Estancados na miséria, sem outra alternativa que a
exploração, milhares de crianças da África ocidental trabalham de sol a sol
para satisfazer o mercado internacional de um dos manjares dos deuses: o
chocolate.
O grão de cacau cruzou o Atlântico a partir da América há
dois séculos e erigiu seu trono nas férteis terras tropicais da Costa do
Marfim, Gana, Camarões e Nigéria, entre os mais notáveis cultivadores da planta
que hoje gera imensa riqueza para as multinacionais que comercializam o produto
elaborado.
Com o nome científico de Theobroma cacau, que em latín
significa comida dos deuses, a planta converteu a Costa do Marfim e Gana em
seus maiores exportadores. E seu principal derivado, o chocolate, move
anualmente bilhões de dólares.
O cacau de Gana é considerado um dos melhores. Mas se
destacam os da Costa do Marfim, que é o principal produtor. E, em defesa de
seus interesses, a França entrou em disputa contra o ex-presidente Laurent
Gbagbo.
O aroma da guerra
Em torno da exploração dessa riqueza, o governo de Gbagbo
entrou em conflito com os franceses, ao se afastar – por razões que incluem o
clientelismo populista –da proposta de ajuste neoliberal.
Nisso sobressaiu o componente francês das forças da ONU, e
seus aliados internos, que inclinaram a balança da crise pós- eleitoral de 2010
a favor de Alassane Damane Ouattara, que na década de 1990 foi primeiro
ministro da Costa do Marfim.
O novo regime comandado por Alassane Outtara se encarregou
de reformular as relações exteriores, principalmente as econômicas e
comerciais.
Crise afeta o preço do cacau
É um contexto importante, no qual a Costa do Marfim fornece
40% da produção mundial de cacau que, comercializado, contribui com os ganhos
imensos e reafirmam seu papel de monoprodutor na divisão internacional, dessa
importante comodittie.
“Atualmente a África ocidental é a maior região produtora de
cacau do mundo, com quase 70% do total, a maioria da qual é para exportação. O
fruto é o principal produto agrícola de exportação da região, e representa
quase a metade dos rendimentos por este conceito”, diz a especialista Nicole
Figot.
As perspectivas de crescimento são grandes, mostra um estudo
do Euromonitor, pois o mundo chegou a consumir mais de quatro milhões de toneladas
de cacau, um aumento de 32% em 10 anos.
Por sua vez, a China estima que sua demanda anual crescerá
em 5% até 2018.
Na África há plantações onde trabalham, em condições muito
difíceis, quase 300 mil crianças, sob domínio das multinacionais e fora daquilo
que seria um comércio justo. Trabalham 12 horas por dia, com pagamentos
miseráveis, e submetidas a um tipo de vida muito precário.
A história das crianças trabalhadoras é um exemplo da
degradação da humanidade ante um fenômeno que lembra como o desenvolvimento
comercial do Ocidente está baseado no doloroso tráfico humano. Que, em três
séculos, tirou pela força, do continente africano, cerca de 20 milhões de
pessoas submetidas ao trabalho escravo.
No entanto, desde o ângulo humanitário, são crianças às
quais é negada a infância, e submergem no âmbito da cruel exploração de seu
trabalho, como único meio para conseguir um bocado de comida para eles e suas
famílias.
A maior parte dos pequenos produtores e trabalhadores do
cacau vive abaixo dos níveis de pobreza, sobretudo os da sub-região ocidental.
No caso de Costa do Marfim, são centenas de milhares de crianças que trabalham
nas plantações. Os cultivos são de muito difícil acesso e muitos encontram-se
fora do controle oficial. Assim, os produtores empregam a força de trabalho
infantil como mão de obra barata. E assim cumprem seus compromissos com os
intermediários, diretamente vinculados às multinacionais.
Em 2016 os ganhos reduziram-se, pois a cotação do cacau caiu
ao nível mais baixo em 10 anos, paralisando, nos países produtores, milhares
toneladas de uma colheita desvalorizada em 40%. As repercussões foram graves
para aqueles a quem cabe a parte amarga do chocolate, principalmente as
crianças.
Os meninos trabalhadores do cacau ganham salários baixos e
deprimidos. E são postos, no ambiente da economia de mercado, a competir em
desvantagem, e isso piora com as flutuações de preços... a tragédia é óbvia.
Reconhece-se que entre 300 mil e um milhão de crianças
trabalham no cacau em Costa do Marfim. Abiyán trata de aplicar um plano de ação
para pôr fim a isso, mas é uma tarefa difícil, a luta é contra uma máfia que
opera em países vizinhos e que faz do tráfico ilegal infantil para território
da Costa do Marfim um mercado lucrativo.
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