coisa, atribui a qualquer enfermidade, mas cala sobre os venenos jogados sobre
as comunidades.
Em Itakyry estavam plantando soja a 50 metros de uma escola.
Após a denúncia, a comunidade conseguiu que retrocedessem. Então o que ocorreu?
A erva-mate nativa, cultivada pelas famílias, foi contaminada. A metade da
produção deste ano se perdeu e, talvez, também a do próximo. Veja a gravidade,
pois esta é uma erva-mate que brota sozinha. O que ocorre é que se destrói o
meio ambiente, se contamina a água que muitos indígenas bebem. Há três meses
morreu uma menina de 12 anos e suas duas irmãzinhas foram internadas com os
mesmos sintomas.
O governo reconhece tais crimes?
Não. Disseram para a mãe que era pneumonia, mas há fotos das
mãos, com feridas e queimaduras que saem na pele. São muitos os caos de
má-formação. Mas não há estatísticas reais, embora muitos médicos tenham
diagnosticado que existe obviamente uma relação com a fumigação. Há casos
próximos a Ciudad del Este, na fronteira com o Brasil, que podem ser facilmente
comprovados. Da nossa parte seguiremos resistindo a um modelo de exclusão e
contaminação que está matando as comunidades, cortando seu sustento econômico e
inviabilizando o país.
Via – Bog do Miro
Nenhum comentário:
Postar um comentário